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4.3 A ordem econômica constitucional e o nascimento do incentivo fiscal

4.4.1 Poder Legislativo

Inicialmente, cabe diferençar a competência atribuída ao Poder Legislativo da competência legislativa propriamente dita, já que esta última pode ser atipicamente exercida por outras pessoas políticas. A competência legislativa atribuída ao Poder Legislativo, ao seu turno, trata da sua função típica que consiste na aptidão jurídica que a Constituição confere ao Poder Legislativo para expedir regras jurídicas e inovar o sistema de direito positivo.

A competência legislativa tributária é, por consequência, a “aptidão

criar normas relativas à instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos, por meio de processo legislativo”77.

Por ocasião do princípio da legalidade, todos os tributos devem ser instituídos por lei. Com efeito, qualquer regra que inove o ordenamento, disciplinando novas condutas em caráter geral e abstrato, também deve ser posta por lei em observância ao princípio democrático. Além disso, em atenção ao princípio federativo, a instituição de tributos promovida por lei ordinária permite aos entes políticos afetados pela arrecadação sejam inseridos no processo de elaboração dos enunciados. O que se conclui desses raciocínios é que inaugurar um tributo no sistema prescinde de dois elementos fundamentais: (i) outorga de competência constitucional e (ii) lei ordinária que institua a sua regra-matriz.

Uma vez que a observância da competência legislativa tributária é necessária à instituição do tributo, qualquer norma subsequente que venha alterar a sua forma de incidência também deve, em regra, nascer de lei ordinária. Em se tratando de normas concessivas de incentivos fiscais, obedecer aos princípios democrático, federativo e da legalidade, significa submeter tais incentivos aos mesmos procedimentos legais relacionados à instituição da regra-matriz de incidência.

De todo modo, o direito positivo brasileiro impõe que certas formalidades sejam observadas na elaboração de normas jurídicas em respeito à hierarquia das leis e ao princípio democrático. Assim, se a observância de requisitos formais tendo em vista o melhor interesse público é fundamentalmente importante para se constituir novo tributo, que seja assim também para conceder incentivos fiscais relacionados a este mesmo tributo. Caso contrário, de nada adiantaria o esforço legislativo (representante da vontade do povo) se a qualquer tempo o Poder Executivo ou qualquer outro órgão estatal tivesse poderes para anular, mesmo que parcialmente, tal imposição legal. Essa característica da competência legislativa diz respeito                                                                                                                          

77 GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009. p. 221.

ao caráter autonômico que se entende aplicável não apenas às isenções fiscais mas a todas as espécies de exonerações incluídos os incentivos fiscais que são objeto desse trabalho. O fenômeno foi bem observado pelo

douto doutrinador Roque Antônio Carrazza78:

Só a pessoa que validamente criou (ou pode criar), por meio de lei, o tributo é que pode criar a isenção, desde que o faça, também por meio de lei. Assim, só a lei federal pode conceder isenções de tributos federais; só a lei estadual, de tributos estaduais; só a lei municipal, de tributos municipais; só a lei distrital, de tributos distritais.

Assim, em princípio, as isenções tributárias são autonômicas, vale dizer, promanam da mesma pessoa

política titular da competência para criar tributo. São, em angusta síntese, isenções de tributos de competência

própria (em contraposição às isenções heterônomas, isto é isenções de tributos de competência alheia).

Aliás, a própria Constituição encarregou-se de afastar dúvidas sobre este assunto, ao estatuir, em seu art. 151, III: “É vedado à União: (...) instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”.

Desta forma, resta estabelecida constitucionalmente a regra da impossibilidade de que outro órgão estatal possa conceder isenções fiscais, estas entendidas como a totalidade de exonerações possíveis, senão por aquele que impôs, inicialmente, a obrigação de se recolher o tributo. Por isso a obrigatoriedade de que a concessão de incentivos fiscais observe, em regra, uma forma mínima de lei ordinária.

