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A perceção/avaliação dos formandos sobre as componentes da for mação nos cursos de aprendizagem

Pobreza e Exclusão Social

O SISTEMA DE APRENDIZAGEM: AVALIAÇÃO DO POTENCIAL FORMATIVO DA ALTERNÂNCIA “CENTRO DE FORMAÇÃO-

3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS: A PERCEÇÃO DOS FORMANDOS

3.2. A perceção/avaliação dos formandos sobre as componentes da for mação nos cursos de aprendizagem

Constituindo os cursos de aprendizagem uma das modalidades da forma- ção em alternância entre o centro de formação e a empresa, as componen- tes de formação que os compõem, tal como estão definidas pela Portaria n.º 1497/08, procuram salvaguardar a importância da formação prática em con- texto de trabalho para a qual são reservadas cerca de 40% das horas totais do curso. As componentes de formação sociocultural e científica ocupam cerca de 32% e os restantes 28% são destinados à componente de formação tecno- lógica (ver quadro 3).

Quadro 3. Componentes de formação dos Cursos de Aprendizagem

Formação Sociocultural (de 700 a 800h)

Componente de formação com carácter transdisciplinar e transversal, que visa a aquisição ou reforço de competências académicas, pessoais, sociais e profissionais

Visa, ainda, potenciar o desenvolvimento dos cidadãos proporcionando as condições para o aprofundamento das capacidades de autonomia, iniciativa, autoaprendizagem, trabalho em equipa, recolha e tratamento da informação e resolução de problemas.

Formação Científica (de 200 a 400h)

Componente que visa a aquisição de competências nos domí- nios de natureza científica que fundamentam as tecnologias, numa lógica transdisciplinar e transversal, no que se refere às aprendizagens necessárias ao exercício de uma determinada profissão.

Formação Tecnológica (de 800 a 1000h)

Componente que visa, de forma integrada com as restantes componentes de formação, dotar os formandos de compe- tências tecnológicas que lhes permitam o desenvolvimento de atividades práticas e de resolução de problemas inerentes ao exercício de uma determinada profissão.

Formação Prática em Contexto de

Trabalho (de 1100 a 1500h)

Componente que visa desenvolver novas competências e con- solidar as adquiridas em contexto de formação, através da rea- lização de atividades inerentes ao exercício profissional, bem como facilitar a futura inserção profissional.

Fonte: IEFP, Cursos de Aprendizagem. Regulamento específico, 2009.

Como referimos anteriormente, não obstante as mudanças introduzidas pela portaría anteriormente referida, no sentido do reforço do número de horas da componente prática, continuou a persistir o modelo de funciona- mento onde a organização das atividades a desenvolver na componente da formação em contexto de trabalho fica a cargo da empresa com pouca, ou até nenhuma, supervisão da entidade formadora (ARAÚJO & TORRES, 2012). Como é evidenciado na figura 5, é a componente prática em contexto de trabalho/estágio, aquela que é mais positivamente avaliada pelos inquiridos: cerca de 60% considera esta formação muito positiva. Embora a componente de formação tecnológica seja, de um modo geral, igualmente apreciada pelos inquiridos, só 40% a considera muito positiva. Quanto à componente teórica/ formação de base, apenas 30% dos ex-formandos a avalia de forma muito

positiva. Os objectivos de formação das componentes que são concretizadas no centro de formação e os objectivos da componente prática realizada na empresa revelam uma diferença quer em termos dos conteúdos suscetíveis de serem aprendidos em cada um destes dois contextos, quer em termos das pedagogias implementadas. Assim, enquanto no contexto do centro de forma- ção, o ensino é mais voltado para a aquisição de saberes teóricos, no contexto de trabalho não interessa apenas que os formandos desenvolvam apenas sabe- res teóricos, mas sim que esses saberes sejam mobilizados para a eficácia da acção, ou seja, a teoria deve ser operatória.

Figura 5. Avaliação das principais componentes de formação pelos formandos dos cursos de aprendizagem, em 2011.

Fonte: Bases de dados relativas aos inquéritos fornecidas pelo IEFP.

Como referem Tilman e Delvaux (2000), “os saberes da acção são organi- zados num “arquipélago de ilhas de racionalidade:” eles constituem os instru- mentos na medida em que serão mobilizados em função das necessidades.” (p.60). Ora, atendendo a que os cursos de aprendizagem integram sobretudo jovens com percursos escolares anteriores frequentemente marcados pela desafeição pelo saber escolar tradicionalmente mais orientado para a teoria,

compreende-se o sentido de uma avaliação mais positiva de um tipo de apren- dizagem que desenvolve os saberes-fazer da prática profissional.

