• Nenhum resultado encontrado

RENDA BÁSICA DE CIDADANIA E FUNDAMENTOS DA CONSTITUIÇÃO DE

Pobreza e Exclusão Social

RENDA BÁSICA DE CIDADANIA: A NÃO REGULAMENTAÇÃO DA LEI N.º 10.835/2004 SOB A PERSPECTIVA DO CONTROLE DE

1. RENDA BÁSICA DE CIDADANIA E FUNDAMENTOS DA CONSTITUIÇÃO DE

Desde 2004, está vigente no Brasil a Lei Federal n.º 10.835, que atribui a todo brasileiro, bem como aos estrangeiros residentes no Brasil há pelo menos 05 anos, qualquer que seja sua condição socioeconômica, o direito à Renda Básica de Cidadania (RBC). Tal Lei, fruto do trabalho incansável do então Senador Eduardo Suplicy, fora aprovada por consenso dos partidos nas duas casas legislativas.

Em linha com os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, estabelecidos pelo artigo 1.º da CR/88 como fundamentos do Estado Demo- crático de Direito72, e com o objetivo fundamental da República de erradi-

car a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais73, a Lei

10.835/2014 estabelece o direito de cada indivíduo a receber um valor anual, que pode ser pago em parcelas mensais, suficiente para arcar com suas despe- sas mínimas com alimentação, educação e saúde.74 Tal direito também está

em linha com o objetivo constitucional da ordem econômica, nos termos do

71 Cf. OXFAM BRASIL, Uma economia para os 99%, Oxfam Brasil, disponível em: <https://

www.oxfam.org.br/davos2017>, acesso em: 26 jun. 2017.

72 Art. 1.º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; (...)”

73 Art. 3.º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III –

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

74 Art. 1.º. É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito

de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefí- cio monetário. (...) § 2.º O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e su- ficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias. § 3.º O pagamento deste benefício poderá ser feito em parcelas iguais e mensais.

artigo 170 da CR/88,75 de assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social.

Todavia, a referida Lei atribui ao Poder Executivo o dever de regulamentar a implementação gradual da renda básica universal, a partir do exercício de 2005, de acordo com o grau de desenvolvimento do país e as possibilidades orçamentárias, priorizando as camadas mais necessitadas da população.76

Frente ao disposto no texto legal, combinado com sua fundamentação constitucional, resta enfrentar uma primeira questão, a saber, quais os efeitos da inovação trazida pela Lei n.º 10.835/2004 no ordenamento jurídico bra- sileiro. Em outros termos, faz-se necessário responder se referida lei expressa algo além de uma carta de intenções, uma expectativa de direitos, ou mesmo de um direito condicionado à existência de cofres públicos cheios.

Para enfrentar tal ponto, uma constatação inicial é relevante: a lei que criou o direito à renda básica de cidadania deixou ao Executivo a discricionarie- dade sobre a forma de implementação das prestações materiais referentes a tal direito, mas não a opção de regulamentar ou não a sua implementação, e muito menos a existência do direito em si.

A lei editada em 2004 conformou o conteúdo de um verdadeiro direito fundamental que expressamente visa proteger o núcleo essencial de outros direitos fundamentais consagrados pela CR/88, quais sejam, alimentação, educação e saúde.77

75 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, (...).

76 Art. 1º (...) § 1.o. A abrangência mencionada no caput deste artigo deverá ser alcançada em etapas,

a critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população. (...) Art. 2.o. Caberá ao Poder Executivo definir o valor do benefício, em estrita observância

ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar n.o 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de

Responsabilidade Fiscal.

Art. 3.o. O Poder Executivo consignará, no Orçamento-Geral da União para o exercício

financeiro de 2005, dotação orçamentária suficiente para implementar a primeira etapa do projeto, observado o disposto no art. 2.o desta Lei.

Art. 4.o. A partir do exercício financeiro de 2005, os projetos de lei relativos aos planos

plurianuais e às diretrizes orçamentárias deverão especificar os cancelamentos e as transferências de despesas, bem como outras medidas julgadas necessárias à execução do Programa.

77 Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.   

A abertura material prevista no § 2.º do artigo 5.º da CR/8878 permite

afirmar seguramente que, a partir da edição da Lei n.º 10.835/2004, está vigente no ordenamento jurídico brasileiro um fundamental ao rendimento básico incondicional. Tal direito decorre dos princípios da dignidade da pes- soa humana e da cidadania, na medida em que visa assegurar o atendimento a necessidades básicas, sem as quais fica comprometido o exercício de outros direitos fundamentais e da própria democracia.

Assim, ainda que possa haver objeções, sobretudo fundadas no princípio da separação dos poderes, à sustentação de um direito público subjetivo ao adimplemento de prestações materiais devidas diretamente a partir do texto legal, pode-se seguramente afirmar que há o direito de todo e qualquer bene- ficiário previsto no artigo 1.º da Lei n.º 10.835/2004 à prestação normativa do Poder Executivo no sentido de regulamentar a implementação da RBC.

Mais do que isto, a implementação da RBC, por se destinar à manutenção de um patamar mínimo de vida digna a todos os cidadãos brasileiros e estran- geiros residentes no Brasil há pelo menos cinco anos, pode ser considerada dentre aquelas medidas que Melo Fonte classifica como política pública cons- titucional essencial.79

Esta profunda relação da RBC com dois dos cinco fundamentos consti- tucionais do Estado Democrático de Direito, os princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania, não deixa dúvidas de que sua implementação está protegida pelos argumentos de defesa do mínimo existencial, os quais serão abordados no seguinte tópico.

Documentos relacionados