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O marco inicial do estudo sistemático acerca do reconhecimento de um direito fundamental à boa administração pública no direito brasileiro foi a publicação, em 2007, da primeira edição da obra Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa

administração pública, de Juarez Freitas34. Sua definição é ponto de partida obrigatório nos estudos que posteriormente se desenvolveram sobre o tema, razão pela qual é oportuna sua transcrição:

Trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem35.

Fundamentando-se em Galetta, o citado autor prossegue afirmando que o direito fundamental à boa administração é “lídimo plexo de direitos, regras e princípios, encartados nessa síntese, ou seja, o somatório de direitos subjetivos públicos36”. Tal frase sintetiza a evolução do conceito tal qual adotado pelo diálogo institucional entre o Provedor de Justiça europeu e o respectivo Parlamento, nos moldes expostos na seção anterior deste trabalho.

Relembra-se que o conceito formal de boa administração é, a contrario sensu da definição de má administração formulada pelo Ombudsman europeu, a atuação estatal em conformidade com as normas e princípios a que se vincula tal atividade, e que o conteúdo material desse direito deve ser buscado na experiência de cada país, pelo que, no âmbito do espaço jurídico europeu, em virtude de sua heterogeneidade, era recomendável a edição de códigos de conduta.

Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro, por não padecer do problema da diversidade de tradições de que padece a Europa, já tem consagrado, no seio de sua própria Constituição, toda uma plêiade de princípios e regras que vinculam a Administração Pública,

34 Entretanto, em doutrina muito mais remota já podem ser identificados lampejos de um tal direito: “O estatuto

supremo deu o valor de materia constitucional ao compromisso de bem servir, reduzido a termo subscripto pelo funccionário ao tomar posse e entrar em exercício do seu cargo” (MAXIMILIANO, Carlos. Commentarios à

Constituição Brasileira. 2. ed., ampl. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1923. p. 740).

35 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 22.

donde se podem extrair os preceitos que comporão o núcleo material do direito fundamental à boa administração. Assim, apesar de o Título II da CF/88 não conter a enunciação expressa de um tal direito fundamental, seu conteúdo pode ser extraído, notadamente, do seu art. 37, cujo

caput sintetiza esse núcleo essencial, complementado, sobretudo, por disposições integrantes

do seu art. 5º37.

Como se manifestou Moreno, “el cuerpo jurídico-administrativo reúne toda serie de

normas de las que se pueden desgranar un amplio listado de derechos de los ciudadanos y deberes de la Administración cuya verificación nos conduce, sin duda, al modelo de buena Administración que se pretende38”. Daí a afirmação de que o direito fundamental à boa administração é um conceito-síntese, que agrupa uma série de direitos reconhecidos de maneira dispersa.

Sarlet, a seu turno, chega mesmo a afirmar que “a Constituição de 1988, muito antes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, consagrou um direito fundamental à boa administração39”. Prossegue o autor afirmando poder tal direito ser extraído, além do art. 37, do próprio art. 1º, III, da Constituição, uma vez que “uma boa administração só pode ser uma administração que promova a dignidade da pessoa e dos direitos fundamentais que lhe são inerentes40”. Nesse sentido, é considerada uma boa Administração aquela que cumpre de maneira correta e adequada com todos e cada um dos deveres que lhe são impostos pelo ordenamento, de modo a facilitar os direitos dos cidadãos e alcançar os objetivos de atenção ao interesse público41.

É válido notar que os tribunais superiores pátrios já tiveram oportunidade de referir, textualmente, a ideia de “boa administração”. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram localizados quatro acórdãos que contêm a expressão “boa administração”, utilizada em sentido relevante para este trabalho. Já no STF, apenas um acórdão foi localizado, o qual, entretanto, apenas traz referência a “boa administração” em parecer ministerial transcrito no

37 Notadamente os incisos que disciplinam deveres da Administração na condução de processos, a exemplo dos

incisos XXXIII, XXXIV, LIV, LV, LXI a LXIV, LX e LXXVIII.

38 MORENO, Pedro. T. Nevado-Batalla. Ciudadanos y Administración. El derecho al buen gobierno: reflexiones

desde una perspectiva administrativa. Interesse Público, Belo Horizonte, ano 9, n. 44, jul./ago. 2007. Biblioteca

Digital Fórum. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDIexibepdf.aspx?tipoConteudo=Normal&vw=S&pdiCntd=48543>. Acesso em 12 maio 2012. p.2.

