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Trabalhando para viver

No documento Além Do Carnaval - James Naylor Green (páginas 167-170)

Uma pessoa de origem humilde, sem nenhum apoio financeiro da família e que era exessivamente efeminado, tinha poucas opções de em- prego. Muitos homens, portanto, empregavam-se nas pensões, onde podiam assumir papéis tradicionalmente atribuídos às mulheres, como cozinheiros, garçons e faxineiros. No Rio, tanto Madame Satã quanto Henrique se mantinham dessa forma. Outros encontravam trabalho como ajudantes nos vários bordéis que serviam à crescente população masculina de São Paulo. “Flor-de-Abacate” trabalhava fazendo limpe- za num desses estabelecimentos. Ocasionalmente, os proprietários de outras casas de prostituição chamavam-no para prestar serviços se- xuais, atendendo algum cliente que não queria ser visto abordando outro homem na rua.100

Não se podia dizer que a prostituição masculina era uma profissão lucrativa para os homens efeminados. Gilda gabava-se aos inquisidores

Sexo e vida noturna, 1920-1945

alunos do Instituto de Criminologia de São Paulo, dizendo que tivera uma vida confortável quando trabalhava como atendente de loja no Rio de Janeiro, possuindo um apartamento com cômodos luxuosos, vários ternos e um rádio. Não sabemos se essa história de sucesso econômico é verdadeira ou não, mas, de qualquer modo, em São Paulo Gilda pas- sara por maus bocados quando trabalhava como prostituto. Ele insistia, contudo, que não queria mudar de vida, pois amava a “pederastia”.101

Tabu também trabalhava como prostituto. Ele havia se mudado da Bahia para o Rio com 16 anos, com um português que o sustentou até ser transferido de volta para Portugal pela empresa em que traba- lhava. No Rio, Tabu foi preso pela polícia e foi fotografado como um dos objetos do estudo realizado por Leonídio Ribeiro sobre a homos- sexualidade, em 1932. Mudou-se então para São Paulo, onde passou a ganhar a vida “pegando” homens na rua e levando-os para um quar- to que alugava exclusivamente para seus parceiros pagantes. O amigo de Tabu, Zazá, também trabalhava como prostituto numa hospedaria (Figura 8). Dezenas de outros homossexuais também residiam nesse estabelecimento. Alguns eram velhos e enfermos, e viviam da carida- de e generosidade dos outros moradores.102

O sexo com prostitutos oferecia riscos para os homens “verda- deiros”, que podiam acabar envolvidos numa trama conhecida como conto do suador. O perito médico-legal Edmur de Aguiar Whitaker descreveu o que podia acontecer: “Um pederasta passivo convida de- terminado indivíduo, que encontra ocasionalmente a transitar pela rua, para práticas homossexuais, e o leva para o seu quarto (ou ao quarto de um colega); já de prévia combinação, entretanto, com mais companheiros. Um deles acha-se escondido no quarto, sob uma mesa recoberta de toalha suficientemente comprida, de modo a ocultar o móvel até o pavimento; a vítima coloca a sua roupa em uma cadeira, próxima à mesa referida, entre esta e a cama; deita-se com a cabeça voltada para a mesa; enquanto se entrega às praticas homossexuais, o indivíduo escondido examina a sua carteira e retira-lhe o conteúdo. Somente mais tarde a vítima, cuja carteira foi reposta no respectivo bolso, descobre o furto”.103 Whitaker registrou o caso de um alfaiate

Além do carnaval

de 23 anos, de São Paulo, que recebeu uma sentença de seis meses de prisão por ter aplicado esse conto do suador. Em 13 de julho de 1934, o jovem convidara outro homem, referido como B. de G., à re- sidência de dois amigos. Enquanto o jovem alfaiate praticava sexo com a vítima, seus dois amigos roubaram sua carteira. Em seguida, os três dividiram o dinheiro. Dois foram apanhados pela polícia logo depois, enquanto o terceiro conseguiu fugir para o Rio.

Outro ladrão condenado, E. L., trabalhava como garçom em São Paulo. Ele tinha apenas 9 anos quando fez sexo pela primeira vez com outro homem. Seu pai descobriu suas atividades e forçou-o a se casar. Depois de gerar dois filhos, ele abandonou a mulher para procurar um parceiro masculino. Entre 1935 e 1937, a polícia prendeu-o nove vezes por roubo e pederastia. Ele passou algum tempo na penitenciária esta- dual, condenado por ter praticado um conto do suador em 1935. E. L. FIGURA 8 — Tabu e Zazá, dois homossexuais paulistas entrevistados pelos estudantes de crimino-

Sexo e vida noturna, 1920-1945

explicou que ele e um amigo haviam roubado o homem com quem ele tivera relações sexuais porque estavam desempregados na época.104

Essas histórias trazem à tona dois aspectos da marginalidade da subcultura homossexual, na forma como é revelada nos documentos. Por um lado, o ostracismo social levou muitos a viverem em áreas ur- banas onde abundavam as atividades ilícitas. As dificuldades em en- contrar emprego levaram muitos deles à prostituição e aos pequenos furtos. Receber para ter relações sexuais com outros homens e depois roubar sua carteira era, ao menos para alguns, a única e árdua manei- ra de reunir migalhas para a sobrevivência, particularmente nos anos 30, quando a economia brasileira estava ainda sofrendo os efeitos da depressão mundial. Por outro lado, aqueles que buscavam contatos sexuais entre os bordéis e as pensões nas áreas do centro também en- frentavam perigo, caso dependessem do sexo com um prostituto ou com algum desconhecido como meio de satisfazer desejos eróticos. Além disso, muitas vítimas do conto do suador não podiam ir à polí- cia, pois isso significaria ter de explicar como chegaram a tal situação comprometedora. Portanto, homens casados e aqueles que temiam a exposição de suas práticas homossexuais eram particularmente vulne- ráveis quando ousavam passar uma hora ou uma noite com um ho- mem maquiado.

No documento Além Do Carnaval - James Naylor Green (páginas 167-170)