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WASTE NO BRASIL

2 SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL

2.2 PROGRESSÃO DO INVESTIMENTO ÉTICO

A RSE surgiu no cenário brasileiro nas últimas décadas do século XX como uma atualização às práticas caritativas desenvolvidas pela comunidade empresarial preocupada em erradicar a pobreza, onde a ajuda ocorria a partir de esmolas e doações, ou seja, uma forma de gestão da pobreza que se distanciara do objetivo nobre ou, talvez, utópico de sua erradicação. Sartore (2011) diz que a criação do Instituto de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), visando entre outras ações à erradicação da pobreza, tendo como liderança principal da campanha o

sociólogo Betinho, inaugura o despertar das empresas brasileiras dessa nova proposta. Outro representante progressivo em RSE formado por representantes por organizações nacionais é o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) que vem somar à corrente supracitada contribuindo para formação da ideia do Investimento Social Privado (ISP) (CARRION, 2000).

Para Sartore (2011, p. 220) o ISP corresponde ao “repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público”. Esses recursos voluntários não são só compostos de volumes financeiros, mas também, por recursos humanos técnicos especializados ou gerenciais que constituem, assim, a nova versão da antiga contribuição caritativa comentada antes. Ainda de acordo com a autora, a progressão do investimento ético vai se transformando em RSE apoiada principalmente nas ações de institutos como: Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE); Fundação Abrinq pelos direitos da criança e do adolescente; e o Instituto Ethos de Responsabilidade Social. Esse último torna-se referencial no Brasil como um difusor da concepção da uma RSE como ação social das empresas que se preocupam com todos os stakeholders e não somente com os shareholders (acionistas).

Muitas empresas incorrem no equívoco de que a progressão para o investimento ético continua atrelada a ações filantrópicas. Exemplos de práticas ainda atuais em empresas no Brasil mostram que as ações direcionadas à sociedade continuam operando desvinculadas das ações estratégicas das corporações. Ou seja, tratam-se apenas de apêndices que recaem à velha prática do mecenato. Oliveira (2013) apresenta bem essa realidade no âmbito da indústria salineira no estado do Rio Grande do Norte, onde as ações ficam restritas às doações e às campanhas esporádicas para entidades como Apae, Hospital do Câncer e eventos culturais e religiosos. Observa-se nestes casos, portanto, que as contribuições configuram-se ainda como práticas puramente assistencialistas e filantrópicas ligadas a tradições. São ações que visam construir uma imagem de empresa responsável. Argumentamos, porém, que as ações de caráter restrito àquelas comunidades locais e, principalmente, desvinculadas das estratégias de negócio tornam-se ineficazes para resoluções das questões socioambientais que as empresas tentam resolver. Vejamos o que diz Oliveira (2013) assistente social e pesquisadora que analisou as práticas de RSE do setor salineiro do Estado do Ceará:

[...] como essas doações são esporádicas e desconectadas do foco de atuação da empresa, não agregam valores adicionais à imagem institucional no âmbito das negociações com outras empresas ou clientes alheios aos pormenores das contribuições voluntárias. Ou seja, na lógica da racionalidade capitalista de negociação, as doações dessa natureza não representam vantagens competitivas adicionais à empresa (OLIVEIRA, 2013, p. 239).

Ainda de acordo com a autora, as empresas da indústria salineira têm atuado em ações de natureza ambiental como o controle de poluição, desmatamento, preservação dos manguezais e da bacia do Rio Mossoró. Entretanto, essas atuações no combate dos impactos socioambientais negativos ainda são percebidas pelo empresariado do setor como exigências exageradas por parte da legislação ambiental. De toda forma, essas ações só tiveram início justamente por força de Lei9. Isso demonstra, pelo menos no âmbito do setor salineiro do Ceará, que aquelas empresas ainda não se deram conta de que seus negócios não poderão continuar prosperando diante de um cenário de degradação ambiental e esgotamento dos ecossistemas. Trata-se, portanto, de um condicionamento local ou mais abrangente, global? Outras indústrias, por exemplo, a TIC também estaria envolvida em dilemas desta natureza? Ou seja, não percebem que seus negócios e mais diretamente seus produtos estariam causando danos socioambientais numa escala que ameaçam a vida no planeta e em última escala seus próprios negócios. E, portanto, ainda não notando os riscos envolvidos continuam agindo de forma desarticulada entre suas ações em RSE, o meio ambiente, negócios e produtos? As estratégias e práticas de RSE da indústria da TIC serão discutidas mais adiante com o intuito de responder essas indagações.

Os resultados da Pesquisa Ação Social das Empresas, realizada pelo IPEA10 em 2004 pela segunda vez em todo o Brasil, apontam que o

9 Rio Grande do Norte, IDEMA. Lei complementar Estadual n. 272/2004;

Brasil, IDEMA. Legislação Federal n. 336/2006 (OLIVEIRA, 2013).

10 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é uma fundação pública

federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Suas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de

número de empresas que desenvolvem ações de RSE apresentou um crescimento significativo desde a última apuração em 2000. Entretanto, o levantamento de informações apontou que no foco dessas ações continuam prevalecendo práticas de mecenato, generalizadamente. Em nosso entendimento, para as quase dez mil empresas pesquisadas a RSE não contribui para os objetivos estratégicos dos negócios, uma vez que apenas 3% das empresas achavam o contrário e esse valor ainda havia diminuído desde a última apuração. Esse também é o mesmo índice das empresas que afirmam terem obtido aumento da lucratividade com práticas de RSE. Para o IPEA não faz parte da estratégia empresarial das empresas atuantes em RSE institucionalizarem tal processo à gestão corporativa dos negócios (IPEA, 2006, p. 25 e 29).

Ao nosso ver, pelos dados apresentados pelo IPEA, não há dúvidas de que as empresas no Brasil continuam agindo em RSE muito mais movidas por uma visão de reputação e com estratégias e práticas de mecenato, do que em uma perspectiva de sustentabilidade ambiental e, portanto, se posicionando de forma atrasada na “versão beta” da RSE de acordo com Laville (2009).

Gráfico 1: Ações de RSE desenvolvidas pelas empresas.

Fonte: IPEA (2006, p. 21)