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Os três reinos: Loango, Kakongo, e Ngoyo

No documento TCHIKUMBI: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 58-79)

1.2 Cabinda: História e surgimento dos três reinos

1.2.1 Os três reinos: Loango, Kakongo, e Ngoyo

Segundo Lelo e Cristina (2013) , o Reino do Loango era o maior e o mais poderoso entre os três Reinos englobava o território do Rio Kuilo na atual República do Congo Brazaville, abarcando as localidades dos municípios de Buco Zau e Belize, assim como toda a área que se encontra coberta pela densa Floresta do Mayombe, quer no território Angolano, no Congo Brazavilli e no Congo Democrático. (p. 39)

57 Figura 4 - Mapa dos Reinos Loango, Kakongo, e Ngoyo

Fonte: (MARTINS, 1972, p. 12).

Os vili28 do Loango, segundo testemunhos linguísticos, são um ramo de grande família Kongo dos Bantu Centrais Ocidentais. A sua língua é um dialeto falado em M´Banza Kongo (São Salvador), a capital do Reino do Kongo (MARTIN, 2010, p. 21). Segundo a tradição, Tumba, o filho da princesa Lilotxa M´Puenha (um dos trigêmeos), ficou conhecido como sendo o primeiro Rei do Loango (PINTO, 1997, p. 53).

Podemos constatar em Martin (2010, p. 55) e Santa (2014) que os portugueses já conheciam o Loango muito antes da famosa viagem do Diogo Cão em 1483 no século XV, da dita “descoberta”. Por volta de 1481, exploradores saindo de Lisboa tinham atingido a costa de Santa Catarina e a partir daí desceram a costa do Loango. Mas o real destino dos portugueses era encontrar o caminho marítimo que os levasse para as Índias e o reino de Prestes João, não demoraram na costa do Reino do Loango e continuaram para o sul.

A capital do Reino tinha o nome de Buáli, uma cidade enorme tanto em tamanho como em relação ao número populacional, ficava situada numa grande planície e levava cerca de duas horas de caminho da costa atlântica para se chegar. A cidade de Loango era sempre confundida

28 Os Vili são povos que abarcam as localidades entre os municípios de Buco Zau e Belize assim como toda a área que se encontra coberta pela densa Floresta do Mayombe em Cabinda, quer no território Angolano, no Congo Brazaville e no Congo Democrático. A região do antigo reino do Loango.

58 como sendo a capital do Reino do Loango, isto porque na região existiu um porto muito famoso e visitado pelos europeus, o porto de Mpinda, uma região onde o comércio era muito forte no Loango, no local existia uma grande disputa entre os portugueses e holandeses. Na verdade, a região era tão simplesmente o principal centro comercial devido ao seu movimento portuário que era maior (PINTO, 1997, p. 53).

Martin (2010) nos mostra que “o Maloango era a figura principal na estrutura deste poderoso reino do Loango” (MARTIN, 2010, p. 21). O Maloango era uma espécie de legislador supremo e protetor do povo, sendo assim a máxima instância de todas as atividades administrativas, a nível local e nacional. O Reino do Loango tinha uma organização administrativa rigorosamente hierárquica onde todo o poder provinha do Maloango, que nomeava os funcionários.

A principal divisão social na sociedade Vili era entre a aristocracia tradicional e o resto da população. De acordo com Martin, “as fontes do século XVII referem-se pouco sobre a maioria da população Vili isso porque segundo o autor o Maloango e os nobres monopolizavam a atenção dos visitantes