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4.2 Princípios constitucionais tributários relevantes

4.2.1 Segurança jurídica

Inicialmente, deve-se destacar a diferença entre o sobreprincípio da certeza do direito e o sobreprincípio da segurança jurídica. Isto porque, a doutrina por vezes costuma vincular esses termos a um mesmo conceito, o que pode gerar algumas confusões desnecessárias na argumentação jurídica.

O sobreprincípio da certeza do direito é um valor inerente aos ordenamentos de direito positivo, pois ele é próprio à natureza do sistema, ou melhor, da norma jurídica, que é o dever-ser. Assim, a norma jurídica deve ser precisa na regulação das condutas de modo a objetivar o direito no plano concreto. Considerando o ciclo de positivação do direito as normas que individualizam e concretizam a incidência são sempre mais específicas em relação às gerais e abstratas. Com isso, a incidência ou aplicação consiste em duas operações lógicas, subsunção e imputação, realizadas entre a

norma geral e abstrata e o fato jurídico devidamente constituído em linguagem competente. De certo, diante da certeza do direito não cabe a ele estatuir probabilidades deixando o sujeito passivo livre para descumprir a conduta disciplinada. Esse sobreprincípio inerente ao sistema impera para que a coercitividade própria das normas jurídicas revelem a obrigatoriedade perante uma relação jurídica instaurada entre dois ou mais sujeitos de direito.

Não é nesse sentido que a segurança jurídica opera em termos semânticos. Ela se difere da certeza do direito à medida que a segurança jurídica exige do sistema uma previsibilidade do comportamento das normas jurídicas na regulação das condutas dados os limites semânticos e pragmáticos que a linguagem jurídica pode admitir sem infringir outros sobreprincípios inerentes ao sistema de direito positivo, como o sobreprincípio da justiça. Trata-se da antecipação dos efeitos ou das consequências que as normas jurídicas podem impor aos sujeitos em prol da estabilidade das relações jurídicas. A segurança jurídica dita que o direito deve ter certo grau de previsibilidade em relação às consequências impostas aos sujeitos para que eles possam saber como agir sempre dentro da legalidade. Sobre o tema, são notáveis e brilhantes os comentários da jurista Misabel Abreu Machado Derzi:

A independência da função judicial somente se alcança com o fechamento do sistema, do ponto de vista operacional (não cognitivo ou semântico), de modo que as operações sejam determinadas por elementos do próprio sistema, por meio da auto-referenciabilidade. O compromisso de vinculação das decisões aos textos normativos é longa e tecnicamente discutido e teorizado pela ciência especializada (e não há espaço, nesse breve estudo, para tal abordagem). Mas o cumprimento desse compromisso tem de ser demonstrado, pois a fundamentação da sentença é obrigatória. A fundamentação, a lógica argumentativa, ratificada pelos precedentes, a antecipação é projeção das consequências e sua compatibilidade com o sistema como um todo, tais são os aspectos das decisões, universalmente reconhecidos, como chaves essenciais ao fechamento do sistema jurídico57.

                                                                                                                         

57

DERZI, Misabel Abreu Machado. Mutações jurisprudenciais em face da proteção da confiança e do

interesse público no planejamento da receita e da despesa do Estado. in Roberto Ferraz (org.).

Em âmbito tributário, essa discussão sobre a segurança jurídica ganha ainda maior destaque porque as exações tributárias são compulsórias em função da lei e são obrigações bastante onerosas aos sujeitos passivos. Assim, é comum que os contribuintes se referenciem não apenas na lei, mas também nas decisões judiciais emitidas pelas cortes superiores brasileiras na interpretação dos enunciados do direito positivo.

Alguns doutrinadores também tendem a classificar os princípios como implícitos e explícitos elegendo como critério o grau de objetividade expressiva com que esses princípios se manifestam no texto constitucional. A segurança jurídica, de acordo com essa classificação, seria um exemplo de princípio implícito. Todavia, diante do paradigma filosófico adotado na fundamentação desse trabalho e do construtivismo lógico-semântico entende-se que tal classificação não possui utilidade dogmática já que, como visto, objetivamente expressos ou não, os princípios bem como todo o conteúdo das normas jurídicas está na implicitude dos enunciados cuja significação é construída pelo intérprete.

