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Ricardo Morishita Wada Ana Lucia Buccos Silveira

Fábio Amorim da Rocha

João Paulo da Silveira Ribeiro

Fernando Fagundes

Patrícia Regina Pinheiro Sampaio

Marvin Menezes

1.

perdas

ComerCiais —

impaCtos e a

neCessidade de

uma legislação

federal para

seu efiCaz

Combate

Introdução

Desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90)

discussões são travadas em nossos tribunais e no meio acadêmico sobre a possibili- dade ou não da concessionária de distribuição de energia elétrica suspender o forne- cimento do serviço de uma unidade consumidora que está furtando energia elétrica ou fraudando seu consumo. 

Na regulação atual da agência reguladora do setor elétrico há disposições que tratam da suspensão quando constatada deficiência técnica ou de segurança na unidade consumidora que caracterize risco iminente, ou ainda nos casos de fraude ou furto de energia, não pagamento da fatura, serviços, obrigações ou garantias.

O inadimplemento da obrigação pode também caracterizar outra hipótese que se admite, inclusive na jurisprudência nacional,1 a possibilidade da suspensão do serviço de energia elétrica.

* Professor de Direito do Consumidor —FGV Coordenador do Projeto de P&D FGV/Light.

**Presidente da Comissão de Energia Elétrica da OAB/RJ/Fábio Amorim Consultoria Ltda. 1  Resp 806985/RS —ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉ- TRICA. INADIMPLEMENTO. POSSIBILIDADE. IRREGULARIDADES NO MEDIDOR. FATURA- MENTO DAS DIFERENÇAS. I. O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei no 8.987/95,

art. 6o, § 3o, II). Precedentes. II. O disposto no art. 6o, § 3o, II, da Lei no 8.987/95, ao explicitar

que, na hipótese de inadimplemento do usuário, a interrupção do fornecimento de energia não caracteriza descontinuidade do serviço, afasta qualquer possibilidade de aplicação dos precei- tos ínsitos nos arts. 22 e 42 da Lei no 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). III. O fato

de o caso dos autos tratar de débitos apurados unilateralmente pela empresa concessionária ante suposta fraude em medidor de energia elétrica e em virtude de valores decorrentes de diferenças de consumo não modifica as conclusões anteriormente indicadas. Evidentemente que o consumidor que frauda medidor tem intenção que o real consumo de energia por ele realizado seja camuflado, normalmente com o fim de pagar menos do que seria efetivamente devido. Portanto, não há dúvida quanto à existência de energia consumida que não fora qui- tada. Seria um contrassenso o entendimento de que é permitida a suspensão de energia por consumo ordinário não pago, e de que não é permitida na hipótese de consumo que não foi pago em razão de ter sido camuflado pelo consumidor. IV. Recurso especial provido. Impor- tante registrar acórdão mais recente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que reconhece a ausência de irregularidade no Termo de Ocorrência e Inspeção: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 15a Câmara Cível. Apelação Cível no 0127732-10.2010.8.19.0001.

Relator Des. Sergio Lucio Cruz. DO: 29/6/2011. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, C/C INDENIZATÓRIA. LIGAÇÃO DIRETA. TERMO DE OCORRÊNCIA DE INFRAÇÃO (TOI). “Ausência de qualquer irregularidade na lavratura do TOI e, constatadas as irregularida- des, estava a concessionária autorizada, pela lei e pelo regulamento, a proceder à suspensão do fornecimento de energia elétrica. Inexistência de qualquer dano moral a ser reparado. Ma-

Nos casos de furto ou fraude, seria possível, via inadimplemento, estabelecer a mesma medida. Se o simples inadimplemento ensejaria a suspensão, obedecidos os requisitos e procedimentos previstos na norma reguladora, seria de se esperar que a conduta grave, que implica também a responsabilização penal, recebesse ao menos o mesmo tratamento.

No entanto, o ponto central da questão está na materialização da irregulari- dade, pois sem isso os valores não podem ser considerados certos nem líquidos, ou seja, aptos e legítimos a lastrear a cobrança e a recuperação da receita.

Acontece dessa maneira porque a materialização da irregularidade depende, como veremos mais adiante, da adoção de procedimentos previstos na Resolução no 414/10 da ANEEL que nem sempre são considerados no Poder Judiciário, o que

acaba por provocar inúmeros efeitos adversos. 

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro emitiu um Enunciado no 51/11 e a Súmula no 256/12 que estabelecem que: “O termo de ocorrência de

irregularidade, emanado de concessionária, não ostenta o atributo da presunção de legitimidade, ainda que subscrito pelo usuário.” Em outros julgados, como a Apelação Cível no 0022909-44.2005.8.19.0038, publicada em 19/11/2010, de-

clarou-se o ato como sendo unilateral e, portanto, inidôneo para se inferir pela ocorrência de desvio.2 Na Apelação Cível no 0014480-59.2006.8.19.0004, consi-

dera-se que o procedimento do TOI foi realizado sem o contraditório e a ampla defesa.3

téria já examinada por esta Corte, sobre a qual se firmou o entendimento pacífico de que, não havendo comprovação da irregularidade no TOI, deve o pedido ser julgado improcedente”. 2  “Com efeito, a concessionária ré lavrou ato de forma unilateral, retirando o medidor de con- sumo de energia elétrica da unidade consumidora e substituindo-o por outro, o que impossi- bilitou a realização de prova técnica no aparelho e aferição quanto ao consumo registrado, ou análise para verificação de possível fraude. Assim, a simples alegação de irregularidade na uni- dade consumidora não é meio idôneo para se inferir pela ocorrência de desvio, pois como bem ressaltou o Ilustre Juízo, a atuação da concessionária ré não tem presunção de veracidade ou de legitimidade.” 3a Câmara Cível da Comarca do Rio de Janeiro. Apelação Cível no 0022909-

44.2005.8.19.0038. Relator Des. Adolpho Andrade Mello. Publicado em 19/11/2010.

3  “Verifica-se, portanto, que a lavratura de Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI) no relógio medidor de consumo existente no imóvel em que a parte autora desenvolve suas ati- vidades empresariais foi realizada sem que se permitisse qualquer contraprova por parte do consumidor no momento da apuração da irregularidade e lavratura do termo. Ressalte-se ain- da não haver prova nos autos de que o consumidor tenha sido comunicado acerca da possi- bilidade de requerer a realização de prova pericial técnica por terceiro legalmente habilitado, conforme faculta o art. 72, II, da Resolução no 456 da ANEEL, [...] Verifica-se, portanto, que,

neste ponto, a concessionária falhou com o dever de informação ao consumidor, que também não foi informado acerca dos critérios adotados no cálculo dos valores refaturados, critérios esses que também não foram esclarecidos no presente feito. Dessa forma, resta configurada a abusividade da cobrança feita ao apelado a título de refaturamento, a justificar a declaração de inexistência da dívida.” Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 18a Câmara Cível da

Comarca do Rio de Janeiro. Apelação Cível no 0014480-59.2006.8.19.0004. Relatora Des. Célia

Entre os vários efeitos adversos da falta de segurança jurídica, o mais preo- cupante está relacionado ao pedido de danos morais nos casos em que o autor comete a fraude ou o furto. Realizada a irregularidade e promovida a lavratura do termo, nos termos determinados pela lei e pela regulação setorial, não poderia o cumprimento das obrigações impostas pela lei ser fonte geradora de ofensa à moral do fraudador e daquele que furta energia em prejuízo de toda uma coleti- vidade.

Nesse sentido, observamos uma importante Súmula do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a Súmula 285, de 30 de novembro de 2012, que es- tabelece que “qualquer interrupção de prestação de serviço essencial decorrente de ligação clandestina não configura dano moral”. Na justificativa, declara-se ainda que: “Rompe-se o nexo causal da responsabilidade em virtude do fato exclusivo da vítima. Por outro lado, não se pode considerar afrontado em sua dignidade, quem, anteriormente, praticou ato ilícito e, em tese, delituoso.”

Os procedimentos para caracterização da irregularidade foram revistos e pas- saram por importantes alterações e estão hoje previstas na Resolução no 414/10 da

ANEEL. Entre os inúmeros instrumentos aperfeiçoados está o denominado Termo de Ocorrência e Inspeção, que a despeito da sua instrumentalidade, é o que mais provocou controvérsias, pois havia decisões que ora reconheciam sua aplicação, ora estabeleciam sua nulidade, o que impediu ou retardou a produção de seus efei- tos para toda sociedade.

Por isso, o foco principal deste capítulo é a questão da lavratura do TOI, a recuperação da receita perdida com a irregularidade e ainda os efeitos adversos da insegurança jurídica, tais como a reparação, nesses casos, por danos morais. Defende-se uma inovação jurídica com a proposição de uma lei que estabeleça de forma direta e legítima todos os principais elementos que envolvam o combate às referidas irregularidades e assim permita restabelecer a segurança jurídica neces- sária para harmonização das relações jurídicas de consumo e o desenvolvimento de toda sociedade. 

