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2 GOVERNOS LULA E DILMA: A POLÍTICA EXTERNA E AS DIFERENÇAS MARCANTES DA POLÍTICA GERAL DE INTERNACIONALIZAÇÃO

2.1 POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NOS GOVERNOS LULA E DILMA

A Política Externa Brasileira (PEB) pode ser enquadrada em diferentes classificações pela perspectiva de diferentes autores, mas uma das mais utilizadas é a de Amado Cervo (2008), que divide a PEB em quatro paradigmas a partir do século XIX: liberal-conservador (1810-1930), desenvolvimentista (1930-1989), neoliberal (1990-2002) e logístico (2003- atual). Seguindo a divisão de Amado Cervo, os governos Lula e Dilma inserem-se neste último paradigma, que se destaca pelo papel do Estado em dar apoio logístico aos empreendimentos, públicos ou privados, com o fim de robustecê-los em termos comparativos internacionais.

Para Svartman e Silva (2016), o paradigma logístico pode ser considerado como uma “etapa superior”, construída desde o final do governo de Fernando Henrique Cardoso e ganhando contornos mais definidos no governo Lula, no qual a política externa assumiu um papel central no governo. Segundo os autores, um dos grandes objetivos da política externa do governo Lula foi aumentar o poder de barganha em relação aos países centrais, bem como desestimular as tendências unilateralistas dos EUA. De certa forma, o objetivo foi alcançado, pois se verifica que não se efetivou completamente a capacidade das grandes potências (sobretudo EUA) em desmontar as coalizões que eram contra seus interesses por meio das barganhas cruzadas e da cooptação de países menores. Ao reforçar suas alianças com países em desenvolvimento, o Brasil procurou desvencilhar-se gradualmente da influência das potências tradicionais, proporcionando maior autonomia. Apesar do risco da dispersão e da paralisia por conflito de interesses, a diplomacia multidimensional manteve o equilíbrio entre

flexibilidade e coesão e se mostrou uma estratégia adequada às transformações internacionais da última década e aos objetivos da política externa brasileira.

Cervo (2008) destaca a manutenção do multilateralismo e a busca da reciprocidade como as principais características deste paradigma logístico no qual os governos Lula e Dilma estavam inseridos. Para o autor, a partir de estratégias multilaterais, o Brasil vinha buscando o seu protagonismo no cenário internacional. Para alcançar esse objetivo, o país passou a ser o definidor de sua estratégia de crescimento, não aceitando mais apenas seguir orientações, e a forma de fazer política assemelhou-se com a dos Estados Unidos.

Alguns pontos podem ser destacados neste paradigma logístico, tais como a defesa do interesse nacional, o apoio às indústrias e a disponibilização de infraestrutura necessária para o novo modelo de inserção internacional. Essa é a percepção de Amado Cervo (2008, p. 88) ao destacar o tema da integração produtiva:

[...] o governo Lula afasta-se da fé na capacidade do livre mercado de prover por si só o desenvolvimento, e avança em várias esferas: na América do Sul, ruma à integração produtiva pela infraestrutura, energia e investimentos brasileiros; na esfera global, forja coalizões que reforçam o Brasil como ator global e permitem bloquear as estruturas hegemônicas em sua determinação arcaica de reservar para si a função de estabelecer as regras do ordenamento global a seu favor [...].

Se a busca da integração produtiva está na esfera econômica e da produção direta de bens, como aponta Amado Cervo (2008), a internacionalização universitária poderia representar um aprimoramento no nível de conhecimento básico e tecnológico por meio de cooperação acadêmica. Mas, para isso, não bastaria apenas um programa de internacionalização universitária; a parceria escolhida deveria colaborar com a troca de tais conhecimentos. Em geral, isso não acontece.

Vigevani e Cepaluni (2007) apontam quatro diretrizes claras da PEB no governo Lula: a) a busca por maior equilíbrio internacional, procurando atenuar o unilateralismo

norte-americano;

b) o fortalecimento das relações bilaterais e multilaterais para aumentar o peso do país nas negociações políticas e econômicas internacionais;

c) o adensamento das relações diplomáticas para aproveitar as possibilidades de maior intercâmbio econômico, financeiro, tecnológico e cultural; e

d) a tentativa de evitar a assinatura de acordos que pudessem comprometer, em longo prazo, o desenvolvimento do país.

