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4 – A APRENDIZAGEM DE CONCEITOS ESTATÍSTICOS E PARA ALÉM DA ESTATÍSTICA

Episódio 5 Parte 3: Intervalos e frequência

(98) A5 - Idade, altura, eu acho que a idade vai ser 14! (Olhando em volta). (99) A9 - Eu acho 13!

(100) A5 - Pode ser?

(101) A2 - Vamos colocar entre 13 e 14 anos.

(102) A9 - É porque aqui a gente sabe a idade de todos. Tá mas o A4 tem uns 16? (103) A5 - Daí a gente vai ter que perguntar as idades certas para fazer a média. (104) A9 - Não, ver qual tem mais!

Nesse fragmento, a ideia de intervalo foi trazida a tona pelo aluno A2 (turno 101), espontaneamente A9 observa que a idade do aluno A4 não pertencia ao intervalo proposto por A2 (turno 102) e sugere a ideia de frequência (turno 104) para identificar a idade característica do grupo. Esses dois conceitos, de intervalo e frequência, foram posteriormente discutidos e sistematizados com toda a turma, na tentativa de evoluir a níveis superiores de generalidade na perspectiva da formação de conceitos.

Os três fragmentos do Episódio 6, portanto, destacam três conceitos já conhecidos pelos alunos: média, intervalo e frequência. Inicialmente, apesar de demonstrarem conhecer, os alunos não tomam consciência desses signos. Isso nos leva a supor, que os alunos os utilizavam apenas como forma de conceitos espontâneos apresentados por generalizações baseadas em fatos da realidade e que dão indícios da compreensão do conceito, que posteriormente foi nomeado no momento da sistematização da atividade como tentativa de evoluir na negociação do conceito por parte dos alunos.

Segundo Batanero (2001), a escola e seus educadores não têm como função ensinar aquilo que o aluno pode aprender por si mesmo, e sim potencializar a aprendizagem de conceitos sistematizados. A função da escola e de seus educadores é estimular para que os conceitos espontâneos, adquiridos nas interações, possam ancorar a significação de conceitos científicos e sistemáticos: pois “[...] as crianças não aprendem só na escola mas também em seu meio familiar e social e seu raciocínio se

modifica gradualmente a partir de suas experiências e das interações com o objeto e com o mundo que o rodeia” (BATANERO, 2001, p.56). Para a autora, os conceitos científicos são aqueles adquiridos que fazem parte de um sistema organizado, por meio de instrução. Os conceitos científicos envolvem uma atitude mediada em relação aos objetos, formando sistemas conceituais.

Para Vigotski (1989), os conceitos espontâneos podem ser explorados como o ponto de partida para a construção de um conhecimento; já os conceitos científicos, como o ponto de chegada, ou seja, como o objetivo do ensino. Assim, é função da escola mediar o desenvolvimento desses conceitos espontâneos para a formação de um conceito científico, propiciando situações que permitam ao aluno atingir níveis superiores de abstração e generalização. Para tanto, o objeto específico do trabalho escolar é o conhecimento científico; e tem por função o desenvolvimento mental de novas funções.

Um saber científico, até chegar ao momento da formalização, passa por transformações: os modelos são criados, recortados, ampliados e redigidos (PAIS, 2006, p.9). A forma como os conhecimentos são produzidos pelos matemáticos influencia a organização do ensino de matemática. O matemático tem por função construir novos conhecimentos, a partir de descobertas e retificações de saberes desatualizados. Já à escola cabe trabalhar com saberes já institucionalizados, ou seja, científico,

[...] ensinável, acessível ao nível de compreensão do aluno. Este processo de tornar o objeto de saber ensinável não constitui apenas um processo de transmissão, porque exige, necessariamente, um processo de re- contextualização, uma re-construção dos saberes (BATTISTI, 2007, p.36).

A escola, como instituição, trabalha com esse saber científico, cabendo ao professor conhecer aqueles que caracterizam sua área do conhecimento, para que possa reorganizá-lo adequando a proposta de ensino aos sujeitos para os quais o conhecimento será proposto, para tanto, principalmente em atividades de investigação, a mediação do professor é fundamental.

O aprender matemática passa, obrigatoriamente, por abstrações, o que possibilita que conceitos sejam estabelecidos sem a necessidade de uma representação escrita. Dessa forma, ao recontextualizar os saberes matemáticos e optar por determinadas estratégias de ensino e aprendizagem, o professor precisa considerar a importância dos processos de abstração e generalização para a aprendizagem de matemática. No caso da atividade proposta nesta pesquisa, considerar que o signo perfil, previamente, não

representava um significado para os alunos e estimulou que estes desenvolvessem negociações a partir de seus conceitos espontâneos. Ainda, possibilitou a riqueza de trazer à tona vários conceitos espontâneos destes alunos que enriqueceram o trabalho de sistematização e discussão de conceitos científicos.

Ao relacionar inicialmente a ideia de perfil a um objeto concreto, não estamos a desconsiderar o estatuto de matemática como uma ciência teórica e, sim, partindo de situações contextualizadas que provoquem os alunos a formular questões, elaborar e testar estratégias, sem perder de vista um dos objetivos de uma atividade matemática que é possibilitar o desenvolvimento de processos superiores de abstração e generalização.

Para Battisti (2007, p.37-38), considerar que a matemática exige graus de abstração e generalidade não significa que o ensino deva ser iniciado com os conceitos sendo apresentados na sua forma final, pronta. É que muitas vezes o fato de a matemática chegar ao aluno com altos graus de abstração e generalidade pode influenciar para que os alunos a considerem um saber complexo, chegando a se tornar fator de exclusão.