39

SARLET, Ingo Wolfgang. A Administração Pública e os direitos fundamentais. Porto Alegre: Tribunal

Regional Federal da 4ª. Região, [2006]. Disponível em:

<http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos/emagis_atividades/ingowolfgangsarlet.pdf>. Acesso em: 05 maio 2012. p. 1.

40

Ibid., p. 1-2.

seu relatório. Tratando-se das primeiras manifestações jurisprudenciais superiores sobre a matéria, torna-se imprescindível sua referência42.

No REsp. nº 269.683, a própria ementa trouxe que o ato de improbidade administrativa é “a prática de ato desonesto, dissociado da moralidade e dos deveres de boa

administração, lealdade e boa-fé43” (grifos acrescidos). A relevância do citado aresto, pioneiro na Corte Especial, foi reconhecer expressamente que a boa administração é um dever do Estado, do que se pode deduzir logicamente que o referido tribunal acolheu aí a ideia de um direito à boa administração, exercitável pelo cidadão.

Já no REsp. nº 892.818, apesar de não estatuir a ideia de boa administração como dever do Estado ou direito do cidadão, referiu em sua ementa que “o marco constitucional e a legislação [...] consagram e garantem os princípios estruturantes da boa administração44 (grifos acrescidos). Em seu voto, o Min. Herman Benjamin esclarece que o princípio da moralidade “é pressuposto de validade de todo e qualquer ato administrativo, como elemento

essencial à boa administração, e, remotamente, ao núcleo ético, à honestidade, ao interesse

público, à dignidade da pessoa humana (no seu sentido político) e ao bem comum, bases do Estado brasileiro45” (grifos acrescidos). Veja-se que o citado relator identifica a moralidade como um dos elementos da boa administração, relacionando-o com outros valores constitucionais, o que permite entrever sua intuição no sentido de que tal conceito (boa administração) refere-se a um plexo de deveres do Estado.

Mais importante contribuição desse voto se extrai do trecho em que o relator, ao abordar a característica da tipicidade aberta da lei de improbidade, expressamente aduz que “o legislador não teria como antecipar exaustivamente todas as ações contrárias à boa

42

A este ponto, serão analisados os três primeiros julgados do STJ, tendo em vista que o último, bem como o único do STF, referem-se expressamente tratar-se de direito fundamental e, portanto, serão abordados na seção seguinte deste trabalho, na qual se discutirá precisamente essa qualificação.

43 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 269.683 - SC, da Segunda Turma. Recorrentes:

União, Alexis Stepanenko e Outros. Recorridos: Os mesmos. Relatora: Min. Laurita Vaz. Relator para o

acórdão: Min. Paulo Medina. Brasília, 6 ago. 2002. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=102426&sReg=200000766186&sData=200 41103&formato=PDF>. Acesso em: 08 jun. 2012, p. 1.

44

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 892.818 – RS (2006/0219182-6), da Segunda Turma. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: João Amaro Borges da

Silva. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 11 nov. 2008. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=832004&sReg=200602191826&sData=201 00210&formato=PDF>. Acesso em: 08 jun. 2012. p. 2.

45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 892.818 – RS (2006/0219182-6), da Segunda

Turma. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: João Amaro Borges da

Silva. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 11 nov. 2008. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=832004&sReg=200602191826&sData=201 00210&formato=PDF>. Acesso em: 08 jun. 2012. p. 7.

Administração46”. Essa passagem resume o mesmo dilema pelo qual passou o ordenamento europeu, considerando que o conteúdo material da boa administração é variável no tempo e espaço.

Por sua vez, o agravo regimental no REsp. nº 949.931, também tratando de questão de improbidade administrativa, faz referência “aos bens e valores materiais e imateriais da boa

Administração47” (grifos acrescidos) como suscetíveis de serem objetos de danos causados pelo ato ímprobo, mas sem desenvolver maiores considerações sobre o tema.

Note-se que os arestos mencionados referem-se a casos de improbidade administrativa. Assim, em que pese trabalharem o conceito de boa administração do ponto de vista do agente público, trata-se do início de uma nova abordagem, pois o agente nada mais é do que o Estado feito presente no mundo físico. Como os atos dos agentes são imputados diretamente ao Estado, com fincas na teoria do órgão, não se pode deixar de considerar que tais deveres, imputados aos agentes do Estado, o serão ao próprio Estado, razão pela qual se pode neles localizar o início da permeabilidade da Corte Especial a essa nova categoria jurídica.

