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CAPÍTULO 1. LUKÁCS E MAKARENKO: VIDA E OBRA

1.3 MAKARENKO: DA LUTA PELA EMANCIPAÇÃO HUMANA À

1.3.8 Uma escola admirável

A experiência educacional de Makarenko se consolidou como um “verdadeiro desafio”, como formador de uma geração com “forte identidade de classe”. E, por ser assim, como um abalo que se objetivaria por dentro do sistema educacional tsarista. Luedemann (2002, p. 67- 69) relata momentos significativos do início da trajetória profissional de A. S. Makarenko. Momentos que são reproduzidos em um conjunto de excertos indicativos de que o abalo pretendido consolidou-se, também, como formador de convicções acerca da finalidade posta ao próprio projeto educativo do jovem ucraniano:

No outono de 1905, Makarenko assumiu sua primeira classe em uma escola para os filhos dos operários da rede ferroviária, instalada em uma das oficinas de Kriukov, onde trabalhava Semion [pai de Makarenko] [...].

Em seu primeiro dia de aula, Makarenko entendeu que aquela era a mesma velha escola [...], destinada a formar operários qualificados, submissos às ordens da fábrica e do Tsar. Uma escola mais triste que as demais, pois funcionava no interior da oficina. [...] As escolas dos filhos dos burgueses, dos burocratas, dos aristocratas, dos fazendeiros, eram instaladas em prédios grandes, salas iluminadas, arejadas, pátios com árvores frondosas. Nas escolas dos filhos dos ferroviários, as salas de aulas lembravam pequenas oficinas e seus alunos, operários em miniatura, futuros trabalhadores braçais [...]. [...] ali estava ele sentia-se muito à vontade, pois Makarenko era filho de um operário ferroviário que trabalharia ainda durante mais quarenta anos na fábrica de vagões. Os dois trabalhavam na mesma oficina: o pai era pintor e ele, professor […].

[...] O tesouro da primeira infância, doado por Tatiana [mãe de

vezes contou aquela historia de Ilia Muromets118, que também

ajudara a sentir-se mais forte e seguro na infância?

[...] Ensinava russo, mas não deixou de ensinar a língua de sua pátria [...] Deveriam falar e escrever as duas línguas, utilizando para isso, todos os tipos de estímulos, inclusive o teatro. Seguiu o currículo estabelecido, ensinando também aritmética, desenho e canto. [acréscimos entre colchetes e, em itálico, meus]. Neste item, propõe-se que se perscrute o excerto anterior, tomando como

meio de ação, como instrumento teórico-metodológico, a perspectiva da luta de classes para que assim, se possa depreender a dialética contida na ação educativa de Makarenko em favor de que os filhos dos operários pudessem – apesar das precárias condições materiais da instalação escolar –, se apropriar de um amplo conjunto de objetivações humano-genéricas (contos da tradição ucraniana, a própria Língua Ucraniana, o teatro, a aritmética, o desenho e, até mesmo, o canto). Enfim, Makarenko tornava objetiva, aos filhos dos trabalhadores, a possibilidade de se apropriarem do acúmulo humano-genérico já produzido e disponível naquela particularidade.

Luedemann (2002) segue, explicitando que a atuação pedagógica inicial de Makarenko também era objetivada por contradições, cujas raízes podiam ser encontradas na “velha escola”. Destaca-se, a experiência contraditória como fonte de desenvolvimento da crítica e da autocrítica de Makarenko sobre a prática profissional. A autora relata a elaboração de um “ranking” de desempenho por notas e registra as terríveis conseqüências de tal prática que, de um modo geral, atingiu a todo coletivo de educandos. Mas, em específico, atingiu severamente a um educando que se encontrava acometido pela tuberculose. E, Luedemann (2002, p.69-71) destaca, ainda, o resultado desse evento no próprio Makarenko:

[...] o pior de toda essa mal sucedida experiência foi a reação do aluno que ficara com a 37º posição. Era um menino doente de tuberculose e, ao se ver como último colocado, entrou em depressão profunda e caiu gravemente enfermo. Makarenko sentiu-se tão amargurado como seu frágil aluno. Lembrou-se de como também sofrera com doenças durante a primeira infância e como sua mãe lutara para animá-lo. Sabia o quanto o humor

118 Ilia Muromets, segundo a tradição ucraniana, tratava-se de um filho de camponês que nasceu

paralítico, sem mover pernas ou braços até os 30 anos, depois, milagrosamente, tornou-se o maior e mais amado dos heróis-bogatires da “Santa Rússia”.

ajudava na melhora do paciente. E agora também aprendia a dura lição de que a competição não reforçava a auto-estima das crianças na escola. [...] Sentiu-se incapaz de prosseguir sua carreira, mas o próprio erro forçou-o a continuar. Tinha que desfazer o que havia feito de errado [...] muitos estavam envergonhados, sem vontade de sentar novamente no banco escolar, e o mais necessitado de ajuda encontrava-se em casa, isolado de todos, muito adoecido e humilhado.

Encontrou-se em um momento especial para a autocrítica e a reflexão sobre a sua prática pedagógica. [...] Sem perceber, fazia com seus alunos o que seu pai fizera com ele: “– Traga somente as melhores notas, entendeu?” [...].

