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O primeiro deles era, teoricamente, um prolongamento do Império de Carlos Magno, pois, apesar da divisão de Verdun, um de seus signatários manteve o direito ao título imperial. Contudo, por causa de problemas dinásticos, tal título deixou de ser utilizado de 924 a 962, quando se deu a chamada “segunda renovação do Império”, com Oto. Depois de ter consolidado seu poder no reino alemão, ele derrotou os magiares e eslavos, pacificando aquela região e ganhando um prestígio muito grande em toda a Cristandade*. Intervindo na política italiana, ele casou-se com a herdeira do trono daquele território e proclamou-se rei também ali. O papa, precisando de ajuda para superar problemas na Itália central, buscou seu apoio. Enfim, Oto I conseguiu reunir todas as condições para ser coroado imperador pelo pontífice.

Renascia o Império Franco, que em 1157 passou a se chamar Santo Império e a partir de 1254 Santo Império Romano Germânico. Rótulo pomposo que não dissimulava sua artifidalidade, não escondia a falta de unidade territorial e política. Na verdade, o Império resultava da reunião de

três coroas, da Alemanha, da Itália c da Borgonha. E o monarca era fraco em todas. Na Alemanha, feudalizada tardiamente no século XII, a prática feudal não trabalhava a favor do Estado, como ocorria na França: o rei não podia manter os feudos* confiscados, sendo obrigado a reenfeudá-los após um ano e um dia. Na Itália, o território era descontínuo, compreendendo o norte peninsular e algumas regiões meridionais, pois o centro era papal e o extremo sul bizantino. Na Borgonha, o poder da nobreza local já era bastante forte quando o reino se tornou em 1033 um Estado autônomo no seio do Império.

Sem poder efetivo nesses reinos, o soberano sempre buscou o título imperial na esperança de com ele reforçar sua atuação naqueles locais. Além disso, a coroa imperial dava direitos teóricos sobre o restante do Ocidente*. No entanto, havia uma grave contradição. Apenas o papa poderia coroar um imperador, mas não estava interessado na existência de um que fosse forte, pois ele próprio tinha pretensões universalistas, considerando-se o legítimo herdeiro do Império Romano. Daí os sérios conflitos entre Império e Igreja, que se arrastariam por longo tempo. Mera ficção política, mas sempre fascinante, o trono imperial foi objeto de longas controvérsias e disputas, que o paralisavam ainda mais. Após o Interregno (1256-1237), período em que o trono esteve vacante, o prestígio do Império decaiu muito, até porque se firmavam os Estados nacionais. Mas como idealização do sonho ultrapassado de unidade política ele sobreviveu até 1806, quando foi extinto por Napoleão.

A Igreja, por sua vez, tornou-se claramente uma personalidade política desde que se corporificou com a Doação de Pepino. Isto é, ao receber do chefe franco em 754-756 os territórios que ele conquistara aos lombardos, nascia o Estado Pontifício. Contudo, tal fato trazia em si uma submissão implícita da Igreja ao poder monárquico, de quem recebia aquelas terras. Contra isso é que se forjou o documento conhecido por Doação de Constantino. Por este texto apócrifo, o imperador romano Constantino teria supostamente transferido para o papado, no século IV, o poder imperial sobre todo o Ocidente. A questão ficava, dessa forma, invertida: Pepino nada estaria doando à Igreja, mas apenas restituindo a ela

uma parte do que lhe pertencia. Aliás, o próprio território do reino franco seria da Igreja por desejo expresso de Constantino, de maneira que Pepino (como todos os reis) governava tão-somente como representante dela.

A partir disso, fica fácil entender a coroação de Carlos Magno do ponto de vista eclesiástico. A Igreja, depositária do título imperial, entregara-o ao rei franco por serviços prestados, podendo portanto retomá- lo e atribuí-lo a quem quisesse. Contra isso é que Carlos Magno associara, em vida, o filho à coroa imperial, garantindo-lhe o título independentemente da concordância papal. Estava colocada a grande questão política da Idade Média — havia uma preeminência do poder espiritual sobre o temporal? Na realidade, desde fins do século V o papa Gelásio já se posicionara a respeito, afirmando que “dos dois, o sacerdócio tem o valor mais alto, na medida em que deve prestar contas dos próprios reis em matérias divinas”. Entretanto, a decadência carolíngia e os primeiros tempos da feudalização criaram sérios problemas à Igreja, que entre 888 e 1057 ficou, na clássica expressão da historiografia, “sob poder dos leigos”.

A retomada da política gelasiana veio com Gregório VII, que em 1075 proclamava o ideal teocrático da Igreja: “Só ele [o papa] pode dispor das insígnias imperiais; o papa é o único cujos pés devem ser beijados por todos os príncipes; ele não pode ser julgado por ninguém”. São Bernardo, em 1152, com o peso de seu prestígio, reforçava a idéia lançando a teoria dos dois gládios: “O gládio espiritual e o gládio material pertencem, um e outro, à Igreja. Mas o segundo deve ser manejado a favor da Igreja e o primeiro pela própria Igreja”. Praticando tais idéias, Inocêncio III (1198- 1216) levou a Igreja ao seu auge político. No entanto, as transformações so- ciais e econômicas da época foram aos poucos minando a teocracia papal. Um exemplo está nos interesses comerciais venezianos, que alteraram o rumo da Quarta Cruzada (1202-1204), apesar de o movimento cruzadístico ter sido lançado pela Igreja 100 anos antes para colocar a nobreza feudal sob controle eclesiástico.