Cabe observar que os parâmetros de boa administração fixados no art. 41 da CDFUE (que constituem apenas uma pauta mínima, reprise-se) encontram, todos, assento na Constituição pátria. É útil, nesse momento, traçar um paralelo, para fins de esclarecimento.

O item 1 possui inegável semelhança com o art. 5º, LXXVIII, que contempla, no rol de garantias fundamentais, o direito à duração razoável do processo, assegurado “a todos, no âmbito judicial e administrativo48”. Especial atenção deve ser dada ao fato de que esse dispositivo, apesar de aplicar-se também aos processos administrativos, foi gestado no âmbito da chamada “reforma do Judiciário” (veiculada pela EC nº 45, de 30 de dezembro de 200449), o que demonstra que tal garantia foi pensada com vistas muito mais nos próprios processos

46 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 892.818 – RS (2006/0219182-6), da Segunda

Turma. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: João Amaro Borges da

Silva. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 11 nov. 2008. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=832004&sReg=200602191826&sData=201 00210&formato=PDF>. Acesso em: 08 jun. 2012. p. 13.

47 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no recurso especial n. 949.931 – SC (2007/0097861-9), da Segunda Turma. Agravante: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Agravado:

Nelson Teófilo Grando. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 18 dez. 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=850129&sReg=200700978619&sData=201 00210&formato=PDF>. Acesso em: 08 jun. 2012. p. 1.

48

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012

49 BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Subchefia para

Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012.

judiciais, cujo retardo crônico é diuturnamente noticiado. Ademais, consagra os postulados da imparcialidade e equidade, implicitamente acolhidos na Constituição e expressamente definidos em leis.

Por sua vez, o item 2, primeiro parágrafo, possui ideia análoga à de nosso art. 5º, LV, que assegura o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos inerentes, aos litigantes em processo judicial ou administrativo50, o que se afigura um dos corolários mais basilares do Estado democrático de direito.

Já no segundo parágrafo do mesmo item, pode-se reportar ao art. 5º, XXXIII, que consagra a todos o direito ao recebimento de informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, ressalvadas hipóteses de sigilo51. Tal previsão é aplicável a qualquer órgão público “dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público”, como expressamente disciplinado pelo art. 1º, parágrafo único, da recente Lei de Acesso à Informação (lei nº 12.527, de 18 de novembro de 201152). Ademais, disciplina tema análogo o art. 5º, LX, que dispõe sobre a publicidade dos atos processuais e acesso aos autos, ressalvadas algumas hipóteses, no que tem aplicabilidade tanto a processos administrativos quanto a judiciais53.

No terceiro parágrafo, por sua vez, ao albergar o dever de motivação das decisões, encontra-se expressa referência constitucional pátria apenas no que se refere ao Judiciário (em suas atividades típicas e atípicas), a saber, decisões judiciais e deliberações administrativas de tribunais (art. 93, X e XI). Para a Administração Pública, o dever de motivar as decisões é considerado princípio constitucional implícito, além de reconhecido em normas infralegais, a exemplo do art. 50 da Lei 9.784/199954.

O item 3 guarda consonância com o art. 37, § 6º, várias vezes já referido ao longo desse trabalho.

50 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012.

51

Ibid.

52 BRASIL. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso

XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 01 jun. 2012.

53 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012.

54 BRASIL. Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da

Administração Pública Federal. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em: 01 jun. 2012.

E o item 4, por fim, de inarredável importância para o direito europeu em face de seu caráter necessariamente multilíngue, encontra eco no art. 13 da Lei Maior. Contudo nossa homogeneidade linguística não estimulou grandes controvérsias acerca do tema, ainda que o uso da língua portuguesa como idioma oficial esteja previsto no título II da Constituição, reservado aos direitos e garantias fundamentais55, e, por lógico, seja aplicável a todos os órgãos públicos, independentemente do poder a que pertença.

Como se pode ainda observar, todos os direitos fundamentais referidos no ordenamento brasileiro que encontram paralelo no citado art. 41 da CDFUE se aplicam, tanto para a Administração Pública, quanto para o Poder Judiciário. Isso reforça a ideia de que não há razão para excluir, a priori, da incidência do direito fundamental à boa administração, a própria função jurisdicional.

