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2.4 Teoria da norma jurídica

2.4.3 Unidade do sistema do direito positivo

Em definição ao conceito de direito positivo pode-se afirmar que se trata de um sistema complexo de normas jurídicas válidas num determinado país. Esse complexo normativo todo converge para a legitimação do axioma da norma fundamental e para a própria formação do Estado, materializada na

Constituição. Dessa forma, cada Estado ou nação possui o seu sistema de normas independente, de sorte que nenhuma norma fundamental se sobreponha à outra.

Por se tratar de um axioma do qual emerge todo o sistema de direito positivo, a norma fundamental é que delimita o próprio sistema mantendo o controle das normas jurídicas subjacentes. Dentro dessa zona limite determinada pela Constituição, as normas jurídicas coexistem formando um todo normativo que denominamos direito positivo. Como objeto social que é, o direito positivo é criado pelas normas e através delas também. Com isso, cada norma posta no sistema advém de outra que autorizou a sua criação. Lourival Vilanova observa no fenômeno um princípio, qual seja, o princípio da continuidade:

Quando Kelsen sublinha que “For a norm the creation of which is not determined at all by another norm cannot belong to any legal order” (Kelsen, General Theory of Law and State, pág. 133), dá expressão ao princípio da continuidade normativa no interior do sistema jurídico. Oferece não somente o critério de pertinencialidade ao sistema, como o caráter homogeneamente normativo de suas partes integrantes. O sistema consta de proposições normativas; uma proposição normativa tem sua origem (reason of validity) em outra proposição normativa; uma proposição normativa só pertence ao sistema se podemos reconduzi-la à proposição fundamental do sistema. Cada norma provém de outra norma e cada norma dá lugar, ao se aplicar à realidade, a outra norma37

Embora as normas jurídicas sejam homogêneas no plano sintático, assumindo estrutura lógica própria, no plano semântico elas são absolutamente heterogêneas, com enorme variação de conteúdo. Ainda que seja heterogêneo semanticamente, o direito positive guarda a característica da unidade já que todas as normas estão vinculadas quanto ao conteúdo a um “fundamento de validade”. Se no plano sintático as normas jurídicas devem obedecer às leis da lógica deôntica, no plano semântico as normas jurídicas devem se relacionar com o sistema de forma convergente no

                                                                                                                         

37 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2010. 4 ed. p. 126.

sentido da norma fundamental. Apoiando-se umas nas outras, a hierarquia das normas deve manter uma relação de conformidade com as prescrições constitucionais.

Adotando a concepção kelseniana de validade, a norma jurídica válida é aquela que existe e, portanto, pertence ao sistema do direito positivo. A validade aparece no sistema como critério de pertinencialidade que determina o conjunto de normas existentes num determinado ordenamento jurídico. Nessa linha, ainda que uma norma seja posta no sistema pela autoridade em contradição semântica com a Constituição, essa norma será logicamente válida até que seja retirada do sistema por outra norma que declare sua inconstitucionalidade e a afaste do sistema.

Ao afirmar a unidade do sistema de direito positivo, Lourival Vilanova entende que o “fundamento de validade” é o elo de ligação entre o conteúdo

heterogêneo das normas e o todo que é o sistema38. Muito embora esse

raciocínio seja bastante válido à teoria da norma jurídica, não se pode concordar apenas com a adoção do termo “fundamento de validade” para designar esse vínculo de ordem semântica. Se a validade é tomada como sinônimo de existência nessa teoria, o fundamento de validade da norma só pode ser aquilo que deu causa à sua existência, ou seja, ser emitida por uma autoridade competente. A emissão da norma por autoridade competente é o que dá existência à norma jurídica, torna-a válida e, portanto, constitui seu fundamento.

Para o plano semântico das normas jurídicas, a adoção do termo “fundamento de conformidade com o sistema” parece mais adequado já que a conformidade com o sistema é um juízo de valor que se faz quanto ao conteúdo de significações que carrega a norma jurídica. Uma vez que a validade ou invalidade da norma jurídica são juízos lógicos sobre a norma jurídica, entende-se que a ponderação quanto ao termo contribui para uma melhor compreensão da teoria adotada.

                                                                                                                         

38 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2010. 4 ed. p. 128-129.

O fundamento de conformidade com o sistema de direito positivo é, portanto, uma qualidade da norma jurídica que não possui relação direta com a sua validade ou invalidade. A norma pode ser válida e ter ou não fundamento de conformidade com o todo normativo. Caso seja observada uma desconformidade com sistema, essa norma será objeto de julgamento e criação de outra norma – essa sim com fundamento de conformidade com o sistema – afastando aquela que não possui a qualidade de ordem semântica.

Uma vez respeitado o fundamento de conformidade com o sistema e a hierarquia das normas fundada a partir da Constituição, o direito positivo é uno, podendo ser seccionado apenas para fins didáticos. Assim se dá a criação das disciplinas de direito processual, direito penal, direito civil e direito tributário, por exemplo.

De todo modo, a unidade do direito positivo é um tema bastante relevante na teoria geral do direito, e, especialmente no direito tributário, pela confusão que os juristas tendem a fazer ao se referirem ao direito como “de sobreposição”. Ainda que algumas normas jurídicas relativas a um determinado assunto utilize-se de conceitos comuns a outros assuntos normativamente disciplinados, isso não faz que uma norma de mesma hierarquia se sobreponha a uma outra. Do ponto de vista científico essa afirmação não tem respaldo na teoria da norma, pelo menos não na que se

adota nesse trabalho. Autores renomados como Alberto Xavier39 já fizeram

afirmações nesse sentido em relação ao direito tributário. Todavia, como não existe relação lógica entre os eventos escolhidos pelo legislador para a formação dos antecedentes normativos, não há como afirmar que os                                                                                                                          

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in XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal. Lisboa: Manuais da faculdade de direito de Lisboa, 1981. p. 22-23: “O Direito Tributário reporta-se a situações da vida reveladoras de capacidade contributiva, as quais são — na sua grande generalidade — objecto de regulamentação por outros ramos do Direito, de harmonia com o ponto de vista objectivo e peculiar que os informam. Esse facto, que está na origem do tão discutido problema da interpretação dos conceitos próprios de outros ramos jurídicos que o legislador fiscal emprega na previsão das normas tributárias, revela bem a multiplicidade de contactos que o Direito Fiscal mantém com os restantes sectores do ordenamento jurídico. A tributação da família, das sociedades comerciais, dos juros de empréstimos titulados por letras, da compra e venda de imóveis, por exemplo, envolve o recurso a noções de Direito da família, de Direito Comercial, de Direito Civil. O Direito Fiscal como que se sobrepõe a estas várias disciplinas, tratando os fenômenos por estas regidos em primeira linha, de acordo com seu espírito e exigências próprios: pode neste sentido dizer-se que o Direito Fiscal é um direito de sobreposição”.

conceitos do direito tributário variam de acordo com suas definições em normas que disciplinam outros assuntos no direito positivo.