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4 RESULTADOS E ANÁLISE DA PESQUISA

4.2 CARACTERIZAÇÃO DO DESIGN THINKING NA PESQUISA

4.2.3 Viabilidade

“O design para os pobres começa e termina com o foco no custo” (AMITABHA SADANGI apud BROWN, T., 2010, p. 198)

O critério da viabilidade financeira de um projeto para a população considerada pobre ou abaixo da linha da pobreza, que visa combater à fome e à miséria, é essencial, podendo comprometer definitivamente sua implantação se não atender a este critério. O projeto Mandalla enquanto modelo de negócio sustentável, é capaz de gerar recursos econômicos, remuneração para seus usuários pela comercialização da sua própria produção, representando uma fonte de trabalho e renda. Além disso, o custo para manutenção da Mandalla também deve ser viável, possível dos agricultores manterem ao longo dos anos.

Para combater à fome e à miséria, Tim Brown (2010, p.198) fala da importância de “[...] proporcionar soluções de baixo custo que satisfazem necessidades de pequenos produtores rurais em países em desenvolvimento.”

Dois agricultores da Mandalla no Estado do Ceará, nos vídeos 11 e 10 respectivamente, relatam:

Francisca Zuleide Vitor - agricultora em Paus Branco/CE

Antes da gente plantar a Mandalla, como eu já falei, antes nesse tempo de hoje a gente não tinha o que fazer, tava dentro de casa, mas também não tinha dinheiro. E hoje a gente faz na faixa de R$ 80,00 – R$ 90,00 por semana, e nas 4 famílias faz na faixa dos R$ 1.200,00 por mês. Melhorou porque a gente que está aqui sempre dentro da Mandalla, sempre tem o que comer dentro de casa, e tem o que vender, as outras pessoas que vem atras, que precisam da gente, a gente já tem pra servir aquela pessoa.

(AGÊNCIA MANDALLA, 2012b)

Juarez dos Santos - agricultor em Madalena/CE

O Mandalla é de suma importância para gente, ele tem a participação da família, os filhos sempre estão comigo, ajudando no Mandalla. Ele vem trazer o suporte para nossa renda no nosso dia-a-dia, o ano inteiro, e não mais só no período de inverno como era antes. Tem melhoria na renda e na alimentação, trazendo economia pra nós com certeza. Por isso nós queremos aconselhar a outros que puderem também a adquirir o Mandalla, ele é de suma importância para nosso sustento. (AGÊNCIA MANDALLA, 2012b)

Além destas questões apontadas, a equipe da Mandalla comenta que para cada R$ 100,00 pagos por produtos de origem agrícola, pela população das cidades, e até mesmo pelas famílias rurais, apenas R$ 15,00 chegam às mãos de quem produz, e o restante se dilui em desperdício e concentração de renda.

Sendo assim, o ideal é diminuir o custo dos alimentos nas cidades, de R$

100,00 para R$ 50,00, obtendo um aumento no valor real de compra sem necessariamente aumentar o valor nominal (um aumento na renda do produtor rural, com uma compra sem intermediários, fornecendo produtos de qualidade, direto ao consumidor), aumentando a sua receita de R$ 15,00 para R$ 40,00.

Por isso, o entrevistado Willy Pessoa, coordenador geral da Mandalla diz que

“[...] tem que começar a produzir, nem que seja em jarrinho, em garrafa e começar a produzir, porque no mínimo você gasta R$ 20,00 a família mais pobre gasta R$

20,00” (Willy – entrevista 6). Lança luz à alimentação da própria família, o que já reduz o custo de compra de alimentos para eles próprios, em no mínimo R$ 20,00 por semana.

Continua sua fala enfatizando uma alimentação mais saudável: “Você tem que ser o consumidor do seu próprio produto, aí nós temos as oficinas de

alimentação alternativa, depois delas o pessoal fica todo eufórico, e aí já tem folhas em alimentos, todo mundo participa, aquele cheiro bom, o alimento sendo cortado e depois na transformação de culinária, começam a ficar super interessados.

Terminou o processo da alimentação, aí você parte para a agroindustrialização, primeiro você e sua família, depois o mercado” (Willy – entrevista 6). Para a família e depois para a venda e comercialização.

Na cidade de Goianésia no Estado do Pará, José Paulo conta na entrevista:

“Um outro exemplo é o caso do Seu Baixinho, antes ele era um minerador, que acreditou na Mandalla. Um dia o vizinho dele foi perguntar qual era a mágica que ele fazia. Pois ele com 30-35 vacas leiteiras dando leite todos os dias não conseguia chegar a R$ 500,00 de renda no mês e o Seu Baixinho, sozinho, conseguia ter R$ 1.700,00 – R$ 2.000,00 no mês com um pedaço de terra bem menor, enquanto ele precisava ter bastante terra para ter o pasto para criar as vacas e ainda toda a estrutura para tirar o leite. Isso aí é racionalizar a produção, é saber trabalhar com o mínimo. Isso a gente vê a satisfação.” (José Paulo – Entrevista 1)

Esse exemplo também comprova na prática que as melhores soluções “[...]

proporcionam rápidos resultados para os clientes” (BROWN, T., 2010, p. 199)

Com a experiência que a equipe Mandalla vem adquirindo ao longo dos seus quase 10 anos de funcionamento, verificaram que para o negócio ser sustentável para os agricultores, a produção precisa ser contínua e em crescimento. Para isso acontecer, é necessária a realização de um acompanhamento junto aos produtores, ou seja, além de ensinar a produzir, oferecer boa parte dos recursos para a implantação da Mandalla, a perenidade do processo está relacionada a um fator motivacional e informacional que pode ser feita por técnicos locais periodicamente.

