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soberania do Estado nacional nas relações internacionais A Paz de Westfalia terminou uma guerra de mais de 80 anos na Europa, e que foi considerada uma guerra mundial, em todos os continentes habitados A Ordem de Westfalia tinha

3. PODER JUDICIÁRIO

3.1 O ESTADO E A SEPARAÇÃO DE PODERES

3.1.2 Poder Judiciário na tripartição dos poderes

134

Kelsen. Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Título original: General Theory of Law and State. Tradução de BORGES, Luís Carlos. 2ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 183.

Ainda premido pela necessidade de observação da delimitação imposta pelo tema, fugir-se-á da análise em resgate histórico da função judiciária nas sociedades políticas pré- Estado Moderno. Contudo, em razão do apelo do tema, apenas em caráter introdutório, traz-se à baila o resumo de Fonseca135, que identifica a judicatura em sua trajetória em três períodos: patriarcal, real e social.

No período patriarcal, a judicatura era exercida sem intermediários, pelo chefe de família ou da tribo, que atuava como juiz-sacerdote, só, ou ocasionalmente, com a assistência dos próximos e, principalmente, dos anciãos depositários da venerável tradição do grupo. No período real, a judicatura era exercida direta ou indiretamente pelo Soberano; o exercício era direto, quando o Rei conhecia pessoalmente dos casos que lhe eram submetidos; era indireto, quando os conhecia, o Rei, através da opinião de outros, aos quais assim delegava parte de seu poder judiciário.

No período social, a judicatura é exercida pela própria sociedade, dado que em seu nome delibera o que agora, em sentido próprio, tem o nome de organização judiciária, vale dizer, o conjunto de juízes de carreiras e tribunais regulares. Lapidar, neste sentido, é a sistematização que faz quanto às fases evolutivas do processo: ordália, juramento, formalismo antigo e formalismo moderno136, fase essas que bem demonstram também a forma como o poder era exercido por quem podia exercê-lo, notadamente quanto à função judiciária.

A concepção de Montesquieu e a adoção de suas idéias, como sinônimo de um novo marco na história do Estado, não marca, nem por isso, a trajetória de firmação do Poder Judiciário como poder, e tampouco como independente dos demais, notadamente no Estado europeu. Verificando historicamente a função judiciária nas organizações políticas anteriores ao Estado Moderno, e comparando-a com a realidade pós-tripartição de poderes, verificamos

135

FONSECA, Roberto Piragibe. Curso de Instituições de Direito Público. São Paulo : Livraria Freitas Bastos. 1968. p. 141-142

136 - Na fase da ordália, o Processo era um conjunto de artifícios que tinham por propósito colocar a solução do caso sob a autoridade de prova irrecusável, isto é, de prova normalmente mortal a que o acusado era sbumetido para demonstrar inocência ou fazer valer o direito alegado.

Na fase do juramento, fundava-se o Processo no mínimo de confiança que a conveniência exige, vale dizer, o processo era um conjunto de afirmações reiteradas e solentes, com invocação do testemunha dos deuses.

Na fase do formalismo antigo, revelava-se o processo como a prática de certos atos e o emprego de certas palavras e certas fórmulas, isto é, como a prática de formas sacramentais

Na fase do formalismo moderno, o processo traduz o exame objetivo de fatos e documentos para obtenção da verdade material se bem que enquadra a tarefa por um formalismo necessário porque assegurador da conveniente homogeneidade dos julgamentos da mesma espécie. Fonte: FONSECA, Roberto Piragibe. Curso de Instituições de Direito Público. São Paulo : Livraria Freitas Bastos. 1968. p. 141-142.

que ainda assim ela ficou enfraquecida e dependente, quando não subordinada aos demais poderes, com raras exceções e sempre em destacados momentos históricos, não sendo a tônica a supremacia. Tavares137 assinala que, não obstante o pressuposto teorético da separação de poderes, “houve uma nítida e constante supremacia do Legislativo e Executivo ao longo da

história. Ambos ocupavam a peça central da tragédia política. Ao judiciário restou um papel secundário”. A razão para tamanho acanhamento da função judiciária, no dizer de Tavares,

encontra-se na verificação histórica de que o Judiciário, no absolutismo, atuava como um braço do rei.

