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WASTE NO BRASIL

2 SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL

2.1 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

Na gênesis da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) estão a ineficiência das ações dos poderes públicos e o jogo de interesses que muitas vezes impedem a execução de projetos de cunho socioambiental – como exemplo mais recente está a recusa dos Estados Unidos em assinar o Protocolo de Kioto6 – motivando respostas que emanam, historicamente, do seio dos próprios mercados. As empresas se apresentam como atores importantes no cenário global capazes de contribuir para o enfrentamento das problemáticas com que a humanidade convive como: pobreza; analfabetismo; mortalidade infantil; justiça social e de gênero; epidemias; preservação do meio ambiente etc. Laville (2009), economista e consultora de empresas em desenvolvimento sustentável, é considerada uma referência acadêmica relevante no tema na França. A autora afirma ser possível detectar progressos realizados pelas empresas a partir do seu comprometimento com essas questões junto às partes interessadas, mas esclarece que existem limites que precisam ser superados porque muitas delas desenvolvem ações de forma periférica, não atuam no cerne das suas atividades e não consideram aquelas ações estratégicas de longo prazo. Para a autora, as empresas executam “ações sobre essas questões [mas] ao mesmo tempo em que continuam [fazendo] lobby por padrões sociais e ambientais menos exigentes” (p. 377).

Andrew Carnegie, fundador da U.S. Steel Corporation, tende a ser identificado com a idealização do conceito de responsabilidade social da empresa no final do século XIX a partir da obra O Evangelho da Riqueza, publicada nos Estados Unidos em 1899, onde afirmava que o princípio da RSE se fundamenta na premissa de que organizações são instituições sociais e, naturalmente, caracterizadas por princípios da custódia e caridade. Entretanto, nesse período, a RSE era compreendida meramente como uma questão doutrinária – o que não deixava de ser

6 O Protocolo de Kyoto é um tratado internacional negociado em Kyoto, Japão,

em 1997 entre países industrializados e outros integrantes das Nações Unidas. O documento estabelece metas de redução das emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases causadores do efeito estufa e do consequente aquecimento global. Disponível em: <http://www.greenpeace.org.br/clima/ pdf/protocolo_ kyoto.pdf>. Acesso em: 5 mai. 2013.

também uma estratégia empresarial como nos dias atuais – mesmo diante do problema de crescimento da pobreza e de uma consciência que começava a se formar a respeito da necessidade de enfrentamento daquela realidade por parte do Estado, de empresas e da sociedade (ALVES, 2003; STONER; FREEMAN, 2010).

Alves (2003) explica que a ética daquelas doutrinas naquele momento eram a custódia e caridade; justifica-se; a primeira, porque as organizações empresariais e os homens ricos passavam uma imagem para a sociedade de principais zeladores das riquezas das nações, portanto, dignos de confiança para guardar o dinheiro para o resto da sociedade e também pela função de multiplicar a riqueza da sociedade. A segunda porque exigia que indivíduos mais afortunados ajudassem de forma direta ou indiretamente os menos afortunados, os pobres, através de instituições das mais diversas: igrejas; asilos etc. Mas de acordo com Stoner e Freeman (2010), professores de administração e ética nos negócios, esse segundo princípio encontrou limitações porque a partir dos anos de 1920

as necessidades comunitárias superaram a riqueza até mesmo dos indivíduos mais generosos e passou-se a esperar que também as empresas contribuíssem com recursos para instituições de caridade que ajudavam os pobres (p. 72).

O marco das análises com maiores critérios e profundidade da RSE é somente apresentado no trabalho de Howard Bowen, intitulado Responsabilidades Sociais do Homem de Negócios, publicado nos Estados Unidos em 1953. Contudo, recai sobre os princípios anteriores comentados, ou seja, adota abordagens fortemente relacionadas a percepções religiosas da sociedade americana da época (ALVES, 2003). O entendimento de RSE como prática de caridade e como lógica de solidariedade empresarial formando uma boa conduta social às empresas e, sobretudo, aos homens de negócios afortunados teve predominância até a década de 1960, quando surgiram argumentos de oposição a essas práticas (STONER; FREEMAN, 2010).

Friedman (1970 e 1977), prêmio Nobel de Economia de 1976, declarava que a RSE era um desserviço quanto ao papel social da empresa, porque agindo com esse tipo de comportamento a empresa estaria atendendo a outros públicos e não ao público mais importante, os acionistas. O ponto de vista do autor representa o extremo em relação à função social das empresas. Nas palavras do autor:

há uma, e somente uma, responsabilidade social das empresas, utilizar seus recursos e sua energia em atividades destinadas a aumentar seus lucros, contanto que obedeçam às regras do jogo, ou seja, participem de competições de negócios de forma aberta e livre, sem enganos ou fraudes.7 Friedman admite a prática da RSE exclusivamente quando realizada de forma pessoal às obras de caridade e especialmente para universidades, mas nunca com os fundos da companhia porque isso poderia representar riscos para os acionistas, diminuindo seus lucros e frustrando suas expectativas no investimento. Ao Estado, portanto, caberia exclusivamente a função de zelo pelo bem público e social em virtude dos impostos já pagos pelas empresas. Para afirmar sua posição Friedman (1977) recorre a Adam Smith que diz:

levado por mão invisível a promover um fim que não fazia parte de suas intenções. E nem sempre é o pior para a sociedade que pode resultar. Tentando realizar seu próprio interesse ele frequentemente promove os da sociedade de modo mais efetivo do que quando pretende realmente promovê-lo. Não sei de grandes benefícios feitos por aqueles que pretendem estar trabalhando para o bem público (p. 116).

