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Relações entre sistemas conceituais Pensamento conceitual

4 – A APRENDIZAGEM DE CONCEITOS ESTATÍSTICOS E PARA ALÉM DA ESTATÍSTICA

Episódio 7 Parte 3: Atribuindo conceito de moda.

4.2 Relações entre sistemas conceituais Pensamento conceitual

Para que haja aprendizagem de conceitos, a matemática exige que sejam estabelecidas relações entre diferentes conceitos organizados e significados em sistemas conceituais. Ao realizar a atividade de investigação envolvendo o tratamento de dados coletados, tive por objetivo levar os alunos a significar conceitos estatísticos, já que são necessários conhecimentos matemáticos para que possam ser estabelecidos atos de abstração e generalidade, e consequentemente, o desenvolvimento de conceitos estatísticos.

Nos episódios 6 e 7 trazidos no item anterior, a introdução do conceito de moda na discussão do grupo deu-se a partir da conjectura do grupo na atividade do episódio 6, quando consideraram o cálculo da porcentagem para determinar qual o valor mais frequente. Mas comparar, no episódio 7 – parte 2, as relações existentes entre o tipo de dado e a escolha da moda como medida estatística representativa dos conjuntos de dados analisados foi importante no processo de conceituação deste signo (episódio 7 – parte 2, turno 135, episódio 7 – parte 3, turnos 484, 485 e 492).

Um conceito só é significado por meio dos vínculos que estabelece entre outros conceitos, o que Vigotski (2001) chama de sistemas conceituais, já que o processo de compreensão de um conceito e sua posterior utilização em situações da realidade são estabelecidos a partir da relação do homem com o mundo, ou seja, na interação social. Fontana afirma que os conceitos científicos são

[...] parte de sistemas explicativos globais, organizados dentro de uma lógica socialmente construída e reconhecida como legítima, que procura garantir- lhes coerência interna. Há entre eles relações de generalidade e de equivalência complexas, e sua elaboração implica a utilização de operações lógicas – comparação, classificação, dedução, etc. – de transição de uma generalização para outras generalizações, que são novas para a criança (FONTANA, 1995, p.124).

Assim, os conceitos científicos só poderão ser realmente significados e generalizados no momento em que o aluno conseguir reconhecê-los dentro de um sistema composto por outros conceitos que contribuam na sua significação, já que, segundo Vigotski (2001), um conceito não existe fora de um sistema de conceitos, pois, não surgem, pelas palavras do autor, “como ervilhas espalhadas em um saco”. Dessa forma,

[...] sem nenhuma relação definida com outros conceitos, seria impossível até mesmo a coexistência de cada conceito em particular, uma vez que a própria essência do conceito e da generalização pressupõe, a despeito da doutrina da lógica formal, não o empobrecimento mas o enriquecimento da realidade representada no conceito em comparação com a percepção sensorial e indireta e com a contemplação dessa realidade. [...] Desse modo, a própria natureza de cada conceito particular já pressupõe a existência de um determinado sistema de conceitos, fora do qual ele não pode existir. (2001, p.359).

O estabelecimento das relações conceituais pela criança é que possibilita uma verdadeira aprendizagem de conceitos científicos, já que assim o aluno poderá dar conta de utilizar o conceito aprendido em diferentes situações desvinculadas do contexto inicial no qual o mesmo foi aprendido. Conforme Fontana (1996) a relação da criança com o conceito é sempre mediada por outro conceito. Isso acontece mediante as relações conceituais, que devem ser consideradas no processo de significação. Dessa forma, as relações conceituais são de fato os vínculos fundamentais entre os conceitos.

Nos episódios trazidos no capítulo 3, sobretudo no episódio 4, as aprendizagens desenvolvidas foram construídas através do estabelecimento de relações que significam os conceitos estatísticos e matemáticos, demonstrando evoluções no grau de generalidade utilizado pelos alunos na descrição de cada conceito discutido.

Os conceitos que os grupos utilizaram durante o trabalho investigativo já estavam significados, porém, para os alunos essas significações, bem como as relações que as estabelecem, estão sendo construídas e reconstruídas através das aprendizagens estabelecidas no processo investigativo.

Dessa forma, a criança aprende um conceito mediado pela palavra, que já tem seu significado atribuído e generalizado cumulativamente pela evolução histórica dentro de um sistema de significações sociais, as quais são constantemente incorporadas pelos adultos por seus gestos, palavras e ações, e apropriadas pela criança de forma gradativa.

Segundo Vigotski (2001), um conceito expresso inicialmente por uma criança através da palavra representa um ato de generalização, que a priori é elementar, mas que avança na medida em que essa generalização vai sendo substituída por generalizações mais complexas inseridas gradativamente em graus mais elevados de relações com outros conceitos.

Os conceitos estatísticos, foco de discussão do episódio 3 e do episódio 4: média, moda e mediana, foram discutidos pelos alunos com base em diversos outros conceitos matemáticos presentes em suas falas, como máximo, mínimo, meio, descontar, multiplicar, par, ímpar, porcentagem, enfim, vários outros conceitos matemáticos para além da estatística explícitos e implícitos, que são constituídos dentro de sistemas conceituais que os significam.

Da mesma forma, a construção do conceito que estabelece a divisão de um número inteiro por um número racional está sendo estabelecida com base em outros conceitos já conhecidos, alguns presentes em suas falas, e ainda aqueles implícitos em seus modos de pensar que constituem a matemática como ciência, já que a matemática em si pode ser considerada um grande sistema conceitual.

A matemática pode ser caracterizada como um imenso sistema, cujos campos (aritmético, algébrico, geométrico, probabilístico e estatístico) são constituídos por sistemas específicos, porém tanto os específicos quanto os mais gerais se inter-relacionam. A compreensão destas relações é que permite ao aluno fazer uma síntese, a abstrair e generalizar, é o que permite ir do particular para o geral e do geral para o particular. Consequentemente, possibilita ao aluno uma elaboração conceitual, culminando com a apropriação das significações dos conceitos envolvidos. (BATTISTI, 2007, p.70)

A existência das generalizações permite que cada conceito possa ser relacionado aos demais, estabelecendo relações entre eles possibilitando a compreensão, a comunicação e, consequentemente, a aprendizagem. Com esse entendimento, podemos imaginar a existência de uma rede de conhecimentos, que conectam problemas, conceitos, teorias e métodos usuais de elaboração do conhecimento e entendimento. Para tanto, o ensino de estatística e de matemática pode ser possibilitado por situações de aprendizagem que estimulem o envolvimento do aluno no levantamento de estratégias que estimulem a aprendizagem através do estabelecimento de relações que significam os conceitos envolvidos.