Ao perguntar para si próprio o que estava fazendo, obteve as respostas de que necessitava: “Não estou considerando a realidade exterior, social, que se encontra fora da escola... Ou melhor, encontra-se aqui, entre nós, mas como reprodução da realidade social mais ampla.” [...].

[...] Os alunos traziam para sala de aula muitas das experiências familiares, contavam suas histórias de vida, as tradições culturais [...].

Oportunamente, destaca-se de Alfredo (2006) a concepção de organização social, como circunstância particular, mediada por objetivações humano-genéricas, que podem ser denominadas como institucionais. A autora afirma o conteúdo institucional como objetivação da superestrutura social e, evocando Mandel119, destaca tais objetivações como “formas predominantes do direito, dos costumes, da religião, da filosofia, das ciências, da arte, da literatura de cada época”, etc. Vale retomar, do referido trabalho de Alfredo (2006, p.69), a afirmação de que o conteúdo institucional não é objetivado como mediação num só tipo de organização, como se fosse estabelecida uma relação do tipo biunívoca, mas, sim, este conteúdo tende a espalhar-se “de maneira não-linear, por amplos espaços da realidade social. Desta forma, podemos, por exemplo, desvelar conteúdos institucionais políticos, religiosos, jurídicos, econômicos, artísticos, científicos, militares e consuetudinários nas mais variadas organizações.”

Retoma-se o resultado da procedente autocrítica de Makarenko, para defendê-lo – o resultado – como expressão de síntese que culmina do acirramento das contradições vividas na prática pedagógica, como elevação da mediação de elementos essenciais, da realidade social mais ampla, na forma de reprodução de

119 Ernst Mandel (1923-1995), economista, militante político. Foi eleito diretor da 4ª Internacional – 2º

Congresso Mundial. Professor e diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Livre de Bruxelas.

suas relações sociais na escola. E, também, como síntese resultante de tal contradição, a partir de Luedemann (2002, p. 71-72), destaca-se a formulação da hipótese de que em sua atividade educativa – a de Makarenko – deveria haver duas ações bem diferenciadas: a da educação e a da instrução. Para o pedagogo, estas ações não são dissociadas uma da outra, no entanto, requerem estudos e planejamentos específicos, com objetos distintos. Estava evidente, para Makarenko, que elementos relacionados a problemas sociais mais amplos se constituíam como decisivos na ocorrência de fracasso escolar. Havia um conjunto de dificuldades que, inclusive, eram decorrentes da fome e da doença. Então, como superá-las?

Luedemann (2002, p. 71-72) destaca que, neste mesmo período, o “coletivo de professores organizou-se em torno do jornal Novaia Jizn. O que significa o seu nome? “Nova Vida”. A discussão política auxiliaria o jovem educador a entender os problemas educacionais e a propor mudanças radicais.”.

Reitera-se a indicação que Makarenko faz sobre a diferença entre educação e instrução para que, depois, a partir de Luedemann (2002, p.226), se tome as palavras do próprio pedagogo ucraniano a respeito do conteúdo referente a tal diferenciação no campo da formação política:

Em minha prática, tenho diferenciado, e continuo a fazê-lo, a instrução política e a educação política e creio que cometem um grande erro os pedagogos que se dedicam exclusivamente à instrução política. Há muitos pedagogos [...] convencidos de que, se um garoto ou garota conhece as noções políticas, a história da Revolução de Outubro... a dos últimos anos da construção do socialismo [...] em seus juízos, estas crianças estão politicamente educadas. Lamentavelmente, presenciei em minha prática que estes conhecimentos por si só não realizam a educação política do homem. Há casos em que um rapaz sabe muito bem o que corresponde ao programa escolar, lê os periódicos e pode fazer informes e expressar-se em suas intervenções com agradável correção, mas por sua conduta, por sua atitude frente à coletividade [...] aparece como uma fisionomia não soviética.

Em outra situação, tenho conhecido casos contrários, um garoto ou garota aparentemente atrasado na instrução política, que confunde as datas dos congressos e não tem clareza, às vezes, sobre questões fundamentais da história política, mas que, por seu caráter, por sua alma, por toda sua personalidade, era para mim claramente ‘nosso’.

O conteúdo desdobrado por Makarenko sobre o processo de educação política, bem como, o anterior relato sobre seu erro pedagógico, favorece que se corrobore com Oliveira e Duarte (1987), quando sintetizam conteúdo sobre a necessária compreensão da implicação entre a prática social global e a prática educativa. Esta última como mediadora da primeira, que é mais extensa. Mas, sempre, considerando que é a prática educativa escolar que instrumentaliza, promovendo a consolidação de condições, ao indivíduo, para que ele se aproprie de um acúmulo humano-genérico favorável ao mais pleno desenvolvimento de suas capacidades e de sua atuação consciente, nas circunstâncias histórico-sociais nas quais ele se desenvolve. Alerta-se que, nesta pesquisa, o termo instrumentalização é tomado como tradução da apropriação e, do desenvolvimento, das capacidades de objetivação, a partir da tomada de um conjunto de objetivações que servem como

instrumentos mediadores na realização da vida.