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4 RESULTADOS E ANÁLISE DA PESQUISA

4.2 CARACTERIZAÇÃO DO DESIGN THINKING NA PESQUISA

4.2.2 Praticabilidade

No vídeo 10, a gerente do posto avançado da Ematerce em Madalena/CE, Sra. Maria Lúcia Vitoriano de Lima, dá seu depoimento pessoal a respeito:

O projeto Mandalla, nós consideramos um projeto de grande incentivo para as famílias rurais do estado do Ceará. É um projeto de transição agroecológica e também voltado à pequenas famílias, aquelas que não tem uma condição de desenvolver atividades com grandes irrigações. É uma tecnologia de fácil acesso aos agricultores, posso assim dizer até que é uma tecnologia barata e que está de fato ao alcance dos nossos agricultores familiares. (AGÊNCIA MANDALLA, 2012a)

No que tange a viabilidade técnica e portanto ao critério da praticabilidade do estudo de caso, verificou-se que funcionalmente o sistema Mandalla DHSA é possível de ser utilizado pelas pessoas envolvidas e em qualquer lugar do Brasil, foi inclusive reconhecido e premiado em 2003 como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil. Existe um know-how no processo, fruto de pesquisa, desenvolvimento e realizações práticas, que é transmitido e ensinado através das capacitações oferecidas pela Agência Mandalla quando existe um projeto acontecendo.

Por ser possível e funcionar, é que desde o início os agricultores, aprendizes, já são incentivados a aprender na prática, e a começar a produzir, para se apropriar

do conhecimento e do processo. Durante a entrevista com o Sr. Willmar, ele contou que:

“[...] nós conversamos e explicamos que ninguém vai entregar uma Mandalla pronta, e que o processo é de capacitação e aprendizado prático, [...] vamos trabalhar para treinar e capacitá-los, para que você possa aprender como é o processo e a partir daí se você quiser modificar, modifique, mas desde que você tenha entendido. Porque chegar lá com tudo pronto e não saber o processo de montagem do sistema de irrigação, do funcionamento da bomba, de fazer os canteiros, e nem de fazer adubação em nada, de que que adiantou? Então, ninguém tá aqui para tampar buraco, mas para fazer com que vocês possam aprender e nesse aprendizado se gabaritar para conseguir tocar o seu próprio futuro, independentemente da gente estar presente ou não, por isso que o processo é de treinamento contínuo. Todas as etapas dos treinamentos são feitos na prática, então você não vai falar, vai fazer e falando e depois a gente apresenta as cartilhas, para eles ficarem com esse material.” (Willmar – entrevista 2)

E o pessoal sai mesmo fazendo, nas suas localidades, e a equipe da Mandalla fica feliz quando “[...] agricultor mesmo dá treinamento para agricultor, isso é que é massa da coisa, porque você cria esse capital humano e gera independência” (Willmar – entrevista 7).

O Sr. José Paulo confirmou também a ênfase dada à prática por ser considerada uma tecnologia social:

“Pegando um gancho, quanto a questão de participação, como é um processo, e sempre foi encarado dessa forma, de tecnologia social, então todo o processo Mandalla ao ser iniciado, é montado uma turma e levado para Cuité para ser feito na prática, e esse pessoal local voltar para suas localidades e fazer lá.” (José Paulo – Entrevista 1)

O fato de existirem as parcerias para a realização dos projetos da Agência, é outro componente chave para tornar possível a praticabilidade das idéias do Sistema Mandalla DHSA. Um exemplo robusto foi a criação do centro de pesquisa e

desenvolvimento, Unicenter, situado na cidade de Cuité, interior da Paraíba, com o objetivo de promover o estudo e desenvolvimento de outras tecnologias sociais, e a praticabilidade das variações das Mandallas, oferecendo para que os agricultores que passam pelas capacitações, conhecer na prática, de verdade, e tirar dúvidas baseadas na realidade. José Paulo conta:

