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No capítulo destinado à teoria da norma jurídica foi abordado o tema da validade na concepção kelseniana do termo em que válida é a norma que existe e pertence ao ordenamento jurídico. Todavia, a validade pode assumir diversas acepções de acordo com o paradigma filosófico e com a teoria da norma adotada. Nesse sentido, o trabalho de alguns juristas renomados tratou da ligação entre a história do pensamento jurídico e os conceitos de validade visto se tratar de um conceito fundante.

Para o pensamento jusnaturalista a validade é a propriedade da norma justa, moral e que apareça para a sociedade de forma natural. A norma válida é aquela que merece ser obediência social.

O desenvolvimento do pensamento realista trouxe à validade outra concepção mais apropriada de sua utilidade no ambiente social. No âmbito do realismo jurídico a validade é também uma propriedade ou atributo da norma jurídica que é aceita socialmente e aplicada em termos concretos por se tratar de uma norma declaradamente em coerência semântica com as normas de hierarquia superior.

Já na concepção positivista muito divulgada pelos escritos de Hans Kelsen, a validade não é uma propriedade da norma mas uma relação que esta tem com o sistema. Trata-se da relação de pertinência de uma unidade a um conjunto de modo que válida é aquela norma que foi inserida e pertence ao sistema de direito positivo. Isto porque, ainda que uma norma não tenha compatibilidade semântica com as normas hierarquicamente superiores sua validade não depende do fato em si já que será necessária a edição de uma

nova regra jurídica que declare a ilegalidade daquela. A norma em contradição semântica com o sistema depende de outra norma para ser considerada inválida. Com isso, as concepções realista e jusnaturalista de validade não se sustentam diante da teoria da norma jurídica adotada.

Acerca da validade não se pode deixar de citar os estudos de Paulo de Barros Carvalho sobre o assunto em que conclui:

A validade não é, portanto, atributo que qualifica a norma jurídico, tendo o status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que uma norma “N” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”.

A ponência de normas num dado sistema serve para introduzir novas regras de conduta para os cidadãos, como também modificar as que existem ou até para expulsar outras normas, cassando-lhes a juridicidade52.

Em relação às normas concessivas de incentivo fiscal não há particularidade a ser observada. Serão válidas aquelas normas incentivadoras que forem postas no sistema de direito positivo pelo órgão competente para tanto.

A vigência das normas jurídica, por sua vez, relaciona-se com a potencialidade que a norma possui de disciplinar as condutas interpessoais. A vigência é, portanto, uma propriedade que a norma válida pode ou não ter de modo que vigentes são aquelas normas que estão prontas, aptas, a incidir caso os fenômenos por ela disciplinados ocorram no mundo social.

Trazendo o tema da vigência para a particularidade das normas concessivas de incentivos fiscais também não há considerações específicas a serem feitas. Serão vigentes aquelas normas incentivadoras que potencialmente estiverem aptas a incidir no mundo social. Entretanto, cabe somente uma observação que também é aplicável às normas jurídicas em geral: a vigência das normas pode ser plena ou parcial. Isto é, a norma

                                                                                                                         

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jurídica dotada de vigência plena é aquela que pode ser aplicada tanto em relação aos fatos pretéritos quanto aos fatos futuros. Já as normas jurídicas dotadas de vigência parcial somente pode alcançar fatos futuros quando entrar em vigor ou alcançar fatos passados na medida em que for revogada.

Em geral, as normas gerais e abstratas concessivas de incentivos fiscais tendem à vigência parcial para disciplinar apenas os fatos futuros em relação à instituição do regime favorecido. No plano das normas individuais e concretas que materializam o fenômeno da incidência, as normas podem ter eficácia plena ou parcial a depender das particularidades do fato jurídico.

Já em relação à eficácia das normas jurídicas faz-se necessário mencionar as espécies de eficácia desenvolvidas pela doutrina com abordagens diferenciadas. São três as espécies: eficácia jurídica, eficácia técnica e eficácia social.

A eficácia jurídica diz respeito à propriedade da norma jurídica de gerar os efeitos prescritos no consequente dada a ocorrência do fato jurídico antecedente. Esse efeito é próprio da norma jurídica por ocasião da imputação normativa ou da relação de causalidade jurídica na terminologia de Lourival Vilanova. Trata-se do mecanismo da incidência que é automática e infalível uma vez ocorrido o fato jurídico. Nesse sentido diz-se que a norma é juridicamente eficaz.

Quanto à eficácia técnica, a norma é eficaz quando ela possui condições de ser aplicada no plano concreto irradiando os efeitos que lhes são próprios, ou seja, quando é possível que incida e juridicize o fato. Não é incomum que as regras careçam de eficácia técnica quando lhe falte regulamentação ou quando exista no ordenamento outra norma que impeça a sua incidência. Essa ineficácia técnica da norma jurídica pode se dar por razões de ordem sintática ou semântica. Entretanto, em qualquer das hipóteses as normas não sofrerão a incidência e, portanto, não terão condições de produzir os efeitos prescritos.