Ainda segundo esses autores, essas diretrizes, por sua vez, teriam implicado sete ênfases precisas:

a) o aprofundamento da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA);

b) a intensificação das relações entre países emergentes, como Índia, China, Rússia e África do Sul (BRICS);

c) a ação de destaque na Rodada Doha e em rodadas subsequentes, assim como em algumas outras negociações econômicas;

d) a manutenção de relações de amizade e desenvolvimento das relações econômicas com os países ricos, inclusive com os Estados Unidos;

e) a retomada e o estreitamento das relações com os países africanos;

f) a campanha pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, visando a um assento permanente para o Brasil; e

g) a defesa de objetivos sociais, utilizados até mesmo como política externa (como o combate à fome em nível mundial).

Na percepção de Cervo (2008), o governo de Lula se afastou da fé na capacidade do livre mercado de prover por si só o desenvolvimento e avançou em várias esferas: na América do Sul, rumo à integração produtiva pela infraestrutura, por energia e investimentos brasileiros; na esfera global, forjando coalizões que reforçaram o Brasil como ator global a fim de permitir o bloqueio das estruturas hegemônicas em sua determinação de reservar para si a função de estabelecer as regras do ordenamento global a seu favor; com Índia, Rússia, China e África do Sul, rumo à cooperação para o despertar dos países emergentes; com a Argentina, para não perder o parceiro.

As ações de cooperação foram importantes para fortalecer o protagonismo nos fóruns globais, permitindo a construção de alianças, tais como o G-3, o G-20 e os BRICS, o que Silva (2015) designa de "geometria variável". O autor acrescenta que a diversificação de parcerias e a formação de coalizões tornaram o Brasil uma ponte entre os interesses de países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Nesse contexto, Silva (2015) apresenta seis grupos de interesses brasileiros:

a) IBAS: bloco trilateral que envolve Brasil, Índia e África do Sul, cujo propósito é fortalecer a capacidade de influenciar as negociações comerciais no âmbito da OMC frente aos países desenvolvidos, bem como reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento;

b) BRICS: bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – considerados os países emergentes do século XXI;

c) BASIC: bloco formado por Brasil, África do Sul, Índia e China para defesa nos fóruns ambientais;

d) G-20 comercial: defende a liberalização dos mercados agrícolas no âmbito da OMC;

e) ONU e G-20 financeiro: incorporam as principais economias mundiais, visando à ampliação do diálogo acerca dos principais temas de política econômico-financeira e à promoção de cooperação para consecução de crescimento econômico estável e sustentável.

De forma resumida, de acordo com Silva (2015), durante o governo Lula observou-se um grande “ativismo diplomático”, marcado pelo aumento do número de viagens, pela instalação de novas embaixadas e pela busca de maior protagonismo nos fóruns globais. Isso gerou uma intensificação das relações multilaterais e regionais do país, bem como uma intensificação das relaç es bilaterais, muitas das quais adquiriram o status de “parceria estratégica” junto ao rasil.

Como característica principal da Política Externa Brasileira no governo de Dilma, destacou-se uma intenção de continuidade da Política Externa do governo. Entretanto, cabe ressaltar que tanto o contexto externo quanto o interno mudaram, e uma crise econômica interna afetou fortemente o segundo mandato de Dilma, o que promoveu uma retração da política externa brasileira.

Cervo e Lessa (2014) analisam a desaceleração do processo de projeção ascendente da política externa do país durante o primeiro governo Dilma (2011-2014) em comparação com o governo Lula. De acordo com os autores, os principais condicionantes para um processo de “declínio” que diminuiu a projeção e a influência brasileira seriam decorrentes de um distanciamento do Estado com setores considerados dinâmicos da sociedade, assim como a perda de capacidades de indução estatal; uma baixa na confiança para investimento e empreendedorismo; pouco dinamismo e inovação na gestão governamental; e presença mais forte de outras potências emergentes no sistema internacional, como Rússia e China, por exemplo. Esses fatos podem ser percebidos pela redução no nível de investimentos externos e internos, pelo enfraquecimento das políticas para o comércio exterior que levaram a um enfraquecimento e descontrole da pauta de exportações. Em suma, todos estes fatores também

se refletem na capacidade de negociação, liderança e representação do país perante os organismos internacionais e nas suas relações multilaterais e bilaterais.