Essa autonomia do processo em cada município é muito importante, pois garante o sucesso da sua viabilidade local, bastando incluir e direcionar os esforços da secretaria de agricultura para o projeto. Willmar relata uma das experiências que contou com o apoio do governo nesse sentido:

“Cada turma teve 25 pessoas e foram 36 turmas, por todo o Ceará, nós passamos 2 anos em treinamento 2008-2009. Ximenes participou de todos os treinamentos, [...] entendeu e conseguiu exigir que os técnicos fossem capacitados pela Emater. O que acontecia, todo município sempre tem um técnico da Emater que é responsável, ou seja, se o técnico é responsável por seis municípios, ele tem que participar do treinamento da Mandalla. E geralmente tinha município que tinha 6 Mandallas, 8-12-20 Mandallas, os técnicos tinham a responsabilidade de receber o treinamento e eles eram exigidos pela secretaria, [...] eram responsáveis por fazer aquelas Mandallas funcionarem. E outra, as Mandallas que estavam sendo implantadas, os agricultores tinham que pagar por ela para replicar o recurso em outras Mandallas que iam ser implementadas em outro canto. A associação além de receber o recurso, os produtores tinham que retornar o recurso para poder fazer um fundo rotativo de investimento para outros investimentos. Funciona até hoje. O dinheiro está sempre retornando. Eles mesmos começaram a fazer outros treinamentos lá depois que a gente saiu, e os agricultores começaram a replicar também.” (Willmar – entrevista 7)

Esse processo no Ceará tem sido muito bem sucedido e tem permitido a expansão e continuidade do projeto, tanto na manutenção daquelas Mandallas já implementadas, quanto na implementação de novas na mesma cidade ou em outras regiões e municípios. O coordenador do projeto no Ceará, Sr. Ximenes, relata outra característica relevante quanto ao fator de viabilidade econômica: “[...] dos 417 projetos até hoje apenas 3 passaram por esse processo de desistência, o que eu estimo de baixíssimo nível de inadimplência, que são os processos mal-colocados (seleção mal feita, beneficiar pessoas por indicação de terceiros)” (José Ximenes – entrevista 9). Nesse Estado são raros os casos de desistência e com isso há garantia de continuidade para financiar novas Mandallas, e de manutenção dos benefícios conquistados por todos os agricultores dessas hortas, principalmente da alimentação diária e da geração de renda. “Aumentou o saco de cimento e aumentaram alguns equipamentos, além do custo, a inflação também, então de R$

2.800,00 pra R$ 4.400,00 é um aumento pouco expressivo. Tem mais: em cima disso, hoje tem famílias, a sua grande maioria tá retirando pelo menos um e meio salário mínimo, fora a parte que ele retira pra sua alimentação, e tem gente aí

tirando R$ 3.000,00 – R$ 4.000,00 quer dizer, com um investimento tão pequeno, a gente consegue fazer com que esse processo de desenvolvimento comece a acontecer em famílias que normalmente, por não ter possibilidade de fazer um investimento maior, não tinham nenhuma política pública que os beneficiasse, uma vez que não tinham uma política, não diria de micro, porque isso aqui não é micro-crédito, mas é um médio-micro-crédito, um pequeno crédito.” (José Ximenes – entrevista 9)

Outro benefício que ocorre, diz respeito à otimização quanto a utilização dos recursos naturais, no caso, a água e a terra. Os agricultores aprendem a usar produtos naturais e técnicas de combate às pragas e doenças, e tem como uma das principais vantagens, a economia de água. No vídeo 6, o Sr. Rui dos Santos, produtor rural, confirma: “[...] se eu fosse irrigar hoje essa Mandalla, com o convencional, eu gastaria 15 mil litros de água, até 20 mil litros de água. E com esse processo das mangueiras, cotonetes, motor de baixa potência, eu consigo aguar todo esse projeto com 3 mil litros de água (JORNAL VITORIA, 2011). Um impacto significativo tanto para o ambiente quanto para o bolso do agricultor. “Ao reduzir o custo, permite que os produtores rurais reinvistam os lucros adicionais para atingir a sustentabilidade econômica com mais rapidez e menos risco.” (BROWN, T., 2010, p.

