• Nenhum resultado encontrado

Parte 4: Definindo o significado de mediana a partir de suas propriedades

3 – APRENDIZAGENS MATEMÁTICAS NA ARTICULAÇÃO DAS LINGUAGENS ESPECÍFICAS E PROCESSOS INVESTIGATIVOS

Episódio 1 Parte 4: Definindo o significado de mediana a partir de suas propriedades

(363) A1: Então olha só! Eu acho que sempre vai pulando, tem um ou dois. Não aumenta. (referindo-se aos valores do meio para conjuntos de dados pares ou ímpares).

(364) A2: Claro, né! Desconta em parzinho, se sobrassem três teria mais um parzinho pra descontar.

(365) A5: É! Pior que é (riso geral do grupo....).

(366) A2: Então vamos escrever que vai pulando para um dá dois e para outro dá um, descontando nas pontas sobra dois ou sobra um.

(367) A1: Vai alternando. (368) A2: Isso.

(369) A5: Mas, óh! Você viu por que sobram dois? (370) A2: Porque antes sobrava um.

(371) A5: É que esse aqui é multiplicado por dois, óh,(Apontando para a folha) dez vai dar cinco parzinhos, é certo que não sobra um.

(372) A2: É mesmo (Balançando a cabeça afirmativamente).

(373) A1: E no outro não é multiplicado por dois, é ímpar (Apontando para a folha).

(374) A2: É isso ai mesmo, então vamos colocar que um é par e outro é impar. Será que é isso? (Dirigindo-se ao colega A5) Tem que pedi pra prof. porque não tem uma fórmula ainda de fazer a conta, só um jeito.

As palavras utilizadas na discussão, inseridas em contextos, apresentam indícios de compreensão do conceito de mediana pelos alunos a partir da percepção de suas propriedades.

Diferentes conceitos foram trazidos à tona na discussão da atividade através das palavras, que possuem diferentes sentidos atribuídos pelos alunos no contexto onde foram utilizadas, e um significado matemático instituído historicamente, os quais não são, necessariamente, aqueles usados no cotidiano. A significação das palavras tem relação com os conceitos elaborados, articulando língua materna e linguagem matemática, “[...] para que, na e pela produção de sentidos, se estabeleça um processo de ensino e de aprendizagem que encaminhe o aluno à apropriação da significação científica de conceitos” (NEHRING, POZZOBON e BATTISTI, 2010, p.10). Na sequência da atividade, a professora propôs aos alunos que registrassem as conclusões obtidas, já que estes, talvez por suas vivências anteriores com objetos matemáticos, acreditavam haver a necessidade de uma “fórmula” que representasse o cálculo da mediana.

Figura 8 Recorte da folha de registro da atividade do Grupo 1, que apresenta a sistematização da atividade registrada pelo grupo

O registro escrito dos alunos identifica os sentidos atribuídos pelos diálogos no processo investigativo. Assim, os sentidos dados a uma palavra não existem por si só, mas são elaborados na linguagem e no discurso e, portanto carregam consigo marcas sociais. Para Fontana, os sentidos elaborados são, assim, “em parte nossos” e em parte do “outro”. Eles são o efeito da interação entre os interlocutores. Neles ecoam, confrontam-se vozes a que condições a enunciação concreta responde, antecipa ou ignora” (FONTANA, 1996, p.126).

Através do diálogo o outro tem a possibilidade de mediar a aprendizagem. Vigotski (2001) atribui valor fundamental ao diálogo, que permeia todos os processos de aprendizagem. Dessa forma, o adulto apresenta os significados estáveis e os sentidos que poderão ser produzidos no seu contexto. Assim, pode-se concluir que é também pela palavra do adulto que a criança aprende e passa a utilizá-la de forma consciente, conforme for aprendendo a aplicá-las de forma a organizar o seu próprio pensamento.

[...] a conquista da linguagem pela criança dá-se através de uma constante interação de disposições internas que preparam a criança para a linguagem e para as condições externas — isto é, a linguagem das pessoas que a cercam -, que lhe fornecem quer o estímulo quer a matéria prima para a realização dessas disposições. (VIGOTSKI, 1989, p. 39)

É através de diálogos com os adultos que já dominam a linguagem que a criança vai tendo seus primeiros contatos com as palavras, que já possuem significados atribuídos e para as quais vão atribuindo diferentes sentidos, dependendo do contexto em que forem utilizadas.

Como demonstrou a investigação, minhas intervenções, por vezes questionando e por outras direcionando o andamento da atividade, possibilitou o contato gradativo do grupo com a atribuição de significados dentro de sistemas que se relacionam. Inicialmente, o grupo não reconhecia nenhum significado atribuído para valor do meio. A investigação ocorreu na perspectiva do diálogo, com novos sentidos sendo atribuídos para permitir que os alunos chegassem à conceituação descrita na Figura 8.

De acordo com Battisti (2007, p. 72), as relações estabelecidas no contexto escolar, bem como a relação do ser humano com o mundo, não se dão diretamente com o objeto, e sim mediadas por sistemas simbólicos, que, por sua vez, são considerados estruturas complexas, articuladas e organizadas por meio de signos e instrumentos. Os signos regulam as ações do psiquismo do ser humano, ou seja, são orientados

internamente. Já o instrumento é orientado externamente e, assim, tem por função conduzir a influência humana sobre o objeto da realidade.

Com a transformação da humanidade, os homens elaboraram diferentes símbolos e signos como forma de registrar e fornecer informações, as quais se estruturam em sistemas simbólicos possibilitando a formação de significados compartilhados. O signo é o meio que permite a construção do pensamento, já que, segundo Oliveira (2004, p. 51), é por meio da linguagem que o ser humano é capaz de generalizar e abstrair, produzindo linguagem e se constituindo a partir dela.