“Eu peguei justamente a fase em que a Mandalla estava ainda com parcerias da Bayer e da Pepsico, mas saiu da linha de beneficiar alguns poucos agricultores e foi para a linha de desenvolver o Unicenter, hoje a UniMandalla para poder ser realmente um centro de capacitação e desenvolvimento de novas tecnologias, foi quando toda a Mandalla foi para lá.” (José Paulo – Entrevista 1)

Atualmente, comenta José Paulo,

“Não é uma regra trazer para o Unicenter, mas sempre que dá certo buscamos fazer assim, principalmente pelo fator de motivação e para que acreditem que é possível na prática. Além do vídeo entende como funciona na prática, e lá tem toda a estrutura própria para mostrar, tem Mandalla de todo tamanho, todos os tipos de bomba que está pensando em usar, tem a Jeriquita, a manual.” (José Paulo – Entrevista 1)

No sentido de evidenciar a importância da estratégia adotada de construir o Unicenter para também criar inovações, desenvolver tecnologias, o Sr. João Serafim de Sousa, técnico em agropecuária na cidade de Madalena/CE relata a dificuldade com a escassez de recursos e os benefícios com a Mandalla:

Uma das dificuldades que nós temos encontrado é a questão da água, a escassez de água, e que nem todos os projetos tem água suficientemente abundante. Então, para a função de técnico, o que nós pretendiamos era justamente isso, um projeto que fosse efetivo, que funcionasse, que viesse a ser global e bem diversificado como é o projeto Mandalla, que daqui o produtor retira o peixe para a alimentação, retira a galinha, o pato, ele tem na realidade as diversas culturas que tem aqui, a cenoura, a beterraba, o pimentão, o alface, a cebolinha, e isso é muito importante, pois além dele ter o alimento, ele vai ter uma renda extra, que é na realidade uma atividade produtiva e econômica. (AGÊNCIA MANDALLA, 2012a)

Esta fala retrata um dos pensamentos que fazem parte da filosofia desse Sistema e norteia as ações da equipe Mandalla: que recurso sempre tem, a questão é saber como utilizá-los e otimizá-los, e que é para isso que servem as tecnologias desenvolvidas pela Mandalla.

Outro quesito interessante de ser ressaltado é o acompanhamento técnico feito por pessoas externas e com autoridade. Sr. Willmar relata a respeito do projeto no Ceará: “Mas só que, por que é que eu chamo que lá deu sucesso? Porque além da gente treinar os agricultores, a gente treinou os técnicos e existe uma figura externa que não são só os técnicos por ser técnicos, mas existe uma figura externa que é um superior que exige resultado dos técnicos que estão dando assistência, o SDA” (Willmar – entrevista 7), no sentido de garantir a continuidade da praticabilidade do projeto, em especial quando há enfrentamento de elementos culturais negativos (explicitados nesta pesquisa, item 4.5 Aspectos Culturais do povo brasileiro).

Neste mesmo caso no Ceará, houve outro fator que mereceu destaque na análise, evidenciado na entrevista com o Sr. Willmar a respeito da capacidade de empatia e experimentação para tornar-se viável o projeto, ao mesmo tempo em que a essência da Mandalla foi mantida. Aconteceu logo no inicio deste projeto:

“Mas teve um dia que Willy discutiu com Ximenes, foi interessante, porque cada um estava defendendo a visão da sua instituição e conseguiram chegar num consenso comum, porque Ximenes queria em dois módulos, e Willy em seis. A gente tem que entender também a posição que os governos tem, é que o trabalho com a comunidade, o povo é muito ávido por rapidez, querem as coisas para ontem. Então a gente tem que tentar se moldar o quanto pode, mas ao mesmo tempo também não pode prostituir a idéia. Conversamos para apertar aqui, fizemos um processo de adaptação. Vai melhorando, e criamos juntos esse projeto, de acordo com a necessidade deles, fomos reduzindo os pontos para menos horas, e foi reduzindo até chegar num curso mais prático, prático, prático, para implementadores, formar implementadores, em três módulos. As pessoas que recebiam os treinamentos não tinham a capacidade de assimilar muita coisa. Então a gente já tentou direcionar todos os conteúdos, para ser o mais prático possível para a galera conseguir entender realmente.” (Willmar – entrevista 7)