Stoner e Freeman (2010) contestam o argumento de Friedman (1970 e 1977) com o exemplo do desastre ambiental provocado pelo derramamento de petróleo no mar do Alasca pelo Exxon Valdez8

7 Tradução do autor desta passagem do original em inglês: "there is one and

only one social responsibility of business–to use it resources and engage in activities designed to increase its profits so long as it stays within the rules of the game, which is to say, engages in open and free competition without deception or fraud." Disponível em: <http://www.colorado.edu/ studentgrou ps/libertarians/issues/friedman-soc-resp-business.html>. Acesso em: 10 mai. 2013.

8 Acidente no navio Exxon Valdez em 1989, despejou 41 milhões de litros de

petróleo em uma área de vida selvagem no Alasca (EUA). A empresa petrolífera ExxonMobil dona do navio foi multada em mais de US$ 5 bilhões pelos danos ambientais decorrentes do acidente do Exxon Valdez, a empresa foi considerada culpada por infringir inúmeras leis ambientais. Disponível

causado, entre outros motivos, pela redução de recursos humanos na operação do navio e equipamentos necessários para enfrentar acidentes de derramamento de petróleo. Ou seja, as diretivas de maximizar os lucros da empresa a todo custo condiz com as orientações antes citadas em detrimentos de outros beneficiários que não sejam os acionistas. Ampliando as dimensões de atuação da RSE, os autores defendem a ideia de que as empresas precisam desenvolver ações em prol de todos os interessados (stakeholders) que podem ser afetados no percurso de busca dos objetivos organizacionais.

Quadro 1 – Perspectivas de Responsabilidade Social Empresarial.

Perspectiva Conceitos Principais Autores Responsabilidade

Econômica e Obrigação Social

A RSE está restrita exclusivamente à criação de valor para os acionistas; a orientação principal da empresa deve ser a obtenção do lucro, respeitando as regras impostas pela sociedade e pela Lei.

Friedman (1970 e 1977)

Responsabilidade Filantrópica e da Reação Social

A RSE aparece como contribuição voluntária, filantrópica no âmbito da solidariedade social; faz-se presente a lógica dos ajustes da empresa às pressões e expectativas exteriores. Andrew Carnegie (1889); Howard Bowen (1957) Responsabilidade Ética e Sensibilidade Social

A concepção de RSE afirma-se como atitude de comprometimento dos gestores com o desenvolvimento sustentável, criando valor econômico social e ambiental. Mintzberg; Ahlstrand; Lampel (2000); Laville (2009) Criação de Valor e Benefício Mútuo

Enquadra a RSE numa visão estratégica, na qual a gestão empresarial deve procurar desenvolver ações de responsabilidade social objetivando a criação de valor para toda a sociedade. Linde e Porter (1999); Laville (2009) Responsabilidade Civil e Cidadania Empresarial

Contempla uma visão ainda mais ampla do papel das empresas e se refere à integração das empresas a outras organizações, com vistas à afirmação do desenvolvimento sustentável e à construção de formas de governança civil

Zadek (2006 e 2008); Laville (2009)

Fonte: adaptado de Oliveira (2013, p. 103).

em: <http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/desastre-do-exxon-valdez- uma/>. Acesso em: 10 mai. 2013.

Foi sintetizado por Oliveira (2013), conforme Quadro 1, o debate a respeito das distintas visões da natureza e dos limites que envolvem a RSE perante o papel das empresas na sociedade. Papéis estes que refletem as pressões e expectativas as quais recaem sobre as organizações e que “são também frutos da forma como as organizações e a sociedade em geral compreendem a função da empresa” (p.103).

As práticas das empresas direcionadas à sociedade, a RSE, não trata de um acontecimento uniforme e muito menos uma novidade no mercado. Contudo, a partir do final do século XX as organizações começam a identificar novos fatores, além dos tradicionais financeiros, que podem mudar o posicionamento da empresa no mercado. Com isso, as práticas caritativas anteriormente em voga necessitam assumir outras faces. Como observa Laville (2009), mesmo saindo de moda a expressão “empresa cidadã” ela é digna de mérito simplesmente pelo fato de sugerir que a empresa não age unicamente a serviço de seus próprios interesses, mas pode também colocar sua eficiência a serviço de várias ações em prol do bem comum, inclusive, oferecendo novas perspectivas para serviços já tão comuns às organizações como: formação, mecenato, qualidade, certificação etc. A autora afirma ainda que as estratégias de sustentabilidade têm evoluído de RSE para negócios sustentáveis, ou seja, uma nova era de maturidade para iniciativas de negócios comprometidos em tornar suas atividades compatíveis com a proteção do meio ambiente. Essa sistematização evolutiva foi organizada por Laville (2009) em três fases ou versões conforme é apresentado na Figura 4.

A última fase da RSE a versão 2.0 defenderia a concepção de revolução na sociedade industrial, sendo o momento em que as empresas efetivamente passam para a linha de frente de combate dos impactos ambientais que elas mesmas ajudaram a estabelecer: supervalorização do capital financeiro em detrimento do capital natural e humano. A lógica produtiva busca a evolução a partir do entendimento de que as consequências negativas do avanço tecnológico obtidos na produção de bens e serviços nas empresas não são uma externalidade. Pelo contrário, trata-se de efeitos centrais e globais que caracterizam o novo tipo de sociedade, a sociedade de risco conforme apontado por Beck (2012).

Figura 4 – A RSE em três fases.

Fonte: Laville (2009, p. 151)

A evolução identificada por Laville (2009) na RSE 2.0 é como se fosse uma mudança no DNA (aglomerado de moléculas que contém material genético determinante para os seres vivos) das instalações de produção e dos produtos. Ela ainda exigirá muita energia nos próximos anos para ser concretizada, mas já seria possível imaginar como isso acontecerá a partir dos ensaios realizados pela indústria automotiva como será discutido adiante.