A matemática, por assumir uma linguagem própria, tem suas particularidades. Como ciência “desenvolveu através da sua história uma linguagem específica que exerce uma função objetiva tal qual o próprio significado de seus conceitos” (PAIS, 2006, p.75). Essa linguagem representa registros construídos historicamente e a sua aprendizagem é fundamental para a aprendizagem de matemática, já que possibilita a comunicação de ideias com clareza e precisão, de forma generalizada e teórica.

Para Battisti (2007, p.74), em matemática a comunicação estabelecida é resultado de representações, já que esta trabalha com objetos abstratos (conceitos, propriedades, estruturas, relações). Na aprendizagem de matemática, faz–se necessário o uso de diferentes representações, que se dão por símbolos, signos, códigos, tabelas, gráficos, etc., que se utilizam da linguagem matemática e “possibilitam a comunicação de ideias matemáticas entre as pessoas e as atividades cognitivas do pensamento relacionadas a esta área de saber” (ibidem).

O ensino de matemática dá-se em linguagem específica, articulando as dimensões abstratas da linguagem com outras formas de comunicação. Para Pais (2006, p.74), a aprendizagem é resultado de contínuas articulações entre símbolos e conceitos, assim, o conhecimento se faz pelo uso articulado da dimensão teórica das ideias com a percepção das diferentes formas de comunicação.

3.2 Interações entre alunos-professores e alunos-alunos: instância promotora de aprendizagens matemáticas

As inter-relações estabelecidas entre professor e aluno e entre alunos em sala de aula visam à aprendizagem, que precisa estar ancorada na significação dos conceitos, permitida pelos sentidos produzidos pelos alunos, e podendo ser desenvolvida por atividades de investigação. Para tanto, o professor precisa dar voz aos alunos,

possibilitando que estes direcionem a atividade explicitando os sentidos atribuídos e os significados que virão a ser negociados.

No 5º encontro após terem sido realizadas as apresentações do perfil do aluno característico da turma elaborados pelos grupos, instiguei os alunos a representar dois dos dados qualitativos e dois dos dados quantitativos de diferentes formas: tabelas, diagramas, gráficos, etc., para, em seguida, justificar qual das representações melhor possibilitava a visualização dos dados. De acordo com as notas de campo, nesse momento os alunos utilizaram principalmente as tabelas de distribuição de frequência e, sem maiores argumentos, justificaram que, pela facilidade dos cálculos, já que tinham apenas 10 dados, o cálculo da porcentagem ficaria fácil, e que esta é a melhor forma de visualizar o percentual para cada característica.

Problematizei a discussão questionando se pela porcentagem seria possível determinar quantas meninas e quantos meninos tinham na turma da 8ª série (composta por 35 alunos) da qual os alunos faziam parte. Para os dois grupos, esse questionamento caracterizou-se como um grande desafio, pois inicialmente ninguém conseguiu realizar o cálculo, sendo convidados a investigar como esse cálculo poderia ser feito.

Minha postura nesse momento foi a de instigar que os alunos elaborassem estratégias para calcular a porcentagem, considerando que, mesmo que essa investigação já houvesse sido realizada por matemáticos e que os próprios alunos já tivessem tido contato com esses conhecimentos em outros momentos de sua escolarização, tal desafio poderia lhes dar potencialmente, condições de estabelecer estratégias na significação de conceitos, já que estavam sendo convidados a escolher a direção a seguir, mediada por minhas intervenções.

Minha intervenção se deu na perspectiva de orientar o andamento da atividade, instigando a curiosidade dos alunos com base em um tema que vinha sendo discutido e, portanto, potencial para o desenvolvimento de uma investigação sem perder de vista nem o objetivo da atividade, nem a negociação das aprendizagens matemáticas através da sistematização dos dados.

Na intervenção pode–se perceber que minha mediação se dá de forma consciente e planejada, através de signos que modificam os modos de pensar dos alunos por intermédio de ações que lhes possibilite apropriar-se de saberes já constituídos culturalmente, podendo-se caracterizar esse ato como o ato de ensinar. “[...] a aprendizagem e o desenvolvimento não coincidem imediatamente, mas são dois processos que estão em complexas interrelações. A aprendizagem só é boa quando está

à frente do desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2001, p.334). Assim, a aprendizagem pode ser caracterizada como um importante fator no desenvolvimento intelectual do aluno, já que desenvolve funções psicológicas importantes para a compreensão da realidade.

Fontana (1996, p.128) corrobora com essa ideia, afirmando que a mediação do adulto induz a criança a utilizar e elaborar operações intelectuais, habilidades e estratégias não utilizadas antes, desencadeando processos de desenvolvimento cognitivo, considerando que, sempre há o outro em posição assimétrica de nível de maior generalidade. Dessa forma, segundo Vigotski (2001), a mediação do/pelo outro suscita a emergência de tarefas que, embora a criança não seja capaz de desenvolvê-las sozinha, consegue realizar com o auxílio de outros colegas ou do professor.

No levantamento de estratégias, o Grupo 2, após realizar alguns cálculos manuais e com a calculadora, chamou a atenção da turma e da professora, causando um alvoroço ao afirmar que as calculadoras estavam com defeito, já que, ao dividir 6 por 0,5, obtinham como resultado 12. Naquela circunstância, isso não era possível, pois como estavam realizando uma divisão, pelas palavras dos alunos, “obrigatoriamente teriam que obter como resultado um número menor”. Aparentemente, o grupo demonstrou reconhecer a noção de divisão que é do senso comum.

O fato de, esse impasse, ter surgido no decorrer da investigação instigou a curiosidade do grupo, por tentar compreender o que estava acontecendo, motivando neles o espírito investigativo, que pode ser analisado nos questionamentos dos alunos no episódio a seguir: