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Propostas de aprimoramento dos canais de participação Projeto de Lei n o 3.337/04: uma tentativa arquivada

Ao se tratar do tema da participação social na formulação da regulação, faz-se ne- cessário analisar a tentativa de conferir um arcabouço legal uniforme que seja aplicá- vel a todas as agências reguladoras federais.

Em março de 2003, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva solicitou à Casa Civil da Presidência da República a formação de um grupo de trabalho para anali- sar e discutir a organização e propor medidas para o aperfeiçoamento do modelo institucional das agências reguladoras no âmbito do Poder Executivo Federal.145 O grupo de trabalho foi coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e contou com representantes de todos os ministérios detentores de agências regu- ladoras vinculadas, e com representantes dos Ministérios da Fazenda, da Defesa, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Justiça e da Advocacia-Geral da União.

Um aspecto identificado por esse grupo como essencial para o bom funcio- namento das agências seria a ampliação dos mecanismos de controle social. Um exemplo citado foram as consultas públicas, consideradas como diagnóstico à época, pelas quais as agências respondiam às contribuições recebidas durante procedimen- tos de consultas sem a devida fundamentação, ou simplesmente, não respondiam aos questionamentos ou ponderações feitas pelos participantes desses processos.146

Um grupo de trabalho observou que os órgãos reguladores deveriam ser mais transparentes e acessíveis aos controles do Congresso Nacional, do Poder Executi- vo e da sociedade.

144  A Agenda Regulatória está disponível no site da ANEEL: <www.aneel.gov.br>.

145  Disponível em: <http://reformadagestaopublica.org.br/Documents/MARE/Agencias/ava liacao_das_agencias_reguladoras_-_casa_civil.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2013.

146  Grupo de Trabalho Interministerial. Análise e avaliação do papel das agências reguladoras no atual arranjo institucional brasileiro. Relatório. p. 27.

O relatório do grupo resultou em um documento divulgado pelo Governo Fe- deral que, apesar de ressaltar a necessidade de mudanças, concluiu que o modelo de agências reguladoras é essencial para o funcionamento dos setores de provisão de serviços públicos.147

Assim, depois que as diretrizes e os princípios do relatório do referido grupo de trabalho foram aprovados pelo Presidente da República, foi iniciada, sob a coor- denação da Casa Civil, a elaboração dos instrumentos legislativos necessários.

Em abril de 2004 foi enviado Projeto de Lei ao Congresso Nacional, conhecido como Projeto da Lei Geral das Agências (Projeto de Lei no 3337/04), o qual consistia

em uma tentativa de o Poder Executivo definir, em lei, as principais características relacionadas à organização e ao funcionamento das agências reguladoras.

Dentre as várias inovações presentes no projeto de lei destacou-se o tema da prestação de contas à sociedade, conforme se pode depreender da exposição de motivos endereçada pela Presidência da República ao Congresso Nacional:

O desenvolvimento de instrumentos de controle social das Agências é um avanço imprescindível para o bom funciona- mento do modelo, na medida em que esse controle atua como elemento de legitimidade e eficiência na ação regulatória. Nes- se sentido, a experiência internacional indica que o desenvolvi- mento de reguladores independentes deve ser balanceado por mecanismos mais eficientes de controle social e de prestação de contas. É na ampliação desses instrumentos que se concen- tra a maior inovação do projeto de Lei148 (Exposição de motivos no 12. Casa Civil da Presidência da República, de 12 de abril de

2004).

Quanto aos mecanismos de participação, o art. 6o do Projeto de Lei no 3.337/04

pretendia uniformizar o tratamento dos institutos das consultas e audiências públi- cas no âmbito das agências reguladoras federais, da seguinte forma:

Art. 6o Serão objeto de consulta pública, previamente à tomada

de decisão pelos Conselhos Diretores, os pedidos de revisão de tarifas e as minutas e propostas de alterações de atos normati- vos de interesse geral dos agentes econômicos, de consumido- res ou usuários dos serviços prestados.

147  Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/7767/ Adriana%20Nickel.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 jan. de 2013.

148  Presidência da República. Exposição de motivos no 12, 12 de abril de 2004. Disponível em:

<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/EMI/2004/28-MCTMDICMFC CIVIL.htm>. Acesso em: jan. 2013.

§ 1o O período de consulta pública terá início sete dias após a

publicação de despacho motivado no Diário Oficial da União e terá a duração mínima de trinta dias.

§ 2o As Agências Reguladoras deverão disponibilizar, na sede e no

respectivo sítio, na Internet, em até sete dias antes de seu início, os estudos, dados e material técnico que foram utilizados como fundamento para as propostas colocadas em consulta pública, inclusive aqueles relativos aos pedidos de revisão de tarifas en- caminhados pelas empresas reguladas, devendo tais informações permanecer disponíveis na Internet pelo prazo mínimo de um ano. § 3o As críticas e sugestões encaminhadas pelos interessados,

no prazo da consulta pública, deverão ser disponibilizadas na sede e no sítio da Agência Reguladora, na Internet, até sete dias após o seu recebimento, devendo permanecer disponíveis na Internet pelo prazo mínimo de um ano.