Tal conclusão é apenas mais um sintoma da indistinção ontológica entre administração e jurisdição: a própria CF/88 disciplina diversos direitos e garantias fundamentais como limitadoras do poder estatal, de forma conjunta para ambas as funções. Logo, seria até mesmo desnecessário abordar o direito à boa administração separadamente do direito à boa jurisdição, uma vez que ambos são apenas faces de um mesmo direito fundamental, que se poderia chamar de direito à boa atuação estatal.

Nesse sentido, o direito à boa jurisdição, tanto quanto à boa administração, pode ser considerado uma norma implícita, como um feixe de princípios e regras, de direta e imediata eficácia em nosso sistema constitucional56. Ele é composto não só por aqueles preceitos expressamente contemplados no art. 41 da CDFUE (reputado pelos próprios europeus como pauta mínima, consoante já abordado supra), mas por todo o complexo de normas, sobretudo constitucionais, que disciplinam a atuação dos órgãos públicos.

6.3 FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À BOA ADMINISTRAÇÃO E À BOA JURISDIÇÃO

Mister se faz, neste momento, fundamentar a utilidade do reconhecimento de um direito à boa jurisdição (e à boa administração) no direito brasileiro, bem como apresentar as

55 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012.

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FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração

razões pelas quais tal direito merece o qualificativo de fundamental. Afinal, se o conteúdo material desse direito é composto por outros princípios e regras que regem a atividade estatal, algumas das quais já são contempladas constitucionalmente como direitos fundamentais, não seria pleonástico inserir mais um direito, como sobreposição, nesse catálogo?

Em que pese a rica discussão que se encerra em torno do conceito de direito fundamental não caber nos contornos deste trabalho, é importante traçar algumas linhas acerca da concepção que o norteará. Nesse sentido, entende-se por direitos fundamentais as normas-princípio que funcionam como instrumentos de legitimação do próprio Estado democrático de direito na cultura ocidental, as quais expressam valores de hierarquia tão elevada em um dado ordenamento jurídico que chegam a se confundir com a norma básica de reconhecimento das demais normas jurídicas. Funcionam também como parâmetros de interpretação, de tal modo que a melhor hermenêutica deles mesmos e das demais normas jurídicas venha a maximizar seu próprio conteúdo. Trata-se do que se convencionou chamar de força expansiva dos direitos fundamentais57.

A fundamentalização de um direito traz sérias consequências, dentre as quais se inclui o reconhecimento de que tais normas, que ostentam caráter principiológico, situam-se em um grau axiologicamente superior, dentro do plano constitucional, o que lhes confere prevalência nas operações de ponderação, quando em conflito com outros princípios. Isso decorre, dentre outros fatores, do fato de tais direitos implicarem em limites materiais à própria revisão constitucional, numa proteção potenciada contra erosão por parte do constituinte derivado58. Decorre ainda do fato de possuírem vinculatividade imediata dos poderes públicos, constituindo parâmetros materiais e fundamentos diretos da atuação estatal, a nortear suas decisões, ações e omissões, bem como do controle tanto dos órgãos administrativos, quanto dos legislativos e jurisdicionais59.

Uma leitura atenta dos dispositivos constitucionais que guardam paralelo com os postulados do direito a uma boa administração, tal qual previsto na CDFUE, permite revelar que o conteúdo jurídico básico de tal direito é constituído de princípios que, até hoje, vêm sendo analisados no Brasil de forma isolada. A novidade reside em compreendê-los integrada e harmonicamente, de modo a permitir a extração de seus fundamentos comuns e, com isso, permitir ao jurista, dentro do contexto de mudanças estruturais do Direito Administrativo,

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GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 7-8.

58 V. art. 60, § 4, IV, da CF/88 (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República: Brasília, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012).

antever os novos desafios que se apresentem. Com isso se viabilizará uma atividade a que Moreira Neto se referiu como de prospecção científica, que envolve a necessidade derivada de as sociedades se prevenirem diante da possibilidade de eclodirem novas necessidades60. A importância dessa atividade é salientada sobretudo diante do contexto da “sociedade do risco”, decorrente da evolução tecnológica, que eleva o risco a que todos se submetem a níveis extremamente elevados, e, ao revés daquele oriundo da revolução industrial, abordado

supra61, não conhece classes sociais ou fronteiras, nem é sensível aos sentidos62.