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3.2 Estrutura normativa

3.2.2 Utilidade da classificação e formalização

Classificar as normas de incentivos fiscais como espécie do gênero das exonerações pode parecer uma classificação meramente didática para explicar o instituto tributário. Todavia, a utilidade dessa classificação ultrapassa a função didática para servir como critério de isolamento temático para que fosse possível aproximar do objeto e identificar suas características

e seu comportamento no sistema de direito positivo. Com a distinção entre benefícios fiscais e incentivos fiscais foi possível analisar a estrutura própria da norma incentivadora que apresentará função importantíssima na interpretação jurídica que deve dar a essa espécie de norma.

Se no plano sintático as normas concessivas de incentivos fiscais são dotadas de uma homogeneidade estrutural, nos planos semântico e pragmático essa espécie de normas é heterogênea podendo atingir diversas espécies tributárias e prever várias formas de incentivar a adoção dos regimes favorecidos.

Os incentivos fiscais como já definidos no âmbito desse trabalho são faculdades postas ao sujeito passivo da obrigação tributária no sentido de desonerar a carga tributária por ele suportada. A classificação enquanto exoneração fiscal ressalta a característica essencial do instituto que é promover o efeito redutor no montante da obrigação tributária do contribuinte perante o ente político tributante. Essa redução necessária é própria e inerente ao conceito de incentivo fiscal e é ela que realiza os valores constitucionais extrafiscais e dá concretude à previsão abstrata.

A título de exemplificação, o artigo 179 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 198850 prescreve:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.

Dessa forma a nossa Magna Carta tutelou valores econômicos relacionados ao desenvolvimento das microempresas e empresas de pequeno porte no Brasil. Esses valores econômicos tutelados envolvem inclusive os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da

                                                                                                                         

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liberdade concorrencial. Isso porque, com menos recursos financeiros as microempresas e empresas de pequeno porte não têm condições de competir em pé de igualdade com as grandes empresas se tiver os mesmos custos tributários e operacionais que elas. Por isso há o incentivo no sentido de se reduzirem os custos dessas empresas menores com tratamentos favorecidos.

A norma constitucional prescreve uma obrigação tributária voltada ao legislador complementar já que nos termos do artigo 146 do texto constitucional este é o órgão competente para legislar e instituir os incentivos fiscais para as microempresas e empresas de pequeno porte. No exercício dessa competência foi criada e editada a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, que passou a definir os conceitos de microempresa e empresa de pequeno porte para, então, disciplinar o regime tributário favorecido como opção à essas empresas. Vale lembrar que uma vez classificado como incentivo fiscal segundo as definições expostas, o regime

disciplinado pela Lei Complementar n. 123/2006 é facultativo 51 aos

contribuintes que se enquadrem na definição legal. Assim, caso o sujeito passivo não opte pelo regime, isto é, caso o regime não seja a ele benéfico, estará sujeito à legislação tributária ordinária.

Além disso, esse regime tributário favorecido consiste em facultar ao contribuinte um critério quantitativo diverso para vários tributos, partindo sempre da mesma base de cálculo (receita bruta) e aplicando-se alíquotas escalonadas de acordo com o porte da empresa e o seu ramo de atividade.

O “Simples Nacional”, como se denominou o regime instituído pela Lei Complementar n. 123/2006, é um ótimo exemplo para os objetivos didáticos desse trabalho já que ele trata de incentivos em relação à quase todos os tributos impostos às pessoas jurídicas no Brasil. No entanto, esse incentivo

                                                                                                                         

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“Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte, optante pelo Simples Nacional, será determinado mediante aplicação das alíquotas constantes das tabelas dos Anexos I a VI desta Lei Complementar sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3o.” in BRASIL. Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006. D.O.U.: 15 de dezembro de 2006.  

será melhor detalhado no Capítulo 5 juntamente com outros incentivos fiscais de âmbito nacional considerados relevantes.

O que se pretende com esse exemplo é atentar para a importância da classificação dos incentivos fiscais para que possamos dar a eles a interpretação necessária sem que o instituto seja desvirtuado ou que os valores constitucionais tutelados sejam atropelados no momento da incidência das normas. A classificação auxilia o cientista do direito na identificação de propriedades do instituto jurídico para obter a melhor construção semântica e pragmática sobre eles. Assim, caso não seja identificada a possibilidade de opção (faculdade) ou alguma contrapartida ainda que mínima pelo sujeito passivo da obrigação tributária não se está diante de um incentivo fiscal e, portanto, os efeitos inerentes a essas normas jurídicas não serão aplicáveis. De outro lado, caso sejam identificadas essas propriedades na norma jurídica, estar-se-á diante de um incentivo fiscal e todas as regras sintáticas já apresentadas serão aplicáveis assim como todas as conclusões semânticas e pragmáticas sobre o instituto, melhor trabalhadas no capítulo seguinte desse trabalho.

A formalização da regra-matriz de incidência na constância de um incentivo fiscal também se tornou bastante relevante no estudo do objeto definido já que foi verificado que a norma de incentivo fiscal promove uma adição no consequente normativo da regra-matriz de incidência oferecendo para uma mesma hipótese normativa outra relação jurídica diversa, manifestada pela opção em relação ao critério quantitativo da norma tributária.

Com isso responde-se à indagação sobre a utilidade de se trabalhar com as propriedades lógicas das normas jurídicas. Através delas podemos chegar a conclusões que nos auxiliem na aproximação o objeto. Com efeito, esse é o objetivo próprio da ciência, aproximar-se do objeto científico para descrever criticamente suas propriedades e seu comportamento dentro de um sistema como é o caso das normas de incentivo fiscal no contexto do sistema de direito positivo. As análises lógicas são pontos de partida para o

estudo da linguagem prescritiva do direito e, quando o discurso científico é elaborado a partir da sintática normativa, todas as conclusões de ordem semântica e pragmática ficam sobre bases teóricas firmes e não meramente opinativas.