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CAPÍTULO 1. LUKÁCS E MAKARENKO: VIDA E OBRA

1.2 LUKÁCS: DAS OBJETIVAÇÕES DO CAMPO LITERÁRIO À LUTA

1.2.3 Perspectivas na Filosofia

Sobre o fim e avanço do período denominado ensaístico, Lukács destaca o bom relacionamento com Ernst Bloch65, tecendo considerações sobre o papel decisivo que Bloch teve na formação de suas perspectivas filosóficas. Outrossim, Lukács revela a contradição dessa relação que, embora decisiva, configurou-se sem se consolidar como influência concretizável em sua produção.

Destaca-se, ainda, o registro sobre a avaliação, comunicada por Bloch, acerca da filosofia de Lukács (1971-1980, 1999, p. 154-156): para Bloch, a filosofia de Lukács era clássica, distinta do estilo universitário e, bem por isso, constituía-se com a qualidade de ser aberta como “caminho de vida”. E, não obstante Lukács tenha registrado “toda fascinação” que permeou sua relação com Bloch,

concomitantemente, delimita-a e qualifica-a como “determinada por ambos os lados”. Entende-se que, assim, fica explicita a inexistência de qualquer tom de predomínio de um sobre o outro, como também, comunica que sua estima pelo filósofo alemão era distante e, precisamente filosófica. Lukács reitera que, desse modo, – determinada por ambos os lados – a relação permaneceu. Posteriormente, tomando-a para análise, questiona-se se haveria a possibilidade de ter encontrado o

caminho da filosofia sem ele – no caso, Bloch.

Atente-se que, mesmo tendo considerado o que se poderia denominar como um sentimento, uma emoção para caracterização de sua relação com E. Bloch – no caso, a fascinação –, Lukács compromete-se em explicar a dinâmica histórica desta relação, enfatizando que sua base estava sediada numa produção genérica: a filosofia. Ainda sobre esse período, destaca-se o registro de Lukács sobre a negação de qualquer conclusão antropomórfica acerca do processo de desenvolvimento do ser humano. O filósofo húngaro enfatiza seu posicionamento contra uma suposta efetividade natural humanizada. Nota-se, então, a formação da crítica que seria desenvolvida até a consolidação de uma concepção histórica de ser humano.

Lukács toma a filosofia da natureza e a afirma como centro teórico desta época para, depois, anunciar o início do desenvolvimento do projeto “História e Consciência de Classe”. Contudo, o filósofo declara que o caráter histórico, considerado nesse tempo, “não é nem de longe o verdadeiro historicismo de Marx”, cujo princípio de desenvolvimento se fundamenta no declínio dos obstáculos postos pela natureza. Esse período na produção de vida e pensamento de Lukács é considerado como pleno do movimento de transição do fundamento estético ao ontológico.

Reitera-se que a primeira “impressão”, registrada por Lukács, (1971-1980, 1999, p. 155) sobre suas perspectivas na filosofia, é a da mudança do campo ensaístico para o da estética. Todavia, fazendo notar a qualidade de seu desenvolvimento como bastante lento, permeado por contradições e, ainda, por inúmeras vezes, com recaídas. Contudo, esse desenvolvimento “suplanta [...] a consideração lógica e gnosiológica pela ontológica.”.

Ainda neste item, em rigorosa autocrítica, Lukács acaba por afirmar sua concepção como meramente ideológica, enfatizando que a transformação desta

concepção aparece, concretamente, “só após a superação de “História e Consciência de Classe”: a própria estética do marxismo (oposição a Plekhanov66 e Mehring)”. E, nesse movimento, com relação à “História e Consciência de Classe” Lukács (1971- 1980, 1999, p. 79) afirma que: “[...] no tratamento do problema da consciência de classe também estão presentes elementos idealistas e, por conseguinte, o materialismo ontológico do marxismo está menos presente do que nos trabalhos posteriores [...]”.

Sob as perspectivas abertas no campo da filosofia, Lukács afirma a luta contra o que chamou de “resíduos da ideologia feudal”, destacando a literatura russa (Tolstoi e Dostoievski) como direção retora sem, no entanto, deixar de indicar que a partir desta base seria “impossível chegar a uma concepção filosófica unitária fundamentada.”.

O excerto seguinte serve à explicitação da formação da base de apropriações humano-genéricas, constituída como necessária à negação e, por conseguinte, à superação filosófica da fundamentação teórica do pensamento estético de Lukács (1971-1980, 1999, p. 156):

[...] Por um lado (existem obras de arte) – como base imanência, natureza imanente da arte [...] delimitação rígida a) da mera existência, mera “vivência” subjetiva – contra o subjetivismo moderno e naturalismo não estágio preliminar, preparação para o realismo artístico – mas oposição b) rejeição de qualquer “metafisicação” da arte – por exemplo, Schopenhauer. Kierkegaard: rejeição da arte como princípio de vida em nome de uma ética que se constitui gradativamente e de maneira muito contraditória. Contra “arte de viver” [...] (primeira formulação metafísica do devenir homem do homem). Tudo isso com algumas observações em parte corretas (meio homogêneo da qualidade na arte – continuação da idéia de L. Popper), imanência absoluta, / completude interna de cada obra de arte. Enquadramento em contextos superiores (teoria dos gêneros), metodologicamente diferente e independente de abstrações ideais (generalidade nas ciências). Enquanto o gênero – gnosiologicamente – é estável, o exemplar é enquadrado, a manifestação na arte (épica, dramática etc.) é uma universalidade, cujas determinações têm de ser