199)

Com o projeto funcionando, o próximo passo está relacionado à comercialização de maior escala pelos produtores. Em Minas Gerais, na cidade de Uberlância, em 2011 o principal desafio dos 46 Mandalleiros era comercializar os produtos. O agricultor Sr. Rui (V6) comenta sobre a estratégia: “[...] pra isso a gente tá aí fazendo uma parceria com o Banco do Brasil, com a Incubadora da Universidade, pra gente ter condições de levar essa mercadoria pro comércio de Uberlândia” (JORNAL VITORIA, 2011). Em uma pesquisa na internet sobre a situação atual desse exemplo, foi possível verificar que em 2012 a AMU – Associação dos Mandaleiros de Uberlândia, já constituída, realizou a experiência de inserção de seus produtos no mercado, organizando e comercializando cestas de hortifrutis orgânicos, com 13 variedades, vendidos diretamente pelos produtores, sem intermediários, o que garante um preço mais acessível ao consumidor.

Passo a passo o sistema Mandalla DHSA vai se caracterizando em cada localidade, como um processo viável. Conta com a participação de gente humilde, pobre e que passava fome, mas que tem vontade de sair dessa situação. Com

engajamento e muito trabalho, a situação de milhares de brasileiros já mudou graças à Mandalla. No vídeo 1, uma reportagem do Globo Rural, a repórter pergunta a um agricultor que tinha exatamente esse perfil descrito acima: “Seu Cardoso, quando lidava com o gado dos outros, tirava cerca de R$ 2.200,00 a cada ano e meio, e hoje o senhor tira quanto?” (GLOBO RURAL, 2006a) e a resposta do Sr. Cardoso: “Hoje nós tiramos no mínimo R$ 1.800,00 por mês, e não é por um ano não, é por mês. Tá bom demais, porque com esse dinheiro do gado eu vivia morrendo de fome. E hoje não tem mais ninguém morrendo de fome, é. Nós graças a Deus somos vitoriosos nesse trabalho.” (GLOBO RURAL, 2006a)

Além da caracterização de cada um dos critérios estabelecidos acima, buscou-se identificar no material pesquisado, algum exemplo que evidenciasse claramente o equilíbrio entre desejabilidade, praticabilidade e viabilidade.

O entrevistado Sr. Willmar, relata o caso de um projeto realizado no Pará, enquanto estavam terminando ainda o projeto no Ceará, em final de 2009. Embora a tentativa tenha sido de fazer exatamente como funcionou no Ceará, no Pará não deu certo à princípio, pois as pessoas de lá não queriam assistir às aulas, não queriam fazer como foi feito no Ceará, “[...] não querem perder tempo de passar um dia recebendo treinamento” comenta Willmar, ao mesmo tempo em que “[...] os técnicos que eram das prefeituras e eram indicados pelas prefeituras não estavam nem aí com a execução do trabalho, porque não tinha ninguém para cobrar deles. E quando a gente começou a cobrar, eles metiam a gente na justiça porque não podiam ser cobrados, uma série de contratos sendo quebrados” (Willmar – entrevista 7), lamenta o coordenador do projeto pela Mandalla, relatando ainda que as instituições, que tinham firmado acordo e parceria, de fazer o acompanhamento e cobrança pelo bom funcionamento do projeto, não cumpriram na prática essa responsabilidade, neste caso, o Sebrae local. Para conseguir ter bons resultados, precisa-se trabalhar com metas e ações, não bastando apenas a definição de objetivos, em outras palavras, a desejabilidade e a praticabilidade não estavam ajustadas da melhor maneira para aquele projeto.

Willmar conclui que “[...] o que aconteceu no Pará é isso, a gente não conseguiu um corpo de parceiros que desse condições para que a gente conseguisse fazer o projeto em conjunto, no Ceará sim” (Willmar – entrevista 7), explicitando a importância da articulação e parceria de qualidade para o sucesso dos projetos da Mandalla.

No entanto, observa-se a persistência de ação, da equipe da Agência Mandalla ao fazerem uma re-estruturação deste mesmo projeto, no Pará, ou seja, dando continuidade ao ciclo de criação do Design Thinking, com a iteração das etapas do processo, em que uma nova inspiração/necessidade emergiu, realizaram nova ideação e nova implementação. Nas palavras de Willmar “[...] a gente teve que modificar, no meio do projeto, a estrutura de ação do projeto. Ao invés da gente formar jovens de 18-29 anos que era o foco, a gente teve que formar famílias. E ao invés de direcionar as Mandallas para serem em escolas, em áreas coletivas, começamos a trabalhar Mandallas familiares, e nessas começou a gente a ir executar Mandalla por Mandalla, uma por uma, das 150 Mandallas. Ai começou a coisa andar e gerou um caso de sucesso.” (Willmar – entrevista 7)

Assim, a busca pelo equilíbrio correto de praticabilidade, viabilidade e desejabilidade, é o que caracteriza a melhor solução para o problema.

Fazendo uma abstração, essas três esferas poderiam também estar relacionadas ao entendimento da sustentabilidade enquanto âmbito social, econômico e ambiental, na medida em que a desejabilidade seja interpretada do ponto de vista da variável social, a praticabilidade contemple questões técnicas que sejam ambientalmente corretas, e a viabilidade diz respeito aos resultados econômicos.