Sucessivos estudos, idéias e modificações são testadas no Unicenter, e o Sistema Mandalla está em constante aperfeiçoamento, fruto da co-criação que acontece durante a realização dos projetos, nas relações com tantas pessoas, produtores, técnicos, secretários, prefeitos, empresários, professores, alunos, mulheres, e outros ainda. Somado aos desafios que são encontrados em cada implementação de Mandalla, para citar alguns, tipo de solo, fonte de água, cultura social da família, educação de pouca qualidade, jogos de interesses políticos, necessidade de reduzir custos.

Um exemplo que demonstra uma das modificações significativas que aconteceram recentemente na Mandalla, é referente à sua estrutura de montagem, que ao invés de ser em círculos contínuos como era antes, passou a ser construída em deltas (fatias de bolo). O caso é contado por Itamar: “A mudança estrutural em deltas, facilita e ajuda na distribuição da água, na potência da utilização da água e da bomba. Antes quando ligava a bomba para irrigar os três primeiros círculos tinha uma potência para distribuição da água, quando trabalha o delta, dá uma potência melhor, e acaba dando um rendimento melhor também, não só para o consumo de energia” (Itamar – entrevista 1). Este tipo de mudança gera diversos impactos, que repercutem na praticabilidade da Mandalla, tornando-a constantemente mais e mais acessível e possível àqueles que estão na miséria e na pobreza, para quem todo e qualquer uso de recurso é essencial e pode ser revertido em alimentação, educação ou moradia.

E as melhorias nunca cessam, Sr. Willy Pessoa está sempre observando e tendo idéias sobre como gerar mais produtividade e com menos custo. Algo que ele está arquitetando exatamente nesse momento com sua equipe de colaboradores é relacionado à otimização do uso da água e da produtividade, pois acontece em algumas Mandallas, dos agricultores não aguarem direito as plantas, como deveriam.

“Você tem a água no centro que é a energia, e tem 18-20 metros cúbicos, e ela sai nos deltas, de uma pirâmide de seis lados central, então se abrir uma ela vai para cá nos deltas, dependendo da potência da bomba, você abre 1-2-3-4 ao mesmo tempo. Cada um tem a cada 1,2 metro no máximo, um cotonete, aspersor de água, e vai irrigando de acordo com isso. Nós vamos tentar automatizar, ligar um timer e ele liga-desliga sozinho, justamente por

causa do capital humano, que a gente perde porque as pessoas não estão lá dentro. Com o timer você pode potencializar perfeitamente.” (Willy – entrevista 5)

Alinhado a uma idéia fomentada pela ONU “Uma das prioridades desses programas poderia ser a de aproveitar ao máximo os alimentos locais”. (HALWEIL;

NIERENBERG, 2011, p. 11), e mesmo em outros contextos, como nas escolas, o projeto também funciona, foi adaptado e tornou-se possível, com o intuito de educar a nova geração quanto a produção orgânica e a alimentação saudável. A entrevistada Sra. Suellen, coordenadora do projeto Mandalla nas escolas conta que:

“Trabalhamos com a Mandalla de fundo de quintal nas escolas pelo espaço disponível. A gente sabe que na escola tem um espaço menor, e até pelo próprio manejo. Se fosse muito grande, como a padrão, ia ter mais dificuldade para cuidar, a questão da água que também é importante na escola.” (Suellen – entrevista 4)

Concluindo, Sr. Willy nos diz no vídeo 1: “Esse sistema, ele produz. A alimentação nada mais é do que juntar as tecnologias apropriadas a cada realidade, as tecnologias sociais e adequar ao que de melhor tem, de melhor existe na tecnologia moderna.” (GLOBO RURAL, 2006a)