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6. O STF COMO PLAYER DO JOGO POLÍTICO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O

6.4. Reflexões

Este estudo de caso permitiu observar a relação institucional entre os poderes a partir do questionamento relacionado a apreciação do VP 38/2012. Foi possível observar e analisar um perfil de atores diferentes do que a tradicional visão entre governistas e não governistas. Também foi possível observar diferentes atuações do STF, sobre o mesmo caso, em momentos distintos do problema analisado. Este caso também permitiu observar e analisar alguns reflexos das decisões do STF, e a reação dos atores políticos a essa decisão.

Com essas observações e análises, é possível responder às perguntas deste capítulo. Respondê-las-ei de maneira objetiva, e em tópicos, pois acredito que elas tenham sido devidamente trabalhadas e respondidas ao decorrer de todo o capítulo.

 Quais eram os atores envolvidos no caso royalties do pré-sal? – foram identificados os seguintes atores: (i) estados-membros produtores de petróleo; (ii) estados-membros não produtores de petróleo; (iii) municípios produtores de petróleo; (iv) municípios não produtores de petróleo; (v) deputados federais representantes dos estados e municípios não produtores de petróleo; (vi) deputados federais representantes dos estados e municípios produtores de petróleo; (vii) senadores representantes dos estados não produtores de petróleo; (viii) senadores representantes dos estados produtores de petróleo; (ix) Executivo federal; (x) Legislativo federal (de maneira coletiva); (xi) STF. Que podem ser organizados em cinco categorias: Entes Produtores e Afetados; Entes não Produtores e Afetados; Executivo Federal; STF; Legislativo Federal.  Qual era a questão política discutida? – alteração da distribuição dos royalties

de petróleo e divisão dos royalties do pré-sal.

 Quando e como o STF foi chamado para resolver a questão política, agora transformada em jurídica? – O STF começou a participar desse processo quando os Entes Produtores e Afetados não tinham mais alternativas políticas para impedir a aprovação da alteração da forma de repasse dos royalties. Para isso, esse grupo utilizou o instrumento mandado de segurança, transformando o problema em um questionamento de violação ao artigo 66, §§ 4º e 6º, da CF/88, e violação a procedimentos regimentais do Congresso Nacional.

 Como o STF resolveu a questão? – Inicialmente, o STF deferiu liminar suspendendo o andamento do projeto de lei, que privilegiava os grupo de Entes não Produtores e Afetados. Contudo, após esse deferimento, o STF suspendeu a liminar, permitindo que o projeto de lei voltasse ao trâmite de votação. Ao ser convertido em lei, o STF suspendeu a aplicação dos pontos discutidos, por meio de decisão liminar em ação direta de controle de constitucionalidade. É possível afirmar que o STF primeiro interferiu diretamente na questão; depois permitiu que a questão voltasse para o ponto de origem; por último, voltou a alterar o status quo. A verdade é que tanto a questão jurídica quanto a política não foram resolvidas. Até o momento elas estão suspensas.

 É possível observar e descrever consequências da decisão do STF na questão política? – Sim, é possível observar e descrever alguns reflexos das decisões do STF. Referente à primeira decisão, é possível verificar o cenário de instabilidade criado ao Congresso Nacional e à sociedade (não votação de orçamento e a não votação de nenhuma outra medida); além das constantes discussões via mídia, entre os parlamentares. Referente à segunda decisão, é possível observar a volta do andamento quase que regular das atividades do poder Legislativo federal. Referente à terceira decisão, não é possível observar muitos reflexos diretos, mas, após essa decisão, houve alteração do RICN, especificamente dos artigos que fundamentaram os procedimentos inconstitucionais adotados pelo Congresso Nacional.

 Como a relação entre os poderes, a partir desse caso, pode ser observada? Este caso pode representar a evolução do sistema de check and balances ou o declínio (a partir desse caso a tendência é um retrocesso, não havendo mais casos como esse)? – Sim, é possível notar os três poderes se relacionando, por meio dos documentos, da mídia e pelos próprios autos dos processos. Este caso, assim como o citado caso ICMBio, representam extremos da relação institucional, que não são corriqueiramente repetíveis. Tanto pelo desgaste institucional, político e social, que as decisões desse tipo geram, quanto pela necessidade de tempo que casos desse tipo precisam para amadurecer as próprias instituições participantes. Pode-se concluir que este caso representa o possível extremo de alguns instrumentos do sistema de check and balances. Nesse sentido, vemos a evolução e a indefinição do mandado de segurança; a utilização do veto em um momento de pressão; a reação do Legislativo ao veto; a medida provisória como instrumento assessório do veto; a utilização do controle de constitucionalidade como limitador das decisões do Legislativo. Todos esses instrumentos, que representam em alguma medida instrumentos de check and balances, são observáveis e analisados neste caso.

Este caso permite retomar os pressupostos teóricos da pesquisa a fim de confirmar a análise e descrição deles, nessa situação específica. É possível confirmar que a separação dos poderes torna-se mais completa quando analisada e compreendida na prática da relação entre as instituições. Também é possível observar alguns dos principais instrumentos de funcionamento do sistema de check and balances, que foram previstos em O Federalista e descrito por Vile. Verifica-se, a partir dos documentos, a constante disputa e usurpação de

poderes entre os poderes. Confirma-se que o STF, em casos excepcionais, atua no controle preventivo de constitucionalidade, atuando como definidor da juridicidade dos demais poderes, como destacado por Dimoulis et al. (2014), Vieira (2008), Cunha e Ramos (2013), Arantes (2004), Pessanha (2002), Veríssimo (2008) e outros. E também é possível observar o veto como reflexo de um conflito anterior ao projeto de lei, como destacado por Grohmann (2013), Moya (2006), Tsebelis (2008), Abranches (1988), Lijphart (2011) e outros.