§ 4o O posicionamento da Agência sobre as críticas ou contri-

buições apresentadas no processo de consulta pública deverá ser disponibilizado na sede e no sítio da Agência Reguladora, na Internet, até três dias úteis antes da reunião do Conselho Diretor para deliberação sobre a matéria, devendo permanecer disponível na Internet pelo prazo mínimo de um ano.

§ 5o As Agências Reguladoras deverão estabelecer, nos regi-

mentos próprios, os procedimentos a serem observados nas consultas públicas.

§ 6o É assegurado às associações constituídas há pelo menos

três anos, nos termos da lei civil, que incluam, entre suas fi- nalidades, a proteção ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, a defesa do meio ambiente ou a defesa dos recursos hídricos, cadastradas previamente junto à agência re- guladora, o direito de receber o apoio técnico de até três es- pecialistas com notórios conhecimentos na matéria objeto da consulta pública, que acompanharão o processo e darão asses- soramento qualificado às entidades e seus associados.

§ 7o Caberá à Agência Reguladora, ouvidas as associações

cadastradas, contratar o referido apoio técnico, preferencial- mente junto a universidades, observadas as disponibilidades orçamentárias, os critérios, limites e requisitos fixados em re- gulamento e o disposto nos arts. 24, inciso XIII, 25, inciso II, e 26 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.149

149  Art. 24, inciso XIII: “na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatu- tariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedi-

§ 8o O apoio técnico às associações cadastradas será propor-

cionado durante o período de consulta pública, estendendo-se até quinze dias após o seu encerramento.

O projeto acrescentava mais um encargo à agência, que teria que contratar o apoio técnico de até três especialistas com notório conhecimento na matéria que estivesse sendo objeto de consulta pública, para assessorar as associações consti- tuídas há pelo menos três anos, que entre suas finalidades se incluam a proteção ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, a defesa do meio ambiente ou a defesa dos recursos hídricos. O § 7o do art. 6o do referido projeto de lei ainda

garantia que o apoio técnico seja contratado dentro das hipóteses de dispensa e inexigibilidade de processo licitatório.

O IDEC manifestou-se favoravelmente à sugestão, tendo aludido que, caso aprovado, seria um grande passo para efetivar a participação da sociedade no pro- cesso de regulação porque atualmente, embora conceitualmente o processo regu- latório esteja aberto à participação dos agentes impactados por ele —setor regu- lado e consumidores—, na prática, a inserção desses atores seria desbalanceada.150

Por outro lado, vislumbravam-se dificuldades no cumprimento dessa norma, caso viesse a se tornar lei. De um lado, a exigência de colocar mais uma atribui- ção à agência reguladora, consistente da contratação do referido apoio técnico, o que obrigaria ao deslocamento de servidores para realizar referidas contratações, guardando obediência às formalidades inerentes às contratações administrativas, mesmo que com dispensa e/ou inexigibilidade de licitação.

Além disso, a adoção dessa formalidade implicaria a necessidade de maior previsibilidade na deflagração de processos de consulta e audiência pública, pois a agência deverá considerar internamente o prazo necessário às referidas contrata- ções antes de iniciar o processo consultivo.

Finalmente, uma vez que a redação do projeto de lei não limitava a quanti- dade de entidades que podem se cadastrar para obter o aludido benefício, poderá ainda haver dificuldades decorrentes da definição do escopo dessa contratação. Imagina-se, por hipótese, um tema de grande envergadura, da qual pretendam par- ticipar dez associações consumeristas. A universidade ou os técnicos contratados ficariam obrigados a fornecer consultoria simultânea a todas essas dez entidades?

cada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos.” Art. 25, inciso II: “para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;” Art. 26: “as dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as

situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamen- to previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de

3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.”

150  Disponível em: <http://www.idec.org.br/pdf/banco-de-regulacao.pdf>. Acesso em: jan. 2012.

Ou a ANEEL teria a obrigação de contratar um consultor para cada entidade? Essa última possibilidade poderia esbarrar, inclusive, em limitações orçamentárias.

Pelas razões expostas, embora louvável a intenção, havia dúvidas quanto a real efetividade desse procedimento em viabilizar o conhecimento técnico necessário que entidades representativas dos consumidores pudessem efetivamente dispor para uma participação mais embasada nos processos públicos promovidos pela ANEEL.

Em 13 de março de 2013, a presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso Nacional a Mensagem no 90, por meio da qual requereu a retirada do referido pro-

jeto de lei de tramitação.