Outra análise pertinente sobre a retração em política externa do governo Dilma é a de Saraiva (2014), que aponta que a tendência da diplomacia presidencial perdeu força durante a gestão de Dilma, não tendo mais a intensa presença exercida por seu antecessor, Lula, fenômeno que pode ser percebido pela drástica redução de viagens ao exterior. Além desse fator, também foram realizados cortes orçamentários no Ministério das Relações Exteriores (MRE), assim como houve diminuição das vagas no concurso de admissão de diplomatas para o Instituto Barão do Rio Branco.

O Plano Plurianual (PPA) 2012-2015 destacava que a América do Sul seria o espaço geográfico para o qual a política externa do governo Dilma estaria voltada prioritariamente. A integração entre os 12 países da região era considerada pelo governo brasileiro como fundamental para as relações intrabloco e o consequente desenvolvimento das nações, que apresentavam profundas diferenças nos campos social e econômico. Nesse sentido, União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) seriam os espaços de integração por meio dos quais as iniciativas brasileiras poderiam se desenvolver.

Uma das justificativas do governo brasileiro para a priorização da América do Sul na política externa era o intercâmbio comercial, pois, de acordo com o PPA 2012-2015, a região configurava-se como um dos principais destinos das exportações brasileiras de maior valor agregado. No ano de 2010, 84% das exportações para a região era de bens manufaturados. Além disso, o comércio exterior brasileiro com a região triplicou no período de 2002 a 2010, representando 16% de todo o comércio exterior brasileiro em 2010.

Por outro lado, mantendo o paradigma logístico e uma postura de multilateralidade, o governo Dilma enfatizou a diversificação das relações exteriores, vislumbrando melhores oportunidades para o desenvolvimento do país. Pode-se citar alguns exemplos: a adesão do Brasil ao Tratado de Amizade e Cooperação da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), tornando-se parceiro de diálogo da organização em 2012; e a atuação brasileira junto aos países dos BRICS, buscando parcerias estratégicas que poderiam exigir menos investimento e retorno mais rápido (BRASIL, 2012e).

Destaca-se como êxitos de Política Externa a criação do Banco dos BRICS durante a reunião de Cúpula dos líderes dos países do agrupamento, em Fortaleza (CE), em 2014. Para Paulo Nogueira Batista Jr, então vice-presidente do banco, “É primeira vez que um banco de desenvolvimento de alcance global é estabelecido apenas por países de economia emergente, sem a participação de países desenvolvidos na fase inicial” (BATISTA JR., 2016). Ainda segundo Paulo Nogueira, a iniciativa do banco refletia a insatisfação dos BRICS com as

instituições multilaterais existentes, que demorariam a se adaptar ao século XXI e a dar suficiente poder decisório aos países em desenvolvimento.

Em relação à cooperação internacional desenvolvida durante o primeiro governo Dilma (2010-2014), há uma diversidade de setores (comunicação, pesca, planejamento, cultura, esporte, justiça, ciência e tecnologia, pecuária, trabalho e emprego, indústria e comércio, cidades, minas e energia e outros) que, somados, chegam a ser maiores do que os setores com maior volume de operações isoladamente. Como se nota na Figura 1, os setores em que houve maior volume de operações foram: agricultura (19%), saúde (16%), educação (11%), segurança pública (11%), meio ambiente (6%), administração pública (6%) e desenvolvimento social (5%).

Figura 1 – Cooperação sul-sul por segmento (2000-2014)

Fonte: Brasil ([2014]).

Percebe-se, assim, que a cooperação internacional em relação ao tema educação não é a primeira oportunidade, mas obtém relativa importância no contexto nacional. A perspectiva do governo brasileiro quanto ao processo de cooperação acadêmica internacional pode ser percebida na seguinte declaração do Ministério das Relações Exteriores:

A cooperação técnica internacional constitui importante instrumento de desenvolvimento, auxiliando um país a promover mudanças estruturais nos campos social e econômico, incluindo a atuação do Estado, por meio de ações de fortalecimento institucional. Os programas implementados sob sua égide permitem transferir ou compartilhar conhecimentos, experiências e boas-práticas por intermédio do desenvolvimento de capacidades humanas e institucionais, com vistas a alcançar um salto qualitativo de caráter duradouro (BRASIL, 2017).

Sendo assim, no próximo subcapítulo, serão descritas as principais políticas, programas e ações de internacionalização universitária promovidas pelo governo brasileiro.

2.2 POLÍTICA E AÇÕES GERAIS DE INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA NO

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