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RESISTÊNCIA POLÍTICA E CORPOS ALIADOS

Práticas de Intervenção emancipatórias

CORPOREIDADES CRÍTICAS E A CRISE DEMOCRÁTICA NO BRASIL

4. RESISTÊNCIA POLÍTICA E CORPOS ALIADOS

Nesse sentido, o diálogo como ato político pode ser sentido como uma manifestação concreta dos sujeitos atravessada por todos os veículos conheci- dos, trata-se de uma estratégia de desidentificação estabelecida nas complexida- des sociais e faz-se, portanto, como encontro efetivo com aquilo que se pode chamar de alteridade.

153 BUTLER, Judith. Cuerpos aliados y lucha política: hacia uma teoria performativa de la Asem-

blea. Canadá: Ediciones Paidós: 2017.

154 TIQQUN. Isso não é um programa. Tradução de Daniel Lühmann. Edições Aurora,

2014. p. 46

155 TIQQUN. Como fazer? Contribuições para uma Guerra em curso. p. 1.

156 CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.

Desta forma, opera-se tal (ins)urgência em indagar novas hipóteses para pensar os marcos democráticos libertos das amarras institucionalizadas do

racional estatal ou desse Estado racionalizado e constituído através de violên-

cia desumanizadora, pronto a dotar de suportabilidade o inaceitável em nome da própria concepção de democracia – em crise. Ter a hipótese democrática brasileira revestida apenas pelo manto constitucional é respaldar o desmante- lamento das regras de direitos sob o manto do discurso da liberdade, exter- minando grupos vulneráveis pelo igualitarismo repressivo158. Pensar a demo-

cracia como agir permanente que toma a sério a questão antissexista, antirra- cista, antifascista etc. é compreender que ela “parece destinada a ser mais um

momento do que uma forma”, em que “a liberdade é a própria coisa que impede que seja fundada.”159

As lutas, os corpos, os encontros revelam que o que sobrevive não está no plano da instituição ou da permanência de um além-vida, mas está na afir- mação dela, sob a resistência às vulnerabilidades implicadas numa sociedade hierarquizada. É, portanto, insurreição160 pelo direito à aparição e à existência.

É dizer sim a viver com a espectralidade, “é aprender a viver aprendendo não a

conversar com o fantasma, mas a ocupar-se dele, dela, a deixar-lhe ou restituir-lhe a fala, seja em si, no outro, no outro em si.”161

A potência deste instante, em que acontecimentos imprevisíveis tenham tal- vez a força para questionar as certezas limitadas de quem sabe instrumentali- zar a violência institucionalizada através da democracia, está em cada corpo

crítico aliado pelas vidas que urgem na desconstrução como teste162 aberto

a novas experiências. Nesse endereçamento de novas possibilidades políticas destinado aos sujeitos indizíveis, pulverizando conceitos revolucionários de um

talvez democrático e radicalizando as táticas de enfrentamento à autoridade,

a resistência rebelde que se proponha a encarar a igualdade, a liberdade e a democracia, apenas fará algum sentido se tocada por um agir eticamente

158 ADORNO, Theodor. “Teoria freudiana e o padrão da propaganda fascista” [...]

159 BROWN, Wendy. States of Injury, p. 8 (livre tradução).

160 Comité Invisible. La Insurrección que viene. La fabrique editions, 2007.

161 DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx [...] p. 234.

162 RONELL, Avital. The test drive. Chicago: University of Illinois Press Urbana and Chicago,

engajado desde sempre, local político urgente de subversão à tensão afirmativa das categorias identitárias.

Trata-se de resistir em tempos inóspitos à diferença, fascismos instrumen- talizados por diversos matizes, em que misoginia privilegiada apenas é uma de suas formas de suas manifestações. Que se insista na passividade radicalmente subversiva da escuta e no dizer que sempre invoca a urgência do encontro. Que se rompa a falsa paz dos silêncios cúmplices na disposição justa ao diálogo, com- preendido como “um mecanismo, um organismo, uma metodologia ético-política. (...) Nesse sentido, o diálogo é aventura no desconhecido. Ato político real entre dife-

renças que evoluem na busca do conhecimento e da ação que dele deriva.”163

Assim, se as “diferenças vitais que [...] têm de ser dissipadas vivendo”164 são

aquelas indefinições fantasmáticas165 que precedem qualquer identidade em

que o corpo não é mais tomado como um “dado natural, mas como uma super-

fície politicamente regulada,”166 um olhar feminista desessencializante, desregu-

lamentador, desconstruinte será aliado fundamental neste partido imaginário implicado nas táticas de guerrilha de novas constituições políticas. Insurgência como energia potencial, cujo fluxo rompe temporalmente, em que o tempo torna-se meramente sendo diferencialmente; como impulso performático num percurso urgente de reconhecimento da força do precariado como luta

política de corpos críticos aliados que insiste em manter-se viva.

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163 TIBURI, Márcia. p. 90.

164 FREUD, Sigmund. “Além do Princípio do Prazer” [...] p. 165.

165 Cf. DERRIDA, Jacques. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. [...]

BUTLER, Judith. Cuerpos aliados y lucha política: hacia uma teoria performativa de

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