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3 – APRENDIZAGENS MATEMÁTICAS NA ARTICULAÇÃO DAS LINGUAGENS ESPECÍFICAS E PROCESSOS INVESTIGATIVOS

Episódio 3 Parte 1: Divisão de números racionais

(354) A4 – Olha só, prof.! Tá louca a calculadora (Risos do grupo). (355) Pesq. – O que houve? Porque você está dizendo isso?

(356) A4 – Tá dando mais, estamos dividindo e tá dando mais (...) (Os demais falam ao mesmo tempo mas não é compreensível).

(357) A8 – Explica pra nós prof. as calculadoras estão todas loucas?

(358) A9 – Assim, ó profe! Eu fui dividir aqui ó (apontando para a folha) e daí era para dar menos mas deu mais, deu doze, a gente dividiu 6 por 0,5 e deu 12. Daí eu fiz na calculadora do A4 e deu também. Tá errado? O que eu fiz de errado?

(359) A4 – Explica, prof.

(360) A8 – É prof. a gente quer entender, tá errado? Fizemos o cálculo certinho um monte de vezes e deu a mesma coisa.

(361) Pesq. – Calma vamos olhar para o cálculo. O que vocês estão fazendo na verdade é a divisão de 6 por 0,5, certo?

(362) A8 – É e deu 12 (Risos).

(363) A9 – É prof. eu não entendi, mas eu fiz certo.

(364) Pesq. – Mas, se vocês fizerem para outros valores, vão verificar que é isso mesmo que acontece, para outros valores também, vocês testaram?

(366) Pesq. – Aqui vocês estão dividindo por um número decimal, e não por um número inteiro, se vocês usarem o ½, que é equivalente a 0,5, e fizerem a divisão, olha só (escrevendo na folha), como a divisão das frações vocês lembram como faz?

(367) A8 – Tá loco ! Fração eu não sei, prof. (Risos do grupo). (368) A9 – Não lembro, prof.

(369) Pesq. – Para a divisão de duas frações, a gente vai conservar a primeira e multiplicar pelo inverso da segunda.

(370) A4 – Ah, não, é multiplicar em “x”, prof., assim! (Apontando para a folha fazendo o sinal de x).

(371) Pesq.- Isso! Pode ser também! Então, olha só! Tá vendo o que acontece quando vocês fazem isso? (Referindo–se a divisão; fala enquanto vai fazendo o cálculo).

(372) A8 – Multiplica por dois, dá o dobro, então tá certo! (373) A9 – É tá certo.

(374) Pesq. – Entenderam, a calculadora não está louca! (Pesq. Se afasta para atender outro grupo, porém o grupo continua).

(375) A4 – Tá certo! Entendi a conta, mas não entendi por quê. (376) A8 – É porque é fração.

(377)- A4 – Tá mas...

(378) A9 – Eu entendi o A4, ele quer saber por quê.

(379) Pesq. – Pessoal, vamos finalizar, continua fazendo os cálculos, A4 chama o teu grupo

para a atividade, quantos alunos representam 70% de 35? Tô esperando a resposta.

(Chamando todos os grupos para finalizar a atividade).

O episódio nos leva a refletir sobre duas importantes saliências que pretendo apontar: a primeira delas referente à postura investigativa dos alunos, rompendo com a visão estática da matemática, levando-os a questionar o resultado obtido; e a segunda, em relação à minha mediação, na continuação da investigação.

Em relação à primeira, as falas dos alunos dão fortes indícios de uma mudança significativa em suas posturas, questionando os resultados obtidos. A curiosidade por investigar uma justificativa pode ser apontada no turno 357 quando o aluno A8 pede que a professora explique para o grupo por que estavam encontrando aquele resultado. Já nos turnos 360 e 373 se destacam por querer entender e não apenas visar à resposta. Podemos sugerir que, na situação analisada, o grupo assumiu uma postura investigativa, pois o fato de estarem realizando uma investigação estatística, ou seja, trabalhando com dados em um contexto, pode ter sido fundamental para que os alunos questionassem o resultado obtido na divisão e não apenas aceitassem o resultado obtido.

Na oportunidade, mesmo após terem tido minha confirmação de que o resultado era realmente aquele, e de terem realizado o cálculo pela divisão de duas frações mediante a multiplicação dos numeradores e dos denominadores entre si, a observação do aluno A4 em afirmar que o resultado estaria certo, mas que não havia entendido por que isso ocorria, demonstrou uma insatisfação com o resultado obtido, o que poderia ter estimulado no momento uma verdadeira investigação matemática. Isso porque, considerando que, segundo Ponte, Brocado e Oliveira (2003, p. 29-30), investigar

significa trabalhar a partir de perguntas que nos interessem e que se apresentem a princípio de forma confusa, mas que podem se tornar claras desde que os alunos possam perceber a necessidade de justificar as afirmações feitas, exprimindo suas formas de raciocínio junto aos pares.

