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CAPÍTULO II ENTREMEIOS DA LINGUÍSTICA APLICADA, DA ANÁLISE DO DISCURSO

2.1. A Linguística Aplicada indisciplinar enquanto uma postura ética e responsiva

2.1.5. O professor e o Pós-Método

Sustentado teoricamente pelos pensamentos dos autores acima, para que possamos pensar um ensino de literatura que faça emergir as vozes do Sul, que empodere os estigmatizados, que equilibre o local e o global, é indispensável que exista uma coerência relacional entre os teóricos que produzem conhecimento sobre o processo de ensino- aprendizagem e aqueles que colocam em prática os métodos, ou seja, o professor.

A partir disso, Kumaravadivelu (1994, p.28) estabelece as bases do que chamou de Condição Pós-Método, como "um estado que nos compele a redefinir a relação entre os teóricos e aqueles que praticam um determinado método". A precisão de se repensar a relação entre os teóricos e os docentes emerge do abismo que se cria entre eles, quando métodos são criados pelos pesquisadores, cabendo aos professores somente atacar as novas propostas. O autor enfatiza a necessidade de o professor ter uma postura que alie as suas práticas pedagógicas aos estudos da área. Kumaravadivelu ressalta ainda que o trabalho em sala de aula deve se dar numa perspectiva ecológica, em que estariam intrinsecamente envolvidos os professores, os formadores de professor, bem como o contexto histórico-sócio-ideológico-econômico-político dos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Em 2001, Kumaravadivelu reconfigura alguns princípios da pedagogia do Pós-Método e estabelece uma maior importância para a autonomia do aluno. O autor indica determinadas atitudes que podem potencializar o trabalho do professor e auxiliar na tomada de consciência dos alunos sobre a aprendizagem. Para tanto, Kumaravadivelu focaliza sua reflexão nos três principais sujeitos fundamentais do processo: os aprendizes, os professores e os professores formadores. Na perspectiva do Pós-Método, a responsabilidade do professor não mais se limita ao processo de seleção de conteúdos e técnicas de aplicação, mas também em ser o agente que instrumentaliza o aluno a refletir sobre o seu papel no interior da sociedade em que vive, bem como a quais interesses ele serve. Aqui as questões ideológicas passam a compor a reflexão do

processo de ensino-aprendizagem, bem como a serem pensadas como constitutivas de uma atitude responsiva e ativa por parte do professor.

Essa concepção dialoga com o vozeamento dos sujeitos do Sul, uma vez que os estudos científicos passam a ter foco na sala de aula e na proposição de uma abordagem em que o professor vai construindo, de maneira interacional, melhores resultados no balizamento entre a teoria e a prática, ou seja, propostas práticas de letramento vinculadas a saberes glocais contextualizados aos alunos. Isso pode contribuir para propostas de ensino que busquem reflexão e combate aos processos de exclusão e interdição que os grupos estigmatizados socialmente sofrem. E é evidente que esses grupos se fazem mais presentes no ambiente da escola pública.

É evidente que propor reflexões sobre o Pós-Método para o ensino de literatura sem oferecer ao professor da escola pública um respaldo que o permita se reconhecer como uma peça importante na construção de saberes não resolve nada. Como já afirmamos, grande parte dos professores de educação básica faz parte de um grupo marginalizado, principalmente se a referência for a produção do conhecimento científico-acadêmico.

Assim, o Pós-Método23, o suleamento, o foco nos saberes glocais, todas essas perspectivas as quais nos inscrevemos para a produção de uma reflexão sobre o ensino de literatura só se materializarão como instrumentos efetivos de luta por uma melhor educação se retirarem do professor da escola a alcunha de culpado principal. O professor é, antes de tudo, uma vítima de um sistema educacional perverso, positivista, mercantilista e excludente. Sob a falácia cristalizada de uma má-formação e incompetência, escondem-se jornadas de trabalho extensas que impedem a maioria dos docentes de buscar quaisquer formas de formação continuada e/ou estudos acadêmicos que contribuam para o seu aprimoramento enquanto profissional.

Logo, quando pensamos novas formas de trabalhar a literatura em sala de aula, não perdemos de vista que o primeiro a ser feito é reconhecer o professor como um sujeito marginalizado nesse processo. Raramente esse profissional encontra tempo e condições físico- emocionais de ser um intelectual, um estudioso e, por isso, as proposições que aqui se

23Pennycook (2006) prefere não utilizar o prefixo “pós” como em pós-colonialismo, pós-modernidade ou Pós- Método, conceitos mobilizados nessa pesquisa. O autor justifica que as teorias que se ancoram no “pós” parecem permanecer atadas aos domínios sobre os quais reivindicam se afastar. Para ele, as teorias “trans” subvertem e transgridem num domínio espacial e não temporal, mudando a dependência de paradigmas anteriores para um conjunto mais diverso e plural de teorias. Entretanto, não tomaremos partido quanto à utilização de um ou outro prefixo, uma vez que acreditamos que os encaminhamentos que se seguem de ambos grupos de estudos dialogam com os objetivos da presente pesquisa.

configuram levam em consideração as dificuldades de implementação que os docentes engajados por um trabalho mais responsável encontrarão para fazer “o diferente”, ou seja, para questionarem os saberes do Norte e combaterem o tradicional aparato escolar, que focaliza a produção de mão de obra servil e a reprodução dos processos de preconceito e exclusão social. Precisamos lutar para que o professor tenha condições de ampliar o seu papel de professor-pesquisador e possa estabelecer leituras críticas entre as teorias e a realidade dos saberes locais. Nossa proposta de ensino de literatura não se furta dessa causa, pois propor algo que esteja distante de uma operacionalização por parte do professor vai contra os princípios teóricos, éticos e políticos defendidos por essa pesquisa. Parafraseando Moita Lopes (2006), pensar o ensino de literatura sob a ótica de uma LA indisciplinar, transgressiva e política é propor lugares de ensaios de esperança de uma prática menos desigual, mais ética e mais humana.

Nesse sentido, em diálogo com tal postura ética frente aos saberes, propomos uma relação da LA com a AD de Pêcheux, por entendermos que tais construtos teóricos contribuem para a construção de uma visão de ensino de literatura mais responsáveis, face à diversidade social e cultural de professores e alunos-leitores de literatura.