Por fim, a eficácia social não é matéria propriamente jurídica mas diz respeito a uma análise sociológica da transformação que o sistema de direito positivo promove no complexo social. Isto porque, a eficácia social afere se a norma jurídica é efetiva, ou seja, se vem sendo cumprida pelos indivíduos a que ela se destina. Quanto maior a aceitação daquela norma no sentido de seu cumprimento, maior a sua eficácia social.

Sobre a eficácia das normas concessivas de incentivos fiscais a questão da eficácia técnica merece destaque. São várias as situações em que o poder constituinte tutelou no sentido de conferir tratamento tributário diferenciado como foi o caso das microempresas e empresas de pequeno porte já citado. Entretanto, algumas dessas normas constitucionais carecem de eficácia técnica por inexistir legislação infraconstitucional que institua o regime tributário favorecido. É o caso das cooperativas, por exemplo. Embora

o artigo 174, parágrafo 2o, disponha o dever de se estimular o cooperativismo

e o artigo 146, III, c, do texto constitucional estabeleça que deve-se dar tratamento tributário diferenciado aos atos cooperados, essa competência não foi exercida pelo legislador complementar no sentido de disciplinar essa realidade das cooperativas no Brasil.

De certo, as cooperativas possuem um papel econômico muito importante principalmente nos setores de produção estimulando pequenos produtores a se unirem na forma de cooperativa e, então, ter melhores condições de concorrer no mercado. Essas cooperativas são as maiores responsáveis por dar destinação à mercadoria dos produtores rurais ou de empresas de menor porte. Todavia, a falta de regulamentação tributária própria do ato cooperado por vezes onera o custo do produto oferecido pela cooperativa, apresentando posição econômica desvantajosa em relação ao mercado. Nesse sentido é que o texto constitucional pretende favorecer as cooperativas, garantindo que os atos cooperados não sejam onerados pela tributação ou que ainda fossem consideradas as particularidades dessas formas associativas diante do mercado concorrencial por elas enfrentado.

O regime jurídico das cooperativas é objeto da Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, ou seja, anterior à Constituição de 1988, o que leva a inúmeras discussões acerca da recepção dessas regras. Assim, não há garantia no ordenamento jurídico atual de que os atos cooperativos não serão considerados signos presuntivos de riqueza para efeito de incidência das normas tributárias. Tanto que no julgamento do Recurso Extraordinário n.

599.36253, proveniente do Estado do Rio de Janeiro, o Supremo Tribunal

Federal, nas palavras do Ministro Dias Toffoli, à unanimidade entendeu:

(...) Como se vê, o Poder Constituinte conferiu tratamento diferenciado (não privilegiado) para as cooperativas, vedando a interferência estatal no seu funcionamento, dispensando-as de autorização para a sua formação (art. 5o, XVIII), possibilitando a criação de regime tributário “adequado” para os seus atos cooperativos (art. 146, III, c), favorecendo a sua forma na atividade de garimpo (art. 174, §§ 3o e 4o) e dando a elas papel relevante na política agrícola (art. 187, VI). Portanto, o âmbito tributário o comando constitucional é dirigido ao ato cooperativo e tem eficácia imediata naquilo que garante a quem o pratica o direito (negativo) de impedir que os poderes do Estado venham a inserir nos respectivos ordenamentos regras que deixem de respeitar a eficácia mínima da norma constitucional, evitando-se, assim, “tratamento gravoso ou prejudicial ao ato cooperativo e respeitando-se, igualmente, as peculiaridades das cooperativas com relação às demais sociedades de pessoas e de capitais”, como ressaltou Heleno Taveira Torres para quem, “como mínimo, as cooperativas não podem suportar uma pressão fiscal maior do que aquela aplicável às demais formas de organização societária”. (...)

Não obstante ter fundamentado bem o seu ponto de vista entende-se que o eminente relator do caso interpretou as normas constitucionais isoladamente, isto é, fora do contexto da unidade do direito positivo. Assim, a

respeito da prescrição contida no artigo 174, parágrafo 2o, afirmou que o

cooperativismo é sim um valor constitucional mas que esse fato não assegura tratamento favorecido às cooperativas. E, quanto ao prescrito no artigo 146, III, c, afirmou que o “adequado tratamento tributário” refere-se tão somente ao ato cooperado e que ainda assim não garante a ausência de tributação. Em outras palavras, apesar de reconhecer o valor constitucional

                                                                                                                         

53 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n. 599.362/RJ. Brasília: D.J.E., 10 de fevereiro de 2015.

no sentido de se incentivar as cooperativas, o Ministro Dias Toffoli negou eficácia técnica à esse princípio e entendeu que a literalidade das palavras empregadas pelo legislador constituinte não determina que os atos cooperados sejam isentos de tributação.

Com efeito, as técnicas interpretativas utilizadas pelo julgador são demasiadamente ultrapassadas diante da teoria geral do direito e da linha de pensamento sustentada pelo construtivismo lógico-semântico para a interpretação das normas no processo de positivação do direito.

No próximo capítulo teremos melhores condições de avaliar as técnicas hermenêuticas mais apropriadas à interpretação das normas jurídicas concessivas de incentivos fiscais uma vez que tutelam valores econômicos constitucionais importantíssimos ao direito e ao desenvolvimento social.

4 O PAPEL DA NORMA JURÍDICA DE INCENTIVO FISCAL NA CONSTITUIÇÃO