Portanto, este é um caso que permite não só fazer descrições e observações do sistema prático da relação entre os poderes a partir de questionamento de veto no STF, como também permite fazer reflexões quanto as descrições teóricas sobre o tema. Contudo, também demonstra que é necessário incluir o Judiciário na análise do veto, devido ao potencial papel de mediador de conflitos entre os poderes, nesses casos, que este órgão representa.

Além disso, especificamente ao STF, é possível fazer algumas reflexões sobre essa instituição.

A primeira diz respeito à diferença em termos de estrutura argumentativa entre os dois casos (MS-MC 31816 e MS-MC-AgR 31816). A liminar do ministro Luiz Fux preocupou-se em apontar diversos pontos teóricos para justificar a sua decisão; posteriormente, preocupou-se em apresentar a lógica jurídica interpretativa da CF/88 que ele estava utilizando para conceder a liminar. Apesar de falhas e pontos obscuros que são possíveis de apontar, o voto do ministro Luiz Fux foi bem construído.

A decisão do STF no MS-MC-AgR 31816, por outro lado, mostrou uma reunião de votos com entendimentos comuns quanto ao fato (inconstitucionalidade do ato praticado pelo Congresso Nacional), mas, sem preocupação de encampação de uma lógica jurídica. Nesse sentido, o voto condutor do ministro Teori Zavascki apresenta o raciocínio jurídico de inconstitucionalidade do ato do Congresso Nacional, mas, no momento de justificar o porquê da suspensão da liminar, o ministro apresenta, apenas, questões fáticas para justificá-la. Além disso, mesmo os ministros discordando de diversos pontos quanto a procedimentos e limites dos próprios instrumentos processuais por eles julgados, isso não os impediu de concluir o julgamento sem fazer nenhuma indicação de como resolveriam esses impasses.

As consequências desse casos são perceptíveis, não só pela própria manifestação dos ministros no caso, mas também pelas notícias trazidas nesta pesquisa. A situação que foi criada nos 40 dias posteriores à decisão liminar foi preocupante e de paralisia. Contudo, esse argumento pautado em consequencialismo, por si só, é suficiente para superar o ato inconstitucional praticado pelo Congresso? Em outras palavras, o sistema político estava produzindo há 13 anos leis viciadas, o que é um grave problema no Estado democrático de

Direito. Diante dessa constatação, o argumento de que se a decisão manter a liminar possivelmente geraria uma crise no Estado, é suficiente para fechar os olhos ao ato?

A segunda reflexão, não é só a questão das inconstitucionalidades do Congresso ou do Executivo, mas do próprio STF. O STF, por meio de decisão liminar, antecipou uma decisão que paralisou o sistema democrático de Direito, para impedir a prática de um ato inconstitucional. Contudo, se há indícios fortes de que a decisão não seria confirmada pelo plenário da Corte ao final e; há desrespeito ao próprio entendimento da Corte, de não conceder liminar nesses casos; então, não representaria um ato de inconstitucionalidade pela própria Corte, por violação ao devido processo legal, ao contraditório e a outros direitos estruturantes do Estado democrático de Direito?

E diante desse eventual ato inconstitucional, qual foi o reflexo, para o STF, dessa decisão? Ao menos externamente, nenhum. Enquanto a decisão tomada afetou o andamento regular das instituições democráticas do Estado, o que, reflexamente, afeta toda a sociedade, o STF entrou em período de recesso. Não parece ser sensato admitir que atos desse tamanho não tenham consequências a essa instituição.

Organizando as reflexões propostas até o momento – juntamente com àquelas feitas em tópicos anteriores deste capítulo –, a partir deste estudo de caso, é possível apresentar três pontos de questionamentos referentes ao STF:

(i) É legítimo, em um Estado democrático de Direito, que o STF controle os atos do poder legislativo e os declare inconstitucionais, mesmo que ao fazer isso o próprio STF viole a constituição? Isso porque, ao conceder uma decisão liminar que não se confirmaria ao final pelo plenário e que violaria jurisprudência da Corte quanto ao tema, a própria decisão estava ferindo direitos fundamentais e estruturais, como o devido processo legal e o direito ao contraditório, além de ilegalidades processuais.

(ii) Qual é a legitimidade, política ou jurídica, do STF para tomar decisões que afetam o trabalho regular do poder Legislativo, e reflexamente toda a sociedade, e não ter nenhuma consequência pelos erros e abusos cometidos por essa decisão? Isso porque, mesmo não sendo o melhor dos sistemas em termos práticos, o Executivo, ao cometer erros e abusos, é penalizado pela lei de improbidade administrativa; o Legislativo possui responsividade política, prestando contas de seus atos aos seus eleitores e, além disso, responsabilidade jurídica, podendo ser penalizado pela lei de improbidade administrativa; contudo, especificamente ao STF, quais são as consequências dos seus atos?

(iii) Uma decisão jurídica do STF, sem aprofundamento jurídico de justificação do ato, que tenha mais análises e fundamentos consequencialistas, é legítima? Afinal, as formalidades jurídicas são o campo e também o limite de atuação do poder Judiciário, mesmo em análise de matérias com grandes influências e reflexos políticos.

7. CONCLUSÃO: RELAÇÃO ENTRE OS PODERES E O APERFEIÇOAMENTO