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Profissionalismo no Terceiro Setor: Afirmações e Contradições

2 Revisão Bibliográfica

1.1 Gestão do Terceiro Setor: início e fim da promessa

2.1.5 Profissionalismo no Terceiro Setor: Afirmações e Contradições

“Para [as ONG] serem verdadeiros agentes de mudança, um fator importante que terão que incorporar ao seu trabalho se resume em uma palavra:

profissionalização. É preciso, urgentemente, mais competência técnica em

gestão de empreendimentos sociais, tanto no lado dos financiadores como no lado dos empreendedores sociais para saber por que se trabalha, como se deve trabalhar, e ser mais efetivo e eficiente na consecução dos resultados desejados.” (RAMAL, 2005)

“A profissionalização é o caminho que as organizações não-governamentais (ONG) devem seguir para se firmarem no mercado crescente do Terceiro Setor” (HAADAD, 2002)

Nas discussões sobre a gestão do Terceiro Setor há um tema correlato que aparece nas publicações: a profissionalização. Nesta seção, apresentarei o entendimento atual sobre a “profissionalização” do Setor e no que este assunto avança ou recua em relação à gestão do Terceiro Setor discutida na seção anterior. Além disso, também discutirei que o processo de demanda por transparência de prestação de contas das ONG que recebem recursos públicos tem influenciado a discussão do tema profissionalização do Terceiro Setor.

“Profissionalizar” é um verbo que carrega em si ação e símbolos. O senso comum nos fala que profissionalizar é tornar melhor, ser mais eficiente e eficaz; também lembra aspectos da burocracia como impessoalidade, regulamentação, meritocracia. Geralmente o

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tema predomina em contextos onde uma sucessão ou mudança é requerida.

Formalmente a palavra “profissionalização” é uma substantivação do verbo “profissionalizar” que advém do adjetivo “profissional”. O Termo “profissional” é a qualidade da pessoa que exerce uma ocupação por ofício (BUENO, 1981) e, portanto, alude a noções de competências adquiridas, de credenciais legítimas que outorga autoridade aos seus portadores de um conhecimento específico. O antônimo de “profissional” é “amador”: aquele que exerce uma atividade por que ama, sem interesses econômico-financeiros; pejorativamente, o amador é inexperiente e o profissional é (ou deveria ser) competente.

“Profissionalizar” tornou-se um termo que significa exercer uma função de forma remunerada e/ou tornar-se competente. Na administração, profissionalizar é um conceito que está imerso em elementos da burocracia, ou seja, da racionalidade instrumental.

“Profissionalização é o processo pelo qual uma organização (…) assume práticas administrativas mais racionais, modernas e menos personalizadas; (…) é a adoção de determinado código de formação ou de conduta num grupo de trabalhadores; é a substituição de métodos intuitivos por métodos impessoais e racionais; é a substituição de formas de contratação de trabalho antigos ou patriarcais por formas assalariadas e mais discutíveis.” (LODI, 1996 apud ULLER, 2002, p.24).

Na literatura acadêmica, esta palavra surge predominantemente quando se trata de administração de empresas familiares – geralmente os estudos cujos temas são “como profissionalizar” (BEZZERA, 2000; FREITAS, 1997; SIQUEIRA, FROIS E MIRANDA, 1997), relatos de casos demonstrando necessidade de profissionalização (CARRÃO, 1997; CASTRO E CRUBELLATE, 2001) ou exaltação da importância da profissionalização no mundo globalizado (ULLER, 2002; RIGO et al, 2008; ROCHA, 2002).

Um novo campo tem surgido na literatura acadêmica clamando a “profissionalização”: o Terceiro Setor. Assim como os estudos sobre empresas familiares, podemos encontrar nos estudos sobre o Terceiro Setor os temas dominantes citados no parágrafo anterior; entretanto um outro assunto aparece com freqüência – a preocupação ou mesmo crítica sobre o quê se está pregando como profissionalização do Terceiro Setor.

Neste sentido, o tema “profissionalização” do Terceiro Setor se insere no contexto de discussão sobre a gestão do Terceiro Setor. Nos estudos acadêmicos pesquisados a expressão “tornar mais eficiente e eficaz a gestão do Terceiro Setor” poderia ser substituída, sem qualquer dano ao entendimento, por “Profissionalizar a Gestão do Terceiro Setor”. Ou seja, em muitos aspectos a profissionalização do Terceiro Setor está sendo tratada na literatura da mesma forma como a sua gestão.

Entretanto existem duas diferenças fundamentais no tratamento desses dois construtos, gestão e profissionalização. Primeiramente, não se trata a profissionalização com as mesmas demandas por adaptação e ajustes da gestão do Terceiro Setor. Segundamente, o tema da profissionalização é adjunto às discussões sobre transparência de prestação de contas de ONG financiadas por recursos públicos.

A ausência de menção da “adaptação” da profissionalização ao Terceiro Setor decorre devido à compreensão da palavra está diretamente relacionado a elementos da gestão estratégica. Nos estudos, artigos e sites pesquisados, não há qualquer questionamento sobre os conceitos por trás da ação ‘profissionalização’. Arrisco afirmar que este termo e seu entendimento pragmático, podem ser considerados uma caixa preta 12.

A segunda questão que abre as diferenças sobre o tratamento da gestão e da profissionalização é a convocação da sociedade brasileira por mais transparência dos recursos públicos repassados as ONG.

Cobrança por transparência [das ONG] ganhou força nos EUA após o 11 de Setembro, e, no Brasil, depois de escândalo de desvio de verbas públicas (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008).

É possível considerar dois marcos para a demanda por transparência – e consequentemente por profissionalização do Terceiro Setor: o filme “quanto vale ou é por quilo?” e a CPI das ONG, que visou a investigação de denúncias ou evidência de fraudes, desvio de recursos públicos e irregularidades nas parcerias das ONG com o Estado no período de 1999 a 2006 (BRASIL, 2007).

“Quanto vale ou é por quilo” é um filme brasileiro exibido em 2005, dirigido por Sérgio Bianchi. A película faz uma analogia entre o comércio de escravos e a exploração da miséria pelas ONG. No site oficial do filme encontrei a seguinte sinopse:

A miséria é o combustível de um novo comércio de atacado. Com nome oficial de Terceiro Setor, esse mercado – composto por empresas (ou ONG como são chamadas) – tenta preencher a ausência do estado em atividades assistencialistas, transformando as pautas sociais em verdadeiras feiras de negócios. Como em todo ramos empresarial, há corrupção. Neste, o dinheiro é público e o produto é gente. (http://www.quantovaleoueporquilo.com.br/, acesso em 16/11/2008)

Ramal (2005) acredita que a falta de profissionalismo das ONG culminou na exibição do filme. Segundo ela, a profissionalização das ONG e um maior preparo na escolha

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dos projetos a serem financiados solucionam a questão da transparência.

“[...] as organizações não governamentais nem sempre são mal intencionadas, como muitos pensam. Mas com a falta de gestão

profissional, os recursos que recebem se esvaem em estruturas ineficientes,

falta de foco, equipes inchadas, formadas por profissionais que têm mais ideologia do que capacidade técnica.” (RAMAL, 2005, grifo meu).

Neste texto se evidencia o tratamento da profissionalização como implantação de técnicas ou ferramentas de gestão, sem qualquer discussão.

Apesar de ambas as declarações serem importantes para a construção do argumento nesta seção, percebe-se nelas um conhecimento limitado ou mesmo superficial do