Em síntese, a competência para conceder incentivos fiscais no direito brasileiro se dá pelos mesmos fundamentos que a competência constitucional para tributar. Embora a Constituição de 1967 tivesse autorizado a União Federal à concessão de incentivos fiscais, mediante lei complementar, em relação a tributos de competência institucional de outros entes políticos federados, notou-se uma interferência indesejada do Congresso Nacional na própria forma federativa de governo, baseado na autonomia política dos entes federados. Assim, na Constituição de 1988, a regra se alterou permanecendo a norma protetiva da autonomia política dos

                                                                                                                         

78 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2009. p 878.

entes federados no sentido de que a União Federal somente tem poder de exonerar os tributos a ela competentes para instituir assim como compete somente a cada um dos Estados e Municípios a exoneração, mediante benefícios e incentivos, de tributos de sua competência.

A questão da competência é matéria delicada no direito tributário pátrio uma vez que inúmeras são as ações diretas de inconstitucionalidade que assombram o Supremo Tribunal Federal (STF) para que se apure a inconstitucionalidade da lei concessiva de incentivos fiscais que pretenda atentar contra a autonomia dos entes federados. Em sede de Recurso Extraordinário, o STF analisou a constitucionalidade de incentivos concedidos na vigência da Constituição de 1967, considerados não recepcionados pela Constituição de 1988:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. INCENTIVOS FISCAIS: ISENÇÕES CONCEDIDAS PELA UNIÃO. CF, 1967, COM A EC 1/69, ART. 19, § 2º. PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO, POR PARTE DA UNIÃO, DE ISENÇÕES DE TRIBUTOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. C.F., ART. 151, III. I. - O art. 41 do ADCT/1988 compreende todos os incentivos fiscais, inclusive isenções de tributos, dado que a isenção é espécie do gênero incentivo fiscal. II. - Isenções de tributos municipais concedidas pela União na sistemática da Constituição de 1967, art. 19, § 2º: D.L. 406/68, art. 11, redação da Lei Compl. 22, de 1971. Incentivos fiscais, nestes incluídas isenções. Sua revogação, com observância das regras de transição inscritas no art. 41, §§ 1º, 2º e 3º, ADCT/1988.79 (...).80

Embora já se tenha adotado classificação diversa, no âmbito desse trabalho, para tratar das definições de exonerações fiscais, incentivos e benefícios fiscais, nota-se que o ilustre magistrado relator do caso acima citado pretendeu tratar da classe de normas que se denominou nesse trabalho “exonerações fiscais” para afirmar a vedação constitucional à interferência da União Federal na competência legislativa dos Estados e Municípios.

                                                                                                                         

79

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n. 280.294. Brasília: D.J.E., 21 de junho de 2002.

80

No mesmo sentido, vale conferir: AI 278.497-AgR (Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 09.02.2001); RE 182.160 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 04.09.1998); RE 161.354 (Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 01.12.1995) e RE 174.550 (Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 28.04.2000).  

Por fim, relativamente à competência legislativa para a concessão de incentivos fiscais no direito brasileiro, cabe destacar uma importante observação. Tanto a regra de (i) que o instrumento concessivo de incentivos fiscais deve ser o mesmo que aquele utilizado para instituir o tributo, quanto a (ii) que o ente político que concede o incentivo em relação a um tributo deve ser o mesmo que possui a competência constitucional para instituir o tributo, comportam exceções. Tais exceções encontram-se também disciplinadas no próprio texto constitucional tal como aquela que dispõe sobre tratamento tributário simplificado e favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte. Nesse contexto, compete ao Congresso Nacional a elaboração de um complexo de normas jurídicas aptas ao exercício dos valores constitucionais pelo contribuinte. Na ocasião da entrada em vigor da Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, o Congresso Nacional acabou por inserir no sistema de direito positivo uma norma exonerativa de tributos cuja competência é dos Estados, Municípios e do Distrito Federal. Com isso, a regra constitucional comporta exceções que também são de ordem constitucional, ou seja, tratam-se de exceções enumeradas e expressamente autorizadas pela própria Constituição de 1988.