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A doutrina considera o Ministério Público como uma instituição singular, isso porque sua estrutura definida na Constituição da República Federativa Brasileira conferiu-lhe “independência, autonomia e garantias para possibilitar um desempenho eficiente de suas funções, […] destinando-lhe um papel na sociedade que não tem precedente nas Constituições anteriores”. Em todos os casos em que haja interesse social para a proteção de interesses coletivos, a Lei remete essa atribuição ao Ministério Público.144

Outra definição conferida ao Ministério Público que carrega consigo o peso da sua importância é o de defensor do povo. É nesse norte que Mazzilli caracteriza a atribuição de zelar “pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos” assegurados na Constituição como “Um dos mais expressivos canais pelos quais o Ministério Público contribui para o acesso à Justiça”145

O aparelhamento jurídico dedicado à atividade ministerial denota as possibilidades de contribuição à sociedade que podem ser promovidas pelo órgão. É uma instituição que possui força, considerada essencial à justiça. Tanto que, outrora,

143 PALU, Oswaldo Luiz. Ministério Público: suas atribuições constitucionais e a ação civil pública: considerações. Justitia, v. 62, n. 189-192, jan./dez. 2000. Disponível em:

<http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/23878/ministerio_publico_suas_atribuicoes.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2017.

144 SILVA, Alexandre assunção e. Ministério público: doutrina e regimento jurídico. São Paulo: EDIPRO, 2013. p. 35.

145 MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso à justiça e o ministério público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 38.

fora classificado pela doutrina como o “quarto poder” da República, concepção essa superada pelo texto constitucional de 1988, que conferiu autonomia institucional ao Ministério Público.146

Partindo-se da ideia de um Ministério Público como defensor dos interesses sociais coletivos e amparado por um ordenamento jurídico que possibilita sua atuação eficaz nesse mister, supõe-se que a sociedade seja modificada pelos resultados desse trabalho. Assim, torna-se conveniente conhecer a forma de agir e as possibilidades de alteração da realidade social por meio da ação do parquet.

Como verificado no item 4.3, o Ministério Público, a fim de atender as necessidades sociais e cumprir sua missão institucional, atua em diversas frentes temáticas. Para uma maior compreensão, serão abordadas atividades ministeriais na defesa dos direitos coletivos relacionadas às áreas do meio ambiente, consumidor, improbidade administrativa e àquelas que dizem respeito aos direitos das crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência.

A escolha das temáticas elencadas no parágrafo anterior deve-se a dois fatores: o notório impacto social da defesa desses direitos coletivos e a existência de dispositivos legais que disciplinam tais assuntos. Assim, pretende-se relacionar os dois fatores com a atuação ministerial, com a finalidade de delinear o papel social desempenhado por ela.

Ressalte-se que, conforme o inciso I, artigo 5º, da Lei da Ação Civil Pública147, o Ministério Público é legitimado a propor a ação civil pública por danos

causados “ao meio-ambiente, ao consumidor [...] bem como defender qualquer outro direito difuso ou coletivo. Dessa forma, estará legitimado em todas as situações a seguir elencadas.

A defesa do meio ambiente em juízo, pelo Ministério Público, tem por objetivo a reparação de dano ambiental e a manutenção de um ambiente equilibrado. O dano, em tese, pode ser caracterizado por poluição ou degradação decorrente de ocupação imprópria da área atingida. A Lei nº 6.938/1981 – Lei da

146 SOUZA, Luciano Machado. O ministério público e a defesa da constituição e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 38.

147 BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Disponível em:

Política Nacional do Meio Ambiente e a própria Lei da Ação Civil Pública, regulam a defesa desse bem. O Ministério Público atua na defesa da “flora, fauna, áreas de preservação, gestão ambiental, reservas legais, zona costeira, mineração, transgênicos, recursos hídricos e preservação do patrimônio cultural”148. Utiliza como

principais instrumentos “[…] o Inquérito Civil – IC, o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, a Ação Civil Pública – ACP e a Ação Penal Pública – APP, no processamento dos crimes ambientais”149.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, disciplina as questões que envolvam as relações de consumo (preços abusivos, defeitos de fabricação [...]). O Ministério Público atua nesses casos defendendo tanto os interesses difusos como individuais homogêneos, que tenham relevância social. Sempre que tenha conhecimento de fatos que se relacionem “[...] a esses interesses, o Ministério Público adotará medidas legais necessárias para prevenir ou reparar o dano, utilizando-se do inquérito civil para celebrar compromissos de ajustamento de conduta ou ajuizar ações coletivas de consumo”.150

A Lei nº 8.429/92, Lei da Improbidade Administrativa, atribui ao Ministério Público competência para ajuizar ação (art. 17) que visa resguardar o “direito à boa e eficiente Administração Pública”151. A referida Lei trata das “sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública [...]”152, daí sua significância na defesa do Patrimônio Público e Social brasileiro. O tema é tão importante que foi incluído entre as finalidades da própria Lei da Ação Civil Pública.153

148 BRASIL. Ministério Público Federal. Meio ambiente e patrimônio cultural. 2017. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4>. Acesso em: 9 jun. 2017.

149 RIO GRANDE DO SUL. Ministério Público. Meio ambiente: apresentação. 2017. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/ambiente>. Acesso em: 8 jun. 2017.