Na França do século XII eram os prebostes, o baile e o seneschal os funcionários responsáveis por aplicar a justiça, e que aqueles (prebostes) administravam seu distrito cumprindo as ordens reais e fazendo justiça em nome do rei, ao passo que os dois últimos eram recrutados dentre a baixa nobreza da Casa real, sendo considerado servidores da Coroa. Assim, subordinado, não haveria de se desenvolver adequadamente. 138

Apresenta-se ainda como timidez do judiciário a circunstância de ser um poder reativo e não ativo, atuando praticamente na condicional da provocação do interessado, além do fato de ser novidade o direito escrito pós-revolução, sendo além de novo raro. É ainda Tavarez139 que informa que dentre outros fatores pode também ser apresentado como motivo para a pequenez do judiciário a natureza individual dos conflitos, com interesses em disputa sob o prisma meramente particular, que denotava pouca ou nenhuma repercussão social, que perdura até o advento do Estado social. Marques140 informa que a Justiça no Estado francês apresentava como característica, na Idade Média, o fato de que os juízes eram meros “empregados” dos senhores feudais de maior ou menor prestígio e que foram ganhando prestígio à medida que o feudalismo ia cedendo espaço à realeza, até chegarem a ponto de negarem cumprimento às normas legais editadas pelo rei, sendo um dos incentivadores indiretos ou diretos da Revolução Francesa. Porém, anota-se que “após a revolução, foram

reduzidos a simples servidores do esquema governamental” 141.

137

TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88 : (des) estruturando a justiça : comentários completos à EC n. 45/04. São Paulo : Saraiva, 2005. p. 15.

138

Op. Cit. p. 16.

139

Op. Cit. p. 16.

140

MARQUES, Luiz Guilherme Marques. A Justiça na França.

http://www.neofito.com.br/artigos/art02/inter35.htm Acesso em 10.07.2005.

141

Ao fazer um estudo sobre a afirmação e negação da independência judicial, abordando o aspecto histórico sobre a função judiciária, Gomes142 já advertia que necessário se faz constatar que foi na Europa onde nasceram os dois distintos modelos ocidentais de juiz e de magistratura, que são o anglo-saxônico, onde o juiz goza de total independência, e o europeu continental, onde o juiz se aproxima da condição de funcionário e a magistratura é considerada parte integrante da burocracia centralizada estatal (França, Itália, Espanha, Portugal, dentre outros).

Enfatiza Gomes143 que a distinção entre estes modelos tem sua origem na fase embrionária do Estado Moderno. Em sua constatação, os juízes ingleses posicionaram-se na luta contra o absolutismo e contra a burquesia, e por isso garantiram a independência pessoal e também da própria magistratura (função judiciária), razão pela qual ainda que sejam nomeados pela Coroa e julguem em nome dela, são vitalícios, gozam de imunidade, inamovibilidade e estão economicamente protegidos. Por outro lado, os magistrados franceses foram concebidos segundo a conveniência do Estado absolutista francês, bem como do que lhe sucedeu (republicano constitucionalista), sem qualquer garantia real nem independência, sem possibilidade de interpretar a lei e tampouco de qualquer atividade fiscalizadora dos demais poderes, o que perdura até os dias atuais, cabendo ao juiz (poder judiciário) tão somente aplicar toda legislação produzida pelo poder político sem nada questionar (positivismo legalista). Neste sentido Montesquieu144 já preconizava que o juiz “só podia

pronunciar as palavras da lei, que era sempre tida como racional e realmente fiscalizadora do interesse geral”.

Existem relatos históricos de que no princípio da Revolução Francesa foi admitida a possibilidade de eleição dos juízes pelo povo, porém, não demorou muito para que o sistema sofresse um corte radical, por obra de Napoleão Bonaparte, que concentrou todos os poderes estatais em suas mãos, passando a ser ato do Governo a nomeação dos juízes. “Mas não só ao

governo (executivo) o juiz estava subordinado: havia subordinação também ao legislativo”.145 A conclusão de Gomes 146quanto a origem e influência desses sistema pode ser assim sintetizada:

142

GOMES, Luiz Flávio. A Questão do Controle Externo do Poder Judiciário. 2ª ed. ver. São Paulo : RT. 1993. p. 59-61.