Os conflitos existentes têm ocasionado milhares de ações judiciais, gerando sérios impactos para as concessionárias e também para os próprios consumidores. Se não há uma negativa de aplicação da Lei no 8.987/95, há uma grande insegu-

rança jurídica quando a Corte Superior de Justiça declara a impossibilidade de re- conhecimento da dívida quando decorrente de fraude no medidor de consumo de energia do cliente e o procedimento para sua apuração. 

Não se trata de um problema relacionado com a unilateralidade, que de fato pode acarretar violações de direitos e que deve, sem dúvida, ser submetido a um controle jurisdicional. 

A questão parece ocorrer quando se tenta definir o alcance do que seria uni- lateral e o que seria um ato legítimo da própria concessionária. Importante apontar que, nos termos da regulação existente, a concessionária tem o dever de caracteri-

zar e apurar o consumo não faturado ou faturado a menor.4 Trata-se da realização de um interesse de toda coletividade e, por isso, também público.

O procedimento estabelecido pelo regulador goza de presunção relativa de legalidade e legitimidade e não foi até o momento retirado do ordenamento jurídi- co brasileiro. Substantivamente, não ocorre uma imputação direta da irregularida- de ao consumidor, mas todo um procedimento que permite, substantivamente, sua participação e o exercício do contraditório. 

Na prática cotidiana de milhares de operações para combate às irregularida- des no consumo de energia, falhas e equívocos podem ocorrer, daí trata-se de um tema altamente complexo, a merecer todo o controle jurisdicional, mas também administrativo e interno da empresa, e de todos os demais atores da sociedade. 

No entanto, será também fundamental se garantir que, uma vez observado todo o processo previsto na norma em vigor, os valores materializados proporcio- nem segurança jurídica suficiente para produzir efeitos, tais como a cobrança e até, conforme prevê a Lei no 8.987/95 e a Resolução Normativa no 414/10, a efetiva recu-

peração da receita, que alcança os interesses de toda a coletividade, e não apenas da concessionária. 

Contudo, constata-se ainda uma grande insegurança jurídica nas operações existentes e o questionamento das regras incidentes, ainda que não controversas. Será ilustrativo compartilhar alguns dados específicos do setor de distribuição de energia no caso do Rio de Janeiro.

Durante o desenvolvimento do projeto de P&D sobre prevenção, tratamen- to e redução dos conflitos de consumo, parceria da FGV DIREITO RIO, Escola de Matemática Aplicada e Light, inúmeros outros dados emergiram, bem como novas análises do conhecido fenômeno. 

Ao longo deste capítulo trataremos da necessidade de refletirmos sobre a edição de uma norma, em um projeto de lei que procure endereçar as inseguranças jurídicas existentes e legitimamente apresente decisões legislativas que permitam conciliar os interesses de toda a sociedade, consumidores individuais, consumidores no âmbito coletivo, o Estado e as concessionárias de serviços públicos de energia. 

Para tanto, o capítulo está dividido em  sete  seções, tendo ao final uma mi- nuta de Projeto de Lei apresentada na Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee), no Ministério da Justiça, na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), no Tribunal de Contas da União (TCU) e na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), recebendo apontamentos e considerações que foram contempla- dos neste capítulo.

4  Vide Resolução Normativa no 414/10, que prevê no art. 129, verbis: “Na ocorrência de indício

de procedimento irregular, a distribuidora deve adotar as providências necessárias para sua fiel caracterização e apuração do consumo não faturado ou faturado a menor” .

O principal efeito econômico do inadimplemento está na conta de luz do consumidor adimplente, no final de cada mês e ao longo de todo período de contratação dos ser- viços de energia elétrica. As perdas tarifárias não são alocadas em um fundo perdido ou desprovido de qualquer efeito econômico, ao contrário, parte delas compõem os cálculos tarifários e são distribuídas por toda a sociedade, consumidores, usuários, poder público e até fornecedores, e o restante assumido pelos acionistas das empre- sas distribuidoras de energia elétrica.

Em uma perspectiva não econômica, os efeitos também podem ser tangibiliza- dos, embora não tenham sido tratados neste capítulo. Tão importante quanto os efei- tos econômicos, eles se relacionam com o sentimento de justiça, de equidade, pois tratam da necessidade de proteção também daqueles que respeitam e cumprem com suas obrigações, ou seja, a maioria dos consumidores de energia deste país.