Daí cabe a segunda saliência, a minha mediação como professora/pesquisadora. No turno 377, interrompi a investigação do grupo chamando a atenção para o início da atividade, quando desconsidera a riqueza da curiosidade dos alunos para a investigação, talvez pelo avançado do tempo, ou pelo objetivo da atividade, deixei de valorizar um importante momento de investigação e principalmente de significação de conceitos.

Na sequência da atividade, o grupo continuou fazendo a atividade sugerida, porém sem grandes avanços e perceptivelmente sem o mesmo entusiasmo apresentado na discussão anterior, tanto que não levantaram estratégias para serem testadas e nem mesmo finalizaram a atividade.

O cenário investigativo propicia que o professor atue como mediador podendo exigir do aluno essa postura de colocar-se diante da exigência de funções até então não desenvolvidas. Vale ressaltar que em uma atividade de cunho investigativo é papel do professor, problematizar o desenvolvimento da atividade, orientar e estimular os alunos no levantamento das hipóteses e estratégias, perceber as dificuldades surgidas e fazer a intervenção necessária, no sentido de reordenar o pensamento do aluno em relação à conjectura levantada, porém, sem desconsiderar as curiosidades dos alunos e os problemas que surgem no decorrer da investigação.

É papel do professor desafiar os alunos, avaliar o seu progresso, raciocinar matematicamente e apoiar o trabalho deles, pois

[...] a interação que ele tem de estabelecer com os alunos é bem diferente da que ocorre em outros tipos de aula, levando-o a confrontar-se com algumas dificuldades e dilemas. Tais aulas [com atividades investigativas] representam um desafio adicional à sua prática, mas, certamente, traduzem-se também em momentos de realização profissional (PONTE, BROCADO E OLIVEIRA, 2003, p.47).

É fundamental que o professor esteja vigilante para que a autonomia dos alunos no andamento da atividade não seja comprometida, fato esse que pode ser considerado um desafio se levada em conta a visão estática de mediação estabelecida nas interações escolarizadas.

Segundo Fontana (1996, p. 20-21), nas interações escolarizadas a mediação do adulto é deliberada e os objetivos do professor pré–determinados, sendo o papel do

professor socialmente estabelecido e explícito também para a criança, que espera deste as indicações e explicações sobre o andamento da atividade, buscando reproduzir as ações pelo professor desenvolvidas. Romper com essa visão e essa postura em sala de aula é, um desafio, tanto para o professor, quanto para os alunos, pois a mediação deliberada do professor e o direcionamento dado por este no andamento da atividade são separados por uma linha tênue à qual se precisa estar atento para que o objetivo do cenário investigativo seja atingido.

Apesar de considerar que a postura investigativa é fundamental para o desenvolvimento de aprendizagens matemáticas, na oportunidade deixei de estimular a postura investigativa dos alunos. Porém, ao analisar os diários de campos, registros dos alunos, refletindo sobre o encontro e dialogando com minha orientadora sobre a atividade, optamos por retomar a discussão da aula anterior e realizar no encontro seguinte uma provocação que estimulasse os alunos a investigar o que havia acontecido com a calculadora do colega A9.

Acredito que “embora os saberes sejam particulares, relativos e pessoais, já que derivam de experiências, é preciso que sejam compartilhados, discutidos, analisados e ressignificados pelo coletivo, pois a educação não é composta de ações isoladas” (LOPES, 2009, p.46). A autora salienta ainda que o compartilhamento pode ser visto como uma aprendizagem que “pode ser assumida como um elemento organizador do ensino” (ibidem, p.174) com vistas à prática docente.

O diálogo com minha orientadora sobre as saliências que haviam surgido no encontro anterior foram fundamentais para que eu pudesse visualizar o potencial que poderia ser explorado e rever minha postura diante da docência. As reflexões sobre a prática, e o diálogo com minha orientadora que conhecia os objetivos dos encontros, porém não havia vivenciado o episódio pode ter sido um passo fundamental na minha formação como docente e como pesquisadora, construindo aprendizagens pela análise, reflexão e problematização da minha prática, identificando as potencialidades e as dificuldades apresentadas.

A reação inicial dos alunos foi a de afirmar que a calculadora do colega estava mesmo com defeito, mas, em seguida, demonstraram espanto pelo fato de observar que todas as calculadoras estavam com o mesmo “defeito”, ou seja, todas as calculadoras apresentavam o mesmo resultado na divisão 6 por 0,5. A discussão teve início na perspectiva de desenvolver uma investigação sobre o que significava dividir um número por 0,5. Para começar deixei que os grupos estabelecessem um diálogo inicial, quando

todos os grupos passaram a levantar conjecturas e testá-las, utilizando a calculadora e verificando que o mesmo ocorria para outras divisões por números racionais como 0,30, 0,25 0,9 etc., porém até esse momento todos números pertencentes ao intervalo entre 0 e 1. Ao perceber que o impacto inicial havia sido superado e que os grupos estavam se dispersando, já que não conseguiam levantar conjecturas que pudessem ser verificadas verdadeiras, a professora passou a questionar os grupos sobre o que significava dividir por 0,5, como mostra o episódio.