150 RIO GRANDE DO SUL. Ministério Público. Consumidor: apresentação. 2017. <http://www.mprs.mp.br/consumidor>. Acesso em: 8 jun. 2017.

151 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 169. 152 BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm>. Acesso em: 9 jun. 2017.

153 BRASIL. Lei nº 13.004, de 24 de junho de 2014. Altera os arts. 1o, 4º e 5º da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, para incluir, entre as finalidades da ação civil pública, a proteção do patrimônio público e social. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

Outra respeitável atuação do Ministério Público é a defesa dos direitos do cidadão, onde são tutelados direitos individuais indisponíveis, coletivos e difusos atinentes a matéria154. “Tal função é importante para a efetivação de direitos sociais,

tais como: saúde, educação e assistência social.”155 Nessa área de atuação tem-se,

por exemplo, tratando-se de tutela coletiva, em razão da condição de vulnerabilidade dos seus sujeitos, a incumbência do órgão ministerial de resguardar os direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.156 Reconhecida a ofensa e esgotados os

recursos extrajudiciais, caberá o ajuizamento de Ação Civil Pública.

As atividades do Ministério Público, na defesa dos direitos coletivos, permeiam uma variedade de áreas de especialização. Interferem nas relações de consumo, na correta aplicação de verbas públicas, na defesa das minorias, na garantia de um meio ambiente adequado à vida. O órgão ministerial tem sob sua responsabilidade, em grande medida, a tarefa de assegurar o bem estar social.

Na interlocução com a sociedade o parquet desempenha a função de ouvidoria do povo que o torna sujeito ativo das políticas públicas. Marcelo Pedroso Goulart afirma que “a tutela dos interesses difusos e coletivos interfere nas relações estruturais da sociedade (econômicas, políticas e culturais), abrindo caminhos para mudanças profundas na realidade.”157

154 No Ministério Público Federal, a responsabilidade sobre o tema é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC.

BRASIL. Ministério Público Federal. Direitos do cidadão. Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/pfdc/sobre/saiba-mais>. Acesso em: 9 jun. 2017. 155 SILVA, Alexandre assunção e. Ministério público: doutrina e regimento jurídico. São Paulo: EDIPRO, 2013. p. 107.

156 Inciso V, art. 200, do ECA.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 9 jun. 2017.

Inciso I, art. 74, do Estatuto do Idoso.

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 9 jun. 2017.

§3º, art. 79, do Estatuto da pessoa com deficiência.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 9 jun. 2017. 157 SABELLA, Walter Paulo; DAL POZZO, Antonio Araldo Ferra; BURLE FILHO, José Emmanuel. (Coords.) Ministério Público: vinte e cinco ano do novo perfil constitucional. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 303.

Em relação a atuação do Ministério Público, Zaneti Júnior pondera que “sua função não é burocrática, mas efetiva, sendo imprescindível perguntar o quanto de resposta ao interesse público e social cada manifestação do MP tem potencial de fornecer.”158 Nesse ponto, espera-se uma atuação capaz de trazer à realidade os

preceitos constitucionais que visam a garantia dos direitos sociais, atuando, para isso, tanto judicial como extrajudicialmente.

Sobre esse aspecto, na reflexão de João Carlo de Carvalho Rocha tem-se que:

O Ministério Público existe para dar efetividade aos objetivos fundamentais da República, e nesse mister encontra sua legitimidade. [...] Não faz sentido afirmarmos que as atribuições do Ministério Público, como instituição permanente do Estado, emanam da soberania, sem que se tenha clareza que essa soberania tem um conteúdo político, econômico e social, conteúdo forjado pela pobreza e exclusão, mas também pela esperança e solidariedade.159

Ao observar-se a dinâmica da tutela dos direitos coletivos lato sensu, tem- se que o Ministério Público representa uma real possibilidade de acesso à justiça e de defesa de direitos. Simboliza o porta-voz do cidadão que clama por uma sociedade justa. Como instituição, tem a atribuição de agir em nome da coletividade a fim de assegurar um direito lesado. Assume, dessa forma, um papel transformador da sociedade.

Mazzilli, ao tratar do tema “O Ministério Público e a pacificação social” principia seus apontamentos afirmando que “entre os valores fundamentais da democracia, está o acesso à Justiça, que deve restar efetivamente ao alcance de todos, pobres e ricos, fracos e poderosos.”160 Contudo, infelizmente, essa ainda não é a realidade brasileira. As desigualdades sociais são visíveis e o necessário acesso à justiça não está exatamente ao alcance de todos.

Assim, cabe sublinhar o relevante papel desempenhado pelo Ministério Público na defesa dos direitos coletivos transindividuais que, em que pese a

158 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Código de Processo Civil 2015: ruptura do paradoxo entre o Ministério Público da Legalidade e o Ministério Público constitucional. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.)

Ministério público: coleção repercussões do novo CPC. Salvador: Juspodvim, 2015. v. 6. p. 43-60.

159 MOURA JÚNIOR, Flávio Paixão de. et al. Ministério público e a ordem jurídica justa: dez anos da lei complementar nº 75/93. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 111.

160 MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso à justiça e o ministério público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 29.

necessidade de aprimoramento do sistema jurisdicional, possibilita que uma parcela da população alcance a justiça.

Em complemento ao assunto abordado neste item, segue-se com jurisprudências que exemplificam ações civis públicas de autoria do Ministério Público cujos objetos são diretos transindividuais.