66 Georg W. Plekhanov (1856-1918), fundador do marxismo russo, desacreditava da possibilidade de

desenvolvimento da ditadura do proletariado na Rússia de sua época. Em 1900, fundou com Lenin a revista Iskra, rompeu com Lenin e, após 1903, permaneceu entre as facções. Combateu Lenin e a Revolução de Outubro

modificadas em cada realização autêntica – sem, com isso, perder sua validade geral (Shakespeare e gregos até Lessing). Na medida em que são buscadas aqui novas formas de generalização, adequadas à matéria, há certa fecundidade [...] Na realidade, generalizei princípios totalmente errados [...] (infecundidade vital da estética como princípio de vida). Acabei, portanto, entrando num beco sem saída teórico. [...] Na melhor das hipóteses, portanto, eu teria me tornado um livre- docente “interessante” e excêntrico em Heidelberg. [Conteúdo entre parêntesis do autor].

Note-se, no excerto anterior, a exposição da cadeia histórica de apropriações e, subsequentemente, a expressão da crítica ao subjetivismo, ao naturalismo e, a qualquer tipo de “metafisicação” da arte, tais elementos formam o processo de consolidação da consideração da vitória do realismo no campo artístico e do posicionamento contrário à arte de viver. Tais consolidações podem ser depreendidas na qualidade de elementos humano-genéricos constitutivos da contraditória e gradativa formação do posicionamento ético de Lukács.

Destaque-se, ainda com auxílio do excerto anterior, a afirmação de Lukács de que o gênero, do ponto de vista gnosiológico, é estável e, nesta pesquisa, se propõe que assim o é, porque o gênero é constituído pelo acúmulo histórico de objetivações, enquanto o exemplar se constitui como um elemento, “cujas determinações têm de ser modificadas em cada realização autêntica”. Todavia, é mister que se ressalte que, mesmo havendo diferentes graus de variabilidade na objetivação do exemplar, esta variabilidade não acarreta que se perca sua “validade geral”. Esta afirmação de Lukács oferece motivos à evocação de uma pontuação teórico-metodológica de Vigotski. E, porquanto haja estreita consonância filosófica entre elas, destaca-se, nas próprias palavras de Vigotski (1927, 1996, p. 368-372), a defesa de que:

[...] investigar até o fundo, esgotar uma coisa qualquer, um objeto, um fenômeno significa conhecer o mundo inteiro em suas conexões. Nesse sentido podemos dizer que cada pessoa é em maior ou menor grau o modelo da sociedade, ou melhor, da classe a que pertence, já que nela se reflete a totalidade das relações sociais. [...]

Por conseguinte, o método analítico-objetivo está muito próximo do experimento: sua importância vai mais além do que inclui seu campo de observação. Evidentemente, também os princípios que explicam a arte nos falam de uma reação que de

fato nunca ocorreu de forma pura, que sempre se produziu com seu “coeficiente de especificação”.

Descobrir os limites, o grau e as formas de aplicação de um princípio é o objeto da autêntica investigação. Que a história mostre que artes em que épocas e que formas caíram em desuso na arte: minha tarefa é mostrar como se produz o fato em geral. Posto isto, infere-se de Vigotski (1927, 1996), em consonância com Lukács (1971-1980, 1999), a afirmação de que para “análise dos processos em sua essência” deve ser considerado, como pressuposto teórico-metodológico, que esta essência não se objetiva na forma pura, autônoma, naturalizada, ainda que a objetivação dos variados tipos, regras ou, fronteiras, constituam-se como elementos da totalidade de reações e, até mesmo sejam determinantes do caráter específico desta essência.

Pode-se dizer que: mesmo se tratando de objetos diferentes – Lukács: a obra literária, Vigotski: a reação estética – a proposição teórico-metodológica, tanto de um, quanto de outro, está apoiada no fato de que: o objeto de estudo será manifesto, sempre de modo combinado, isto é, sempre em dialética composição com “as mais difíceis e variadas formas de ideologia (moral, política, etc.)”, quer dizer, sempre em dialética composição de objetivações em-si e, para-si, as quais foram tornadas mediadoras da particularidade, na qual o objeto em estudo se constituiu. Note-se, também, a consonância na centralidade da análise de Lukács sobre o como o homem chega a si ou, falha e, na de Vigotski, pela qual este afirma que sua tarefa é de “mostrar como se produz o fato em geral” a respeito do objeto.

A partir do excerto de Vigotski (1927, 1996, p. 368-372), anteriormente explicitado, ainda, é oportuno que se explicite, também, a consonância entre a afirmação do psicólogo russo de que cada pessoa seja, “em maior ou menor grau o modelo da sociedade, ou melhor, da classe a que pertence, já que nela se reflete a totalidade das relações sociais” e a defesa de Heller (1972), em favor da concepção da história como “substância da sociedade” e, por conseguinte, a defesa de que essa substância não pode ser outra senão o próprio “indivíduo humano”, como portador “da objetividade social” para, então, destacar da mesma autora que: não obstante se possa considerar que o processo de formação da individualidade contenha a totalidade de suas relações sociais, à individualidade mesma, isto é, como um

dizer o gênero, ainda que não perca os elementos que lhe garantam a existência como

um exemplar do gênero.