Episódio 4 – Parte 1: Problematizando a divisão de números racionais (133) A2 – Tá gurias, mas o que significa isso?

(134) A8 – Eu tava no grupo do A9, ela disse que era de fração. Mas não entendemos por

quê, e eu acho que é isso que ela quer agora.

(135) A12 – Fração. (136) A8 – É de fração.

(137) A2 – Ajuda aí então A8, se tu já viu como que se faz. (risos e falas não identificadas). (138) A2 – É...

(139) A12 – Ajuda A8. (Grupo permanece em silêncio por um tempo olhando para a folha) (140) A2 – Vamos ver fração.

(141) A8 – É

(142) A2 – 0,5 é metade.

(143) A12 – Não, metade é 0,50, cinco é bem menos da metade.

(144) A2 – Não, A12, quando não tem zero é como se fosse. Lembra que a outra prof. falou do zero depois que não precisa bota, seria cinco centavos se o zero fosse antes, mas o zero é só depois.

(145) A12 – Como? (Aluno A2 mostra no papel em silêncio). (146) A2 – Tá vendo?

(147) A12 – Ah, tá!

(148) A2 – Então 0,5 é a metade, na fração tem que bota. (149) A8 – Dá ½.

(150) A2 – É 1/2.

(151) A12 – Tá, daí vai dividi 6 por ½, é isso?

(152) A2 – Eu acho! Chama a prof. (O grupo chama a professora). (153) A2 – Aqui é pra fazer isso agora? (Apontando para a folha). (154) Pesq. – Isso o quê?

(155) A2 – Dividir o 6 por 1/2?

(156) Pesq. – Isso, dividir e tentar entender o que ocorre, o que significa dividir por 1/2. (157) A2 – Significa dividir por 0,5.

(158) Pesq. – E o que significa dividir por 0,5? (159) A8 – Dividi por ½ (Risos).

(160) Pesq. – Tá pessoal, mas olha aqui ó (apontando para a folha), dividir por 0,5 e por ½ é a mesma coisa, certo?

(161) Alunos – Sim.

(162) Pesq. – Bom o que significa então essa divisão? Como vocês encontraram ½? (163) A2 – A gente falou que é a metade. Então é dividir na metade?

(164) Pesq. – Essa é a estratégia de vocês? Então vamos testar, coloca aí no papel, escreve, desenha, faz o que ficar melhor para entender.

O grupo continua investigando já que é estimulado a tentar representar o entendimento para a divisão por 0,5. O aluno A8 destaca a necessidade de representar 0,5 como uma fração (turno 134), o aluno A2 destaca que 0,5 é uma metade (turno 142), o aluno A8 conjectura que 0,5 e que pode ser representado pela fração ½ (turno 149), e

novamente me questionam se esse era o procedimento que deveriam fazer: dividir 6 por ½ (turno 155). Afirmo que o importante para o momento é, além de dividir, justificar o significado dessa divisão. Nessa conjectura, o grupo tenta organizar uma estratégia recorrendo a uma representação da divisão, pela metade, de uma barra de chocolate, ou seja, tomando uma barra como inteiro, dividi-la em duas partes iguais. O recorte do registro do grupo aponta as relações estabelecidas sobre a ideia das metades.

Figura 9 – Recorte do registro do Grupo 1 na atividade descrita na Figura 7

Aparentemente, na representação geométrica ao dividir a barra de chocolate em duas partes, o grupo confunde dividir ao meio por dividir por ½. Ou seja, utilizam a ideia de medir, pela ideia de repartir, da divisão de números inteiros. O aluno A8, no episódio anterior (turno 134), afirma ter feito parte do grupo para o qual a professora havia respondido ao questionamento no Episódio 3 - Parte 1. No entanto, o registro dá indícios de que, na oportunidade, o fato de eu ter apresentado a resolução não foi suficiente para que ele a compreendesse e que para o momento estavam confundindo duas ideias referentes à divisão: a de repartir e a de medir; ideias representativas da divisão de números inteiros e racionais, respectivamente. Ao analisar a representação, sugeri que o grupo observasse o que haviam feito na representação geométrica, e se realmente estavam representando a divisão de 1 por ½. O episódio apresenta parte da discussão, quando o grupo percebe que, na verdade, havia dividido por 4: