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vereadores das Câmaras Suas atribuições, e Distritos, serão regulados por lei.

4. CRISE E REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO

4.1 Origem da Crise do Poder Judiciário

4.1.2 Sistema legislativo confuso e ineficaz

Se o componente humano em sua origem de recrutamento pode ser uma das explicações para os problemas verificados no sistema judicial, também se pode incluir como uma das razões o complexo e pouco eficiente sistema legislativo brasileiro. Além da derivação legislativa lusitana, o Brasil caracterizou-se em seus primórdios de independência política por uma subordinação exagerada aos interesses da Inglaterra, e por diversas vezes produziu normas para “inglês ver”226, notadamente quanto à questão do tráfico de escravos.

Sobre o primeiro tópico Nequete227 transcreve em seu livro uma carta que teria sido encaminhada por Alexandre de Gusmão, por ordem de D. João V, ao Corregedor do Crime da Corte:

Sua Majestade ma manda advertir a Vossa Mercê que as leis costumam ser feitas com muito vagar e sossego, nunca devem ser executadas com aceleração, e que nos casos de crimes sempre ameaçam mais do que na realidade mandam, devendo os Ministros executores delas modificá-las em tudo o que lhes for possível, porque o Legislador é mais empenhado na conservação dos vassalos do que nos castigos da justiça; e não quer que os ministros procurem achar nas Leis mais rigor do que elas impõem. A análise de algumas normas em períodos passados demonstra que na grande maioria dos casos, a legislação brasileira não é fruto de acordo entre os membros de uma sociedade, da sociedade civil, de pressões populares, originada na cristalização de costumes, ainda que haja exceções, percebe-se que o sistema legislativo decorre daquilo que pequena e dominante parcela da sociedade imagina ser para o bem do povo. A cultura jurídica brasileira além de

226 Além de enfrentar o movimento das ruas e das tropas, os interesses divergentes de restauradores e exaltados, os atentados, as fugas de escravos e insurreições negras, o Governo Regencial tinha, também, que enfrentar a pressão inglesa para a extinção do tráfico negreiro internacional. Diversos acordos já tinham sido assinados entre o Brasil e a Inglaterra, limitando o alcance e a abrangência do tráfico negreiro, desde a vinda de D. João para o Brasil. Todos esses acordos ainda não eram suficientes para a Inglaterra, que visava mesmo o fim da escravidão. Muito se questionava na época, e ainda hoje se continua questionando, os reais interesses dos ingleses para tanta pressão. Alguns afirmavam ser por razões humanitárias; outros, por desejarem expandir mercado consumidor para seus produtos; e ainda havia aqueles que os viam como maneira de tornar mais competitiva a produção de sua indústria açucareira nas Antilhas. De qualquer modo, essa pressão inquietava o Governo Regencial e sua força de apoio - os moderados - uma vez que a economia brasileira dependia profundamente da mão-de-obra escrava. Pretendendo retardar o mais possível a eliminação dessa força trabalhadora e aliviar a pressão inglesa, o governo promulgou, em novembro de 1831, uma lei proibindo o tráfico negreiro para o Brasil, declarando livres os escravos que aqui chegassem e punindo severamente os importadores. Comentava-se na Câmara dos Deputados, nas casas e nas ruas, que o Ministro Feijó fizera uma "lei para inglês ver".

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paternalista é legalista e formalista, afirma Rosenn228, para quem esse legalismo herdado de Portugal, baseado na tradição do positivismo jurídico, valorizado excessivamente como solução de problemas sociais, políticos e econômicos é também uma das causas da crise do Poder Judiciário.

Promulgavam leis sem grandes considerações a respeito da sua exeqüibilidade ou eficácia. Percebe-se, contudo, que esta não é uma característica perdida no tempo. Ainda persiste a mentalidade presunçosa de que todos os problemas podem ser resolvidos a nível jurídico. Dois exemplos significativos: a) a tentativa de limitar taxa de juros por texto constitucional (art. 192, § 3º, da CF), já abandonada229 ante a sua inexeqüibilidade. Aliás, o Estado, ao estatuir juros para remunerar os compradores de seus títulos em índices muito superiores a 12% ao ano; b) a tentativa de resolver a grave crise política atual, provocada pelas denúncias de corrupção no legislativo e executivo federal, com a reforma política, fortalecendo os partidos políticos, que estão no cerne do escândalo milionário230.

O legalismo brasileiro foi satirizado por Roberto Campos231 quando sugeriu um decreto mantendo a lei da oferta, revogando a lei da demanda, proibindo a escassez natural ou artificial de dinheiro ou qualquer outra mercadoria, bem como mantendo a taxa de lucro em 10% ao ano “porque nós todos nascemos com dez dedos em nossas mãos”. Em outra oportunidade, indignado com a Constituição, a qual a reputava promíscua, por reconhecer um salário mínimo nacional unificado, lamentava que a Carta Constitucional prometesse uma segurança social sueca com recursos de Moçambique e antes de sua promulgação arrematou: “Logo após a promulgação pedirei, como idoso, um ‘mandado de injunção‘ para que o Bom

Deus seja notificado de que tenho garantia de vida, mesmo na ocorrência de doenças fatais (art. 230), sendo, portanto inconstitucional afastar-me de meus compromissos terrestres”.232

Correlacionado com o legalismo encontra-se o formalismo como uma das causas de engessamento da atividade jurisdiciona. Rossen, impressionado com tamanhas exigências para o reconhecimento pelo Estado em determinadas situações, conclui que: “A presunção STF, 2000. Vol I. p. 8.

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OP. Cit. p. 51.

229 Emenda nº 40, de 29 de maio de 2003, revogou o parágrafo 3º do art. 192, da Constituição Federal.

230 A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito já apurou e vários membros de partido político já confessaram, que partidos políticos operam caixa 2 nas campanhas, recebendo recursos financeiros de diversos doadores, com suspeita de origem de cofres públicos, e não declaram o recebimento e o gasto desses valores, fraudando as contas a serem apresentadas à Justiça Eleitoral após as eleições. O caso, popularmente conhecido como Mensalão e outros adjetivos, detonou a maior crise política do atual Governo, chefiado por Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores.

231

Campos, Roberto de Oliveira. Ensaios contra a maré,Rio de Janeiro : APEC. 1969. p. 50.

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parece ser de que todo cidadão está mentindo até que ele produza prova documental escrita de que está dizendo a verdade”.233 O formalismo conduz então à discrepância entre condutas

e normas legais destinadas a regular tais condutas. Ou seja, existem leis que “pegam” e outras que “não pegam”. As razões para esta classificação de leis, ainda na lição de Rossen234, encontram-se na origem, na criação das leis, no processo legislativo:

A falta de criação de leis próprias para as necessidades brasileiras se deve em grande parte à natureza do processo legislativo, Boa parte da legislação brasileira foi esboçada por destacados juristas em uma atmosfera bastante deslocada da clamorosa justaposição de grupos de interesses. Os juristas têm, tipicamente, consultado as várias soluções para determinado problema no exterior, e tentado escolher uma que, através de uma proposição abstrata, pareça ser a melhor. Raramente se preocupa uma norma que cristalize os costumes e a prática cotidiana ou se realiza uma pesquisa empírica sobre a natureza peculiarmente brasileira do problema econômico, social político ou administrativo em pauta. Disputas entre juristas e professores sobre a norma a ser adotada são freqüentes, mas são, tipicamente, disputas técnicas e doutrinárias. O produto final desse processo tem sido uma legislação de padrões idealizados de comportamento, continuando, assim, uma tradição secular que começou com a adoção do Direito Romano pelos portugueses.

Desta forma, vê-se que o paternalismo, o legalismo e o formalismo, que caracterizaram a cultura jurídica brasileira contribuíram para gerar, ao lado da formação deturpada do corpo de magistrados e funcionários da justiça no Brasil, um cenário de crise e de ineficiência, de descrédito e afastamento por parte da sociedade civil e por utilização malévola por parte de quem aufere benefícios com esse quadro, porquanto se coloca em posição de imune às conseqüências do descumprimento de suas obrigações para com a sociedade em geral e particularmente com àqueles com quem formula contrato.