Mesmo que um dos objetivos do ensino da Matemática seja trabalhar com modelos, fórmulas e algoritmos, essas estruturas não devem ser colocadas no plano inicial da aprendizagem, porque tais criações se constituem pela convergência de vários aspectos, que são objeto do trabalho didático (PAIS, 2006, p.9).

Para isso a relação do professor com seu objeto de saber é fundamental, podendo apresentar, através de sua prática, suas reais concepções sobre a área do saber que lhe compete, ensinando conforme essas concepções. Assim, o professor, atento às modificações ocorridas na sua área, destina atenção para que o saber ensinado não se torne uma mera discussão de conceitos espontâneos, ou a simplificação de conceitos científicos.

Embora o professor possa não ter consciência de que ‘muda a cara do saber’, e pense ser fiel ao texto de saber ou ao saber científico, ele faz escolhas, planeja, organiza uma forma de tradução do saber escolar, e isso é um processo intencional. Talvez aqui se institua mais uma dialética: a transposição didática interna como um fenômeno que traz elementos conscientes e inconscientes na sua realização (MENEZES, 2006, p. 86).

O professor ao transformar o saber científico em saber a ser ensinado modifica a forma de apresentação do mesmo. Um saber dito científico foi descontextualizado,

generalizado, para que pudesse ser legitimado. Ao professor cabe propor situações contextualizadas, considerando os conceitos espontâneos dos alunos para iniciar o ensino.

Vigotski (2001) aponta que o ensino direto de conceitos científicos é inadequado, destacando a necessidade de se dar oportunidades ao aluno de adquirir novos conceitos a partir do contexto linguístico geral. Dessa forma, as ações cotidianas do aprendiz podem se tornar conscientes na medida em que são vivenciadas dificuldades para novas adaptações. Segundo o autor, ao tomar consciência de uma ação mental, o aprendiz a transfere para o plano da ação, ou seja, da linguagem, podendo recriá-la na imaginação para que possa ser expressa em forma de palavras.

O aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais. Os conceitos científicos, com seu sistema hierárquico de inter-relações, parecem constituir o meio no qual a consciência e o domínio se desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e a outras áreas do pensamento. A consciência chega à criança através dos portais dos conhecimentos científicos (VIGOTSKI, 1989, p. 84).

Para tanto, a forma como o conhecimento matemático é introduzido ao aluno podem influenciar o desenvolvimento de importantes funções mentais que possibilitem organizar os conceitos aprendidos em sistemas conceituais. A escola é um espaço privilegiado para oportunizar o contato sistemático e intenso dos alunos com sistemas organizados de conhecimentos, fornecendo-lhes instrumentos para elaborá-los mediando seu desenvolvimento.

Professores, influenciados por sua formação acadêmica, têm centrado suas práticas, tanto para a seleção de saberes, quanto para a construção do conhecimento na realização das atividades, exigindo “[...] do aluno muito mais respostas prontas do que a atitude de formular questões, explicitar seus argumentos ou justificar seu raciocínio” (PAIS, 2006, p.10). Assim, colocam o ensino na direção oposta à natureza da atividade científica, esquecidos de que a formulação de problemas é um importante momento na construção de novos conhecimentos matemáticos. O autor sugere que a resolução de problemas pode ser uma importante estratégia para eximir a exigência por respostas prontas e levar o estudante a formular questões.

O desenvolvimento da aprendizagem de estatística prevê a utilização de conceitos estatísticos e daqueles que se relacionam para que sua compreensão seja

desenvolvida. Considerando que a educação estatística tem por necessidade relacionar conteúdos, métodos e objetivos da sala de aula com situações que despertem o interesse do aluno, seja através de situações contextualizadas ou de situações matemáticas que o desafiem na busca por estabelecer relações e conjecturas, envolvendo os conceitos iniciais do aluno, passando-os de expressões espontâneas para as representações formais.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) tratam o ensino da Estatística, juntamente com os da Probabilidade e Combinatória, inseridos no bloco de conteúdos denominado “Tratamento da Informação”. Essa denominação se justifica pela demanda social do conhecimento estatístico oriunda da sua constante utilização na sociedade atual, bem como pela necessidade dos indivíduos em compreender as informações veiculadas e, com isso, tomar decisões e fazer previsões que possam vir a influenciar sua vida social e sua atuação na sociedade.

Nos PCNs (BRASIL, 1998), é considerado que o ensino de conceitos relacionados no bloco de conteúdos “Tratamento da Informação” permite que os alunos desenvolvam atitudes como o posicionamento crítico, a tomada de decisões e a realização de previsões, estimulando no estudante formas particulares de pensamento e raciocínio, envolvendo fenômenos aleatórios, interpretando amostras, fazendo inferências e comunicando resultados por meio da linguagem estatística.

Para o terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, os PCNs (BRASIL, 1998) sugerem a realização de atividades de investigação e resolução de problemas que levem o estudante a formular estratégias e argumentar justificando suas escolhas. Para tanto, devem ter como principal objetivo o desenvolvimento do raciocínio estatístico e probabilístico através da exploração de situações de aprendizagens que estimulem a coleta, organização e análise de informações, formulando questões e realizando inferências com argumentos convincentes, a partir dos dados organizados.

Na vivência empírica, os grupos, após discutirem o que deveria ser determinado para elaborar um perfil, partiram para a elaboração de questões que poderiam constituir um questionário para coletar os dados e elaborar o perfil do aluno característico. O objetivo da atividade foi observar quanto à forma de elaboração de um perfil e discutir entre os grupos qual o melhor tipo de questões que deveriam ser apresentadas.