Sem querer aprofundar a discussão quanto “ao lugar da teoria e da prática” neste modelo de formação em alternância, quando nos interrogamos sobre a articulação da formação realizada nos dois contextos de formação partilhamos da análise de Malglaive (1995) que defende não ser possível falar de uma oposição entre saberes teóricos101 e saberes práticos. Este autor refere ainda

a existência de saberes processuais102 que são intermediários entre os saberes

teóricos e os saberes práticos. Os saberes-fazer que os jovens desenvolvem em situação de trabalho na empresa não são independentes dos saberes teóricos que desenvolvem no centro de formação. Também segundo Charlot (1997), é possível pensar as relações entre os dois momentos da alternância não como relações entre o abstrato e o concreto, o discurso e o ato, mas como relações entre processos epistémicos diferentes, entre estatutos diferentes do saber e diferentes relações com o saber e com as figuras do aprender. Esta perspetiva enquadra-se no entendimento da alternância enquanto modelo de articulação e não de justaposição nos moldes anteriormente enunciados.

101 O saber teórico é segundo Malglaive apresentado como um saber condensado, exterior

ao mundo. Estes saberes teóricos não são apenas definidos como conceitos, mas também como elementos de conhecimento, como modos de funcionamento do real, instrumentos de compreensão do mundo. Os saberes teóricos não se constroem por relação a um objec- tivo pesquisado que é o da acção, de uma tarefa a desenvolver ou a realizar. O saber teórico parece assim opor-se ao saber prático que se situa sobretudo na acção, no fazer. Como precisa G. Malglaive: “apesar do papel considerável que eles jogam no desenvolvimento dos processos de produção, os saberes teóricos não estabelecem senão relações operatórias directas com os práticos. O único efeito de um saber teórico é de fazer conhecer e não de fazer-fazer, de dizer o que é e não o que deve ser.” Os saberes teóricos serão nesta perspectiva constituídos a partir de um receptáculo de imagens mentais. Eles darão a conhecer as leis da existência, da constituição e do funcionamento do real (Malglaive, 1995).

102 Malglaive fala-nos também dos saberes processuais que serão intermediários entre os saberes

teóricos e os saberes práticos, eles serão os guias dos saberes teóricos aos saberes práticos. Os saberes teóricos vão permitir estabelecer, construir os procedimentos que vão guiar e regulamentar a acção, “o fazer.”

Figura 6. Avaliação dos formadores, da prova final e da ação em geral, pelos formandos dos cursos de aprendizagem, em 2011.

Quando se analisa a percepção dos formandos relativamente aos formado- res constata-se que mais de 90% os avalia do forma positiva ou muito positiva. Relativamente às outras duas dimensões seguem também a tendência de ava- liação muito favorável, embora com menor expressão (ver figura 6). Talvez o modelo pedagógico da alternância, por favorecer uma maior proximidade na relação aluno/formador e um ensino mais personalizado, explique os resulta- dos obtidos.

Finalmente quanto à avaliação da formação (ver figura 7) por relação às expectativas iniciais dos formandos ao nível do desenvolvimento/aperfeiçoa- mento de diversos tipos de competências, a avaliação é igualmente positiva, com destaque para os contributos da formação ao nível do desenvolvimento de competências técnicas, o que vai de encontro à valorização da formação em contexto de trabalho e da componente tecnológica.

Figura 7. Avaliação da formação por relação às expectativas iniciais dos formandos ao nível do desenvolvimento/aperfeiçoamento de diver- sos tipos de competências, pelos formandos dos cursos de aprendizagem,

em 2011.

CONCLUSÃO

Com base nas perceções globalmente positivas dos jovens acerca das diver- sas componentes da formação, podemos avançar com a ideia de que o modelo pedagógico da alternância “centro de formação – empresa”, pode efetivamente contribuir para a reconciliação dos jovens com a escola e com o saber no sentido em que promove oportunidades concretas de aplicação das aprendiza- gens teóricas e de desenvolvimento de competências profissionais. Neste tipo de formação é dada aos jovens a oportunidade de aplicar o saber teórico em contextos de prática profissional, reduzindo-se a dificuldade em reconhecer a utilidade dos primeiros devido ao seu grau de abstração.

Para uma efetiva democratização do ensino é necessário implementar modelos pedagógicos que mobilizem os diferentes tipos de saber e que assentem numa relação peadgógica centrada nas necessidades, dificuldades e potencia- lidades de cada aluno.

Figura 7. Avaliação da formação por relação às expectativas iniciais dos formandos ao nível do desenvolvimento/aperfeiçoamento de diver- sos tipos de competências, pelos formandos dos cursos de aprendizagem,

em 2011.

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