Assim, todos os enunciados constitucionais que de alguma forma conduzem ao sobreprincípio da segurança jurídica são tão legítimos para conceber a norma jurídica quanto aqueles ditos explícitos. São diversos os dispositivos que levam o intérprete a identificar o princípio da segurança

jurídica, por exemplo: (i) artigo 5o, caput, ao mencionar a palavra “segurança”

como direito fundamental inviolável do cidadão. Aqui a segurança deve ser entendida não apenas como a segurança física do corpo ou da propriedade, mas também psicológica já que a expectativa que o sujeito deposita no sistema do direito positivo é que seja instrumento de estabilização das relações jurídicas e que, dessa forma, promova o valor da justiça. (ii) Outro

dispositivo a ser citado é o constante do artigo 5o, inciso XXXVI que dispõe:

“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada”. Ao realizar tal disposição, a Constituição também informa o

sobreprincípio da segurança jurídica no sentido de que a lei não é instrumento de poder capaz de desestabilizar essas relações jurídicas já estabilizadas pelo próprio direito.

A partir de alguns dispositivos específicos em matéria tributária também pode ser deduzido o sobreprincípio da segurança jurídica como é o caso do (iii) artigo 150, inciso I, que impede a cobrança de tributos não previstos em lei (legalidade tributária) e do (iv) inciso III, que estabelece a irretroatividade, anterioridade e anterioridade nonagesimal tributárias previstas nas alíneas a, b e c, respectivamente. Além disso, (v) o inciso IV do mesmo artigo 150 garante mais segurança às expectativas do contribuinte ao

vedar a utilização dos tributos com efeito de confisco58.

Cada um desses dispositivos que informam a manifestação do sobreprincípio da segurança jurídica apresentam-se também como princípios autônomos ou limites objetivos que operam e contribuem para a realização dos valores hierarquicamente superiores. Em outras palavras, a legalidade tributária compõe uma norma jurídica autônoma ao princípio do não confisco. Entretanto, eles colaboram lado a lado para a manifestação do sobreprincípio da segurança jurídica pois a partir deles, dentre outros, esses valor (segurança jurídica) é tutelado pela Constituição. Se de acordo com essa norma as relações jurídicas devem ser estáveis e a expectativa dos sujeitos deve ser respeitada na tutela de seus interesses, diversas conclusões tornam-se aplicáveis ao tema das normas concessivas de incentivos fiscais.

Exemplifica-se. Diante das normas constitucionais que tutelam (i) o incentivo ao cooperativismo, (ii) o tratamento tributário adequado ao ato cooperado, (iii) a liberdade concorrencial e (iv) a equidade, há disposições constitucionais suficientes para que as cooperativas tivessem expectativas quanto à declaração da existência de uma imunidade tributária nas operações denominadas atos cooperados. Ainda que este não tenha sido o objeto do julgamento do Recurso Extraordinário 599.362/RJ, o Supremo

Tribunal Federal59 se manifestou no sentido de não haver vedação à

tributação do ato cooperado e de que não há nada que assegure o

                                                                                                                         

58

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. D.O.U.: 5 de outubro de 1988.

59 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n. 599.362/RJ. Brasília: D.J.E., 10 de fevereiro de 2015.

favorecimento a essas entidades. A decisão quebrou, de um lado, a expectativa dos contribuintes e, de outro, manteve a expectativa da União Federal, que sustentou a argumentação adotada no julgamento.

Agora, imagine-se se a decisão tivesse sido no sentido oposto: tivesse admitido o tratamento favorecido às cooperativas e disciplinado o modo nos termos previstos pelo ordenamento para solução de lacunas aparentes no direito. Esse seria o precedente da Corte Maior sobre o tema ainda que em controle difuso de constitucionalidade. A partir de então haveria uma expectativa de todas as cooperativas em âmbito nacional de obterem o mesmo tratamento. Essa expectativa é tida como valor constitucional e tutelada de sorte que o judiciário não poderá negar, por equidade, que o regime seja estendido a todas aquelas entidades que invocarem seu direito.

A respeito da segurança jurídica fundada na boa-fé e na confiança, o

trabalho de Misabel Abreu Machado Derzi60 é primoroso ao analisar os

efeitos da jurisprudência na conduta dos contribuintes. Tomando a característica normativa das decisões judiciais e a tendência à generalização dessas decisões quando emitidas pelas cortes superiores, a jurista entende que a não surpresa deve ser respeitada em prol da segurança jurídica no caso das modificações na jurisprudência. Não cabe no âmbito desse trabalho aprofundar mais sobre esse assunto, de modo que deve-se apenas entender que a expectativa do contribuinte é tutelada pela Constituição e que a segurança jurídica depende da observação desse fato na ocasião da aplicação do direito. No caso das normas concessivas de incentivos fiscais, essa expectativa é ainda mais presente para que as relações jurídicas sejam estabilizadas afastando-se a tributação mais gravosa sem riscos ao contribuinte.

                                                                                                                         

60 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2009.