• Nenhum resultado encontrado

Tipos e características da obrigação tributária

3. TRIBUTO, NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA, FATO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO

3.4. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

3.4.2. Tipos e características da obrigação tributária

A categoria da obrigação tributária se divide em duas classes: a obrigação tributária principal e a obrigação tributária acessória. A obrigação principal refere-se (i) ao tributo, surgido em função da concretização da hipótese prevista na norma jurídica; ou (ii) à sanção pecuniária

307 Cf. GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da tributação — uma visão funcional. Rio de Janeiro: Forense, 2007,

p. 159-162.

308 Em igual sentido, o magistério de Dino Jarach, com base no direito tributário argentino: ―O momento de

criação da obrigação é a verificação do fato imponível, é dizer, a concretização na realidade da vida dessas circunstâncias que abstratamente tem definido o legislador, e este nascimento não está subordinado a nenhuma comprovação, declaração, determinação ou resolução por parte do órgão administrativo algum. [...]

As leis também confirmam este critério de que a obrigação nasce em momento em que se realiza o fato imponível e não em outras circunstâncias‖ (Curso superior de derecho tributario. Buenos Aires: Liceo Profesional Cima, 1957, p. 227 — tradução do autor).

(multa) imposta em função do descumprimento de uma obrigação acessória (art. 113, § 1.º, do CTN). Convém, pois, explicar a relação entre obrigação principal e acessória.

É incorreto remeter a uma analogia entre essas categorias — específicas de direito tributário — com a divisão entre obrigações adjetivadas como principais ou como acessórias segundo o direito civil; isto porque os critérios que se adotam e o regime jurídico reservada a cada qual é absolutamente distinto.

Em direito civil, o critério de distinção mais corrente é aquele semelhante ao utilizado para a classificação dos bens reciprocamente considerados: uma obrigação é principal quando apresenta existência autônoma desvinculada de qualquer outra; sua existência não pressupõe a de outra; é acessória, por outro lado, quando pressupõe a existência de outra e por ela é influenciada, de modo que extinta ou modificada a principal, isso reverberará na sua configuração309e310. Também não se devem confundir as obrigações tributárias acessórias com os deveres acessórias ou anexos às prestações de direito civil, corolários do princípio da solidariedade social e da cooperação, que ganharam lugar de destaque na moderna doutrina civilista (dever de proceder sob boa-fé objetiva, realização da função social das obrigações, equivalência material das prestações, dever de equidade, dever de informar e dever de cooperação)311.

No direito positivo as obrigações acessórias se referem às obrigações positivas e negativas, consistentes em prestações de dar, fazer ou não fazer, instituídas por lei no interesse a fiscalização e arrecadação tributárias. São autônomas em relação à obrigação tributária principal, eis que, independentemente da existência in abstrato ou in concreto do dever jurídico tributário concernente ao tributo, podem surgir. Não por outra razão que o CTN não

309

Cf. GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª ed. rev., atual e aum. Edvaldo Brito (atualizador). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 65, 89-90. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. II. 18.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 84-6. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Vol. II. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 196-7.

310 Um outro critério distintivo interessante, utilizado por parte da doutrina germânica, atribui o caráter acessório

à obrigação em função dela decorrer do descumprimento de uma obrigação principal, de sorte que seriam obrigações principais ―todas as obrigações jurídicas significativas de uma pessoa em relação a uma determinada situação, excetuando-se aí as obrigações acessórias‖ (SCHAPP, Jan. Metodologia do direito civil. Tradução de Maria da Glória Lacerda Rurack e Klaus-Peter Rurack. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004, p. 34). Essa concepção também não serve para explicar o fenômeno no âmbito tributário.

311 Cf. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 76-81.

WESTERMANN, Harm Peter. Código Civil Alemão. Direito das obrigações. Parte geral. Tradução de Armindo Edgar Laux. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1983, p. 31-33.

dispensa os entes imunes nem os isentos de seu cumprimento (arts. 9.º, § 1.º, 175, parágrafo único).

Muito embora o § 2.º do art. 113 do CTN diga que a ―obrigação acessória decorre da legislação tributária‖, não se pode afirmar que ela não surja a partir de um fato jurídico que, como tal e por imposição do citado dispositivo, deve ter previsão em lei. O fato gerador dessas obrigações pode ser uma situação de fato (alteração em imóvel que gera para o contribuinte o dever de informar a administração pública municipal) ou uma situação jurídica (a condição de contribuinte regularmente inscrito em cadastros fazendários que impõe ao sujeito o dever prestar declarações periódicas, ainda que não se tenha praticado fato gerador da obrigação principal).

É uma característica das obrigações em geral — e das tributárias, em particular — a transitoriedade. Toda e qualquer obrigação envolve um vínculo jurídico que não tem por peculiaridade a perenidade. Nasce para durar um determinado período de tempo e extinguir, naturalmente, pelo cumprimento da prestação; ou pelo decurso do tempo sem o seu cumprimento que, a rigor, implica o encobrimento da eficácia (nos outros ramos do direito, em geral) ou a extinção do vínculo (no direito tributário em particular)312 pela ocorrência de um ato-fato caducificante. A obrigação tributária, portanto, não é perene313.