143

Op. Cit. p. 59.

144

MONTESQUIEU. O Espírito Das Leis. Trad. MELVILLE, Jean. São Paulo : Martin Claret. 2003. p 53 e 176.

145

GOMES, Luiz Flávio. A Questão do Controle Externo do Poder Judiciário. 2ª ed. ver. São Paulo : RT. 1993. p. -61.

O Juiz da tradição francesa, como facilmente se percebe, foi concebido para ser um escravo da lei, um simples longa manus do Poder Político, sem nenhuma independência, um cego aplicador da lei, acrítico, passivo, asséptico, autômato e, por tudo isso, bastante funcional. (...) é lógico que nem sempre corresponderam a esse modelo asséptico, mas é verdade que esse modelo era e é bastante conveniente ao Poder Político. (...) A redução do juiz à condição de funcionário é, em suma, resultado de toda a evolução histórica do Estado Moderno monopolizador, que chamou para si não só a tarefa de legislar, senão também a de julgar originalmente e por natureza pertencente à sociedade. Isso evidentemente retirou do juiz grande parte do seu tradicional significado, do seu império, de ditar o Direito, como ocorria na época romana e como ocorre até hoje no sistema anglo-saxônico. Como se pode verificar com o Estado Moderno houve a transposição do ius para a lex. Do juiz que ditava o direito (ius) passou-se para o que deve decidir o conflito só e rigorosamente de acordo com a lei (lex), elaborada muitas vezes (contrariamente do que pensava Rosseau) para satisfazer interesses particulares, não gerais E desde essa época até nossos dias a independência judicial, considerada coletivamente ao menos, não passa de um desideratum. O que predomina de modo quase absoluto é a vontade soberana do Estado (é dizer, do Poder Político), que se apropriou inclusive da função jurisdicional, exercida, dizem alguns, por órgãos alienados.

3.2

PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL

A historicidade da formação de uma cultura jurídica nacional é, digamos assim, recente, pois se impõem a partir da Independência do país, em 1822, observando-se que o liberalismo acabou constituindo-se na mais importante proposta doutrinária de alcance econômico e político, centro de irradiação de diretrizes que influenciaram na criação de uma

“elite jurídica própria e na construção de um arcabouço legal positivo, durante o Império e o início da República”, conforme anota Wolkmer147. É certo que o liberalismo brasileiro não pode ser considerado puro quando comparado com o exemplo europeu. É que no Brasil ele foi adequado para servir de suporte aos interesses das oligarquias, dos grandes proprietários de terra e do clientelismo vinculado ao monarquismo imperial, expressando a necessidade de reordenação do poder nacional e a dominação das elites agrárias, conforme anota Viotti da Costa148, posto que admitia a propriedade escrava e convivia com a estrutura patrimonialista de poder.

Não obstante, não se pode dizer que tenha sido estabelecida na Independência a origem da magistratura brasileira. Há que se considerar a realidade anterior, ainda que verificado no período de colonização do Brasil por Portugal, ou mesmo antes disso se for

146

Op. Cit. p. 74.

147

WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 3ª Ed. ver. Atual. Rio de Janeiro : Forense. 2003. p. 74.

148

VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República : momentos decisivos. 3. ed. São Paulo : Brasiliense, 1985, p. 26-27.

seguindo o conselho de Oliveira Deda149, para quem a realidade a ser considerada

“remontaria a mais de 10 mil anos, desde a presença, no litoral, dos homens dos sambaquis”. Ocorre, porém, conforme a ressalva daquele autor “que a constatação do ubi societas, ibi jus não serve para estabelecer o marco inicial da História do Direito Brasileiro, pois que os homens dos sambaquis pescadores, catadores de ostras eram uma gente insubmissa a um sistema de vida que se pudesse considerar jurídico. Nem mesmo poderiam ser considerados habitantes”.

Assim, a abordagem sobre o Poder Judiciário será dividida no aspecto cronológico conforme as fases históricas da organização política no paradigma adotado comumente por historiadores, procurando-se enfatizar a característica de cada período em relação ao Poder Judiciário no Brasil.