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Inicialmente, tomando como paradigma a teoria da norma jurídica que se adota nesse trabalho, é de suma importância entender o que são os princípios e como eles aparecem e se comportam no sistema de direito positivo. A partir de então, os princípios poderão ser analisados em suas unidades e de acordo com as suas manifestações em matéria de incentivo fiscal.

Os princípios jurídicos estão presentes em todos os segmentos do direito e, diante desse fato, é tema de diversos trabalhos doutrinários específicos importantes. Todavia, nem todos os estudiosos do direito se preocupam em investigar a ontologia dos princípios, ou melhor, o que realmente são na essência.

Conforme visto, o direito positivo é uniforme na sua composição dado que se trata de um conjunto de normas jurídicas. Dessa forma, toda norma jurídica válida compõe o direito positivo tanto quanto o direito positivo é composto somente de normas jurídicas válidas. Tais normas são também homogêneas quanto a sua estrutura sintática, dotadas de uma mesma organização formal, composta de um juízo hipotético-condicional ligando um antecedente a um consequente. Diante disso, verifica-se no princípio uma unidade desse sistema, de modo que os princípios têm natureza ontológica de normas jurídicas. Nesse sentido, tudo o que se afirmou sobre as normas jurídicas no capítulo destinado ao estudo da teoria da norma jurídica também se aplica aos princípios, que, inclusive, assumem a estrutura sintática hipotético-condicional já descrita. Assim, o que destaca o princípio diante das demais normas jurídicas é a forte presença do caráter axiológico, introduzindo valores de enorme relevância para o sistema. De certo, todas as normas jurídicas carregam valores em maior ou menor grau. No entanto, o que se pode afirmar dos princípios é que são normas que carregam valores

em maior grau no sistema de direito positivo e, por isso, são vetores que orientam toda a ordem jurídica em determinados sentidos.

Corroborando essa posição, leciona Paulo de Barros Carvalho:

Todavia, plantadas essas premissas, aquilo que se não pode admitir, consoante assentamos linhas atrás, é a coalescência de “normas” e “princípios”, como se fossem entidades diferentes, convivendo pacificamente no sistema das proposições prescritivas do direito. Os princípios são normas, com todas as implicações que esta proposição apodítica venha a suscitar, mas são também valores, na medida em que lhes adjudicamos um vector semântico axiologicamente determinado54.

Em linhas gerais sobre hermenêutica jurídica no capítulo anterior abordou-se sobre as relações de coordenação e subordinação que as normas jurídicas têm entre si dentro do sistema de direito positivo. Essas relações determinam a hierarquia das normas como observado. Na condição de normas, os princípios também são situados no ordenamento de forma prescrita e, portanto, também estão sujeitos à hierarquização no ordenamento.

Considerando que os princípios de maior relevância jurídica estão dispostos no texto constitucional, a doutrina tende a hierarquizá-los segundo a carga axiológica que carregam. Assim, é possível observar que os princípios mais subjetivos são aqueles de conteúdo axiológico mais forte e aqueles mais objetivos funcionam mais como regra de conduta a ser observada para a realização dos valores consagrados pelo texto constitucional.

Paulo de Barros Carvalho apresenta essa classificação denominando os princípios de maior carga axiológica de “sobreprincípios” e os de menor carga axiológica, ou seja, mais determinados objetivamente, de “limites objetivos”. Assim, princípios como segurança jurídica, igualdade, liberdade e                                                                                                                          

54 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008. p. 262.

justiça são tidos como sobreprincípios enquanto outros como tipicidade tributária, anterioridade e irretroatividade são exemplos de limites objetivos. Demais princípios que apresentam graus semelhantes de subjetividade e objetividade são referidos apenas como princípios. Alguns exemplos desses princípios são: não confisco e capacidade contributiva.

No contexto desse trabalho, a classificação hierárquica apresentada pela doutrina parece bastante útil e verdadeira do ponto de vista científico. Todavia, a verificação ontológica do princípio não conduz o investigador somente à estrutura das normas jurídicas mas também à dos valores. Na condição de valor, várias características dos princípios merecem destaque.

A primeira característica dos valores que se pode observar é a bipolaridade. Isto porque, a existência de um valor determina, mediante implicação, a existência também de um desvalor correspondente. Por exemplo, se “justiça” é um valor para a sociedade, a “injustiça” é o desvalor que existe em decorrência. Assim funciona a bipolaridade característica dos valores, onde houver um valor ele será um vetor de referência para as condutas (a favor do valor) e contra o desvalor correspondente.