Nesse contexto, calha abordar a problemática da patrimonialidade como elemento essencial, característica das obrigações em geral e, em especial, da obrigação tributária.

A obrigação jurídica, contudo, conforme já dito anteriormente, é uma categoria de direito positivo, de sorte que sua feição se delineia sob o estrito regime jurídico vigente. Assim, a obrigação tributária, nesse como noutros aspectos, requer teorização própria.

312 Isso porque a prescrição, enquanto tem por efeito no direito privado o encobrimento da eficácia da pretensão,

mantendo o vínculo jurídico entre credor e obrigado tornando a obrigação apenas inexigível, no direito tributário gera a extinção do vínculo, fazendo desaparecer a obrigação, por força do art. 113, § 1.º, c/c, 156, inciso V, do CTN.

313 A obrigação tributária acessória se extingue, outrossim, pelo decurso do tempo sem cumprimento. Com efeito,

o descumprimento da prestação co-respectiva e não-realização do ato de imposição da sanção pecuniária ao longo do prazo previsto em lei faz desaparecer tanto o dever de cumprir a obrigação acessória, como o estado de sujeição à imposição da multa.

Nesse passo, a patrimonialidade, por exemplo, será ou não um requisito da obrigação, conforme esteja pressuposto ou não em norma de direito obrigacional; não se pode adotar nenhuma premissa diversa, ou uma conclusão segundo a qual toda obrigação tem caráter patrimonial, senão depois de examinar o sistema de direito de um país como um todo.

No direito civil, a maioria da doutrina, desde o CC/1916, se inclinava pelo caráter patrimonial/econômico da obrigação314; Orlando Gomes pontuava que era necessário que o objeto da prestação tivesse conteúdo econômico e correspondesse a um interesse do credor, ainda que não fosse patrimonial315.

Ocorre que, mesmo nesse contexto, ou parte da doutrina já levantada objeções. Nesse sentido, Pontes de Miranda, aludindo ao CC/1916, afirma que o direito brasileiro não exige que a prestação que se constitui objeto da obrigação seja suscetível de apreciação pecuniária, podendo o credor ter interesse moral ou econômico em seu cumprimento (art. 76 do CC/1916). Ressalta Pontes de Miranda que, mesmo no direito civil italiano — sobre qual se estruturou o pensamento doutrinário que influenciou o pátrio —, a codificação peninsular, precisamente em seu art. 1.174, a exigência voltada ao objeto da prestação é de que seja suscetível de valoração econômica, devendo corresponder a interesse do credor; e este, o interesse do credor, poderá ser não-patrimonial316. O sistema positivo brasileiro, contudo, não

exige caráter econômico ou patrimonial quer seja à prestação em si, quer seja ao interesse do credor em seu cumprimento.

Nada obstante, no campo da doutrina tributária, respeitadas vozes levantam essa característica como essencial do tipo obrigacional. Por esse razão, negam à chamada obrigação tributária acessória o caráter obrigacional, de modo que a colocam na categoria geral de deveres jurídicos, atribuindo-lhes a denominação de ―deveres instrumentais‖ ou ―deveres formais‖. ―Deveres‖ em vez de ―obrigações‖, por conta da ausência de elementos susceptíveis da

314 Cf. por todos, PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. II. 18.ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1999, p. 16.

315 Cf. GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª ed. rev., atual e aum. Edvaldo Brito (atualizador). Rio de Janeiro:

Forense, 2007, p. 24.

316

Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo 22. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 40. ―Assim, o objeto da prestação pode ser patrimonial, ou não. Qualquer interesse pode ser protegido, desde que lícito, e todo interesse protegível pode ser objeto de prestação, como a obrigação de enterrar o morto segundo o que ele, em vida, estabelecera, ou estipularam os descendentes ou amigos ou pessoas caridosas‖ (p. 41).

apreciação econômica; ―instrumentais‖ em vez de ―acessórios‖, por conta de existirem independentemente da obrigação principal317. Com isso não se concorda, haja vista as diversas premissas já referidas acima.

Partindo das premissas segundo as quais (i) obrigação é uma categoria jurídica positiva; (ii) nenhum ramo do direito, a rigor, exige necessariamente caráter patrimonial ou econômico para a caracterização de uma relação de conteúdo obrigacional; (iii) a noção de acessoriedade pode variar em cada ramo do direito e em cada sistema positivo, não se podem acolher essas objeções à caracterização desses deveres (em sentido amplo) como obrigações, nem à adjetivação de acessórias.

Concorda-se, pois, com o pensamento de José Souto Maior Borges, para quem, de acordo com o direito tributário positivo pátrio, não se deve concluir pela patrimonialidade genérica da obrigação tributária, exatamente porque se distingue no CTN entre obrigação tributária principal — esta suscetível de avaliação econômica — e obrigação tributária acessória, que, a rigor, é insuscetível de valoração econômica. Destarte, a patrimonialidade é atributo da obrigação tributária principal. Tanto as prestações de cunho patrimonial quanto aquelas não o apresentam são, pelo direito positivo brasileiro, caracterizadas como obrigacionais318.