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1 Os prazeres nos parques do Rio de Janeiro

No documento Além Do Carnaval - James Naylor Green (páginas 51-55)

na belle époque brasileira, 1898-1914

Quando o Brasil entrou no século XX, a cidade do Rio de Janeiro passou por profundas transformações. Durante uma década após a abolição da escravidão, em 1888, e a proclamação da República, um ano mais tarde, a nação estivera envolvida numa intensa desordem política. Segundo um historiador desse período, “A belle époque cario- ca inicia-se com a subida de Campos Sales ao poder em 1898 e a re- cuperação da tranquilidade sob a égide das elites regionais. Nesse ano registrou-se uma mudança sensível no clima político, que logo afetou o meio cultural e social. As jornadas revolucionárias haviam passado. As condições para a estabilidade e para uma vida urbana elegante es- tavam de novo ao alcance da mão”.1

Enquanto a elite urbana almejava a estabilidade social e política, afro-brasileiros empobrecidos continuavam a inundar a cidade, vindos das áreas rurais circundantes e de outros estados em busca de empre- go. Do mesmo modo, como parte da onda de imigração europeia para as Américas do fim do século XIX, imigrantes estrangeiros, especial- mente portugueses, contribuíram para o dramático crescimento da ci- dade. Entre 1872 e 1890, a população do Rio de Janeiro praticamente duplicou, saltando de 266.831 para 518.290 pessoas. Dezesseis anos

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mais tarde, em 1906, ela já se elevara para mais de 800 mil e, em 1920, a capital possuía 1.157.873 habitantes.2 Nesse período, o número de

homens era maior que o de mulheres, na cidade. No censo de 1890, o novo governo republicano registrou 238.667 homens e 184.089 mu- lheres residentes na capital da nação. Entre a população nativa, havia uma proporção relativamente equilibrada de 159.393 homens para 151.428 mulheres. Contudo, entre os imigrantes estrangeiros o núme- ro de homens ultrapassava em mais que o dobro o de mulheres: 79.374 para 32.561.3 Em meio ao alvoroço diário, milhares de jovens

solteiros perambulavam pelas ruas do maior centro urbano do Brasil em busca de trabalho, diversão, companhia e sexo.

A explosão demográfica do Rio também exerceu uma enorme pres- são na infraestrutura da cidade, no abastecimento e na saúde pública. Em 1902, o prefeito da capital federal, Francisco Pereira Passos, com o apoio do presidente recém-eleito, Rodrigues Alves, encomendou um projeto radical de renovação urbana que iria transformar grande parte do centro da cidade. O Rio era promovido como uma versão tropical da moderna Paris.4 Elegantes edifícios no estilo da beaux-arts alinha-

vam-se em amplos bulevares iluminados, substituindo as ruas escuras, estreitas e tortuosas e as estruturas modestas. Funcionários da saúde pú- blica elaboravam campanhas para melhorar o saneamento e eliminar a febre amarela, por meio de um programa que, entre outras medidas, envolvia a vacinação obrigatória de toda a população. A administração municipal condenou mais de 1.600 edifícios, incluindo diversas unida- des para aluguel, e forçou quase 20 mil pobres e trabalhadores residen- tes do Rio, muitos dos quais afro-brasileiros, a encontrar novas mora- dias. Alguns se mudaram para lugares próximos, enquanto muitos outros foram forçados a deslocar-se para subúrbios afastados ao norte do centro da cidade.5 Embora protestos e tumultos populares contra os no-

vos programas residenciais, de saúde e saneamento público revelassem um profundo ressentimento diante do plano governamental como um todo, as autoridades continuaram a implementá-lo com determinação. Em 1906, eles declararam o projeto terminado, e o Rio de Janeiro logo ficou conhecido como a Cidade maravilhosa.6 A imprensa gabava-se

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de que a capital da nação se tornara um espaço público burguês com- parável a qualquer cidade modernizada da Europa.7