Outras duas características importantes são a referibilidade e a preferibilidade dos valores. A referibilidade indica que os valores sempre se referenciam em alguma coisa, pessoa ou situação e manifestam por eles uma preferência. Para continuar com o exemplo, a manifestação do “justo” ocorreria ao afirmar: “aquele juiz foi justo”. Aqui, o valor se refere ao juiz e demonstra a preferibilidade à justiça em desfavor da injustiça. Essas características conduzem a uma outra, a da objetividade, no sentido de que os valores precisam de objetos para se objetivarem no plano concreto.

Além disso, os valores não são passíveis de serem mensurados (são incomensuráveis) ou de se esgotarem (são também inexauríveis), ainda que, conforme visto, possam ser hierarquizados sob um mesmo ponto de vista. Não se pode afirmar o quão justo o juiz foi ou que a justiça se esgotou nesse

ato, mas pode-se dizer que, ao determinar uma prisão, o juiz entendeu que o valor justiça se sobrepõe ao valor liberdade.

Continuando, é preciso reconhecer que os valores são também objetos culturais e vão se manifestando na sociedade à medida do seu amadurecimento. Essa característica histórica dos valores, historicidade, é que lhes confere a legitimidade enquanto valor. Entretanto, os valores não são definíveis (indefinibilidade) já que se trata de conceito fundante na existência e no conhecimento.

Por fim, duas características dos valores somam-se a esse rol com muita relevância ao objeto de estudo desse trabalho. São elas: a atributividade e a vocação para expressar-se em termos normativos.

Em relação à atributividade, trata-se de uma característica que ressalta a preferibilidade inerente aos valores atribuindo valorações positivas a alguns núcleos de significação. Tércio Sampaio Ferraz descreve o

fenômeno55:

Trata-se de centros significativos que expressam uma preferibilidade (abstrata e geral) por certos conteúdos de expectativa, ou melhor, por certos conjuntos de conteúdos abstratamente integrados num sentido consistente. (...) Valores são, assim, símbolos de preferência para ações indeterminadamente permanentes, ou ainda, fórmulas integradoras e sintéticas para representação do sentido de consenso social.

A atributividade está justamente nas “ações indeterminadamente permanentes” para as quais o valor manifesta a preferibilidade. Por exemplo, a prisão de um indivíduo que cometeu furto. Essa é uma ação indeterminadamente permanente a que se pode atribuir à justiça. O valor justo manifesta preferência à penalização da conduta em oposição a uma inércia do sujeito. A característica da atributividade dos valores demonstra justamente uma posição não indiferença do sujeito diante de um objeto.                                                                                                                          

55  

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução do estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 86.  

O aspecto do valor ao se atribuir a uma ação indeterminadamente permanente manifestando por ela uma preferência é um dado muito importante ao estudo das fontes das normas concessivas de incentivos fiscais. O conteúdo dessas normas demonstram não apenas um valor a ser tutelado mas uma posição de inquietude, de não indiferença, do legislador ao editar tais normas. No âmbito do texto constitucional, essa não indiferença deve ser entendida ainda com maior cautela. Isto porque, a norma concessiva de incentivos fiscais que tenha sido prevista na constituição consiste na positivação de um princípio geral e fundamental do direito, responsável por justificar e legitimar toda a ordem jurídica infraconstitucional que sobrevenha.

Conforme já mencionado, os princípios são valores e normas ao mesmo tempo. Daí a identificação da próxima característica, a vocação para expressar-se em termos normativos. São valores porquanto razões de motivação que determinaram a manifestação do poder constituinte e normas jurídicas na medida em que foram positivadas no texto constitucional e passaram a compor o direito positivo na disciplina das condutas interpessoais.

Ao eleger o fato social a ser juridicizado, o legislador emite um juízo valor no sentido de que este fato e não outro deve ter sua realidade social alterada pelo direito. Trata-se da manifestação de todas as características dos valores, conforme demonstrado. Na perspectiva do legislador, essa realidade deve ser alterada porque o legislador se coloca na posição de não indiferença perante esse fato, dispondo-se a modificá-lo de acordo com a sua preferência. É o legislador que toma o fato como valor a ser tutelado e passa a positivá-lo no sistema dada a vocação que o valor possui de se expressar na forma de norma.

Nesse contexto é que se pode destacar as normas jurídicas concessivas de incentivos fiscais. Partem de fatos sociais eleitos pelo

legislador (não indiferente ao fato social eleito) tendo em vista a persecução de um valor ou um princípio constitucional.