A mudança forçada dos habitantes pobres de algumas áreas cen- trais e as fachadas arquitetônicas de influência francesa delineando a nova via pública principal da cidade, a Avenida Central (mais tarde rebatizada como Avenida Rio Branco), produziram um ambiente ain- da mais prazeroso à elite carioca. Contudo, o plano de renovação não eliminou por completo as evidências de caos, pobreza e deterioração urbana consideradas impróprias pela alta sociedade carioca. A prosti- tuição sobreviveu em algumas partes da área central. O crime conti- nuou a ser uma ameaça àqueles que frequentavam as áreas recém- -restauradas do centro. Homens e mulheres pobres, especialmente negros, ainda mascateavam seus artigos nas ruas. E os homens que apreciavam relações sexuais com outros homens apegaram-se, obsti- nadamente, aos vários pontos do centro da cidade dos quais se ha- viam apropriado como lugares públicos para encontrar parceiros se- xuais e socializar-se com os amigos.

O espaço urbano mais conhecido para tais encontros era o Largo do Rossio, uma praça nos limites do centro antigo do Rio de Janeiro. A área teve suas fachadas remodeladas na época das reformas urba- nas de Pereira Passos e se manteve como um local de socialização ho- moerótica desde o fim do século XIX até muito recentemente.8 O cen-

tro do Largo do Rossio abrigava uma estátua majestosa do imperador D. Pedro I (1798-1834). Seu filho, D. Pedro II (1825-1891), mandou erguê-la em 1862 para celebrar o 40º aniversário da declaração da in- dependência brasileira. Em 30 de março desse ano, entre pompas e clarins, o imperador e sua corte inauguraram a imagem em bronze, de cinco metros, do primeiro governante do Brasil independente, monta- do num corcel e levantando nas mãos um rolo de papel representando a constituição da nação. A estátua equestre, que pesava sessenta to- neladas, repousava num pedestal de dez metros, decorado com figu- ras de bronze simbolizando os maiores rios do Brasil e placas de me- tal inscritas com os nomes das províncias do país.9 Mais tarde, o

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mento, com árvores, jardins, estátuas e bancos, fazendo dessa área um dos espaços mais agradáveis do centro e também uma representação pública dos sentimentos nacionalistas brasileiros. Bem próximo à pra- ça estava o Teatro São Pedro, que durante todo o século XIX abrigara muitos dos maiores eventos culturais para a alta sociedade carioca e que ajudou a atrair outras casas de espetáculo para a praça (Mapa 1).10

Logo após a inauguração da estátua do imperador D. Pedro I, a praça passou a desempenhar outra função “menos patriótica”, a de um local para as interações homossexuais. A atividade homossexual clan- destina que se criou ali foi tamanha que, em 1870, o administrador da Intendência Municipal enviou um comunicado ao presidente desta in- formando a situação. Ele reclamava que a guarda municipal responsá- MAPA 1 — Rio de Janeiro, c. 1906.

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vel pela vigilância dos jardins da praça havia “abandonado aqueles jardins na maior parte do dia à perversidade de garotos e de pessoas mal-intencionadas”.11 No entanto, sua reclamação praticamente não

surtiu efeito, e a área continuou a atrair homens que buscavam outros homens para fins socioeróticos. A consequência foi que, em 1878, o secretário da segurança pública teve de adotar medidas mais drásticas, “há individuos que vão a deshoras a practicar abusos contrarios a mo- ral, obrigando assim esta Repartição a ter rondantes naquelle jardim em prejuição da policia em outro lugar”.12 Ele determinou que as qua-

tro entradas para os jardins da praça fossem fechadas diariamente à meia-noite. Duas semanas mais tarde, em resposta a outra reclamação de que, na verdade, a praça não estava sendo fechada conforme fora ordenado, um funcionário do governo assegurou ao chefe de polícia que os portões dos jardins estavam, de fato, sendo fechados à noite.13

Além disso, as patrulhas noturnas tocavam um apito para garantir que ninguém permanecesse na área após o horário de fechamento. Apesar da vigilância e do controle da área pela polícia, os homens continua- ram a usar o parque como um local de encontro com outros homens para fins sexuais (Figura 1).

No documento Além Do Carnaval - James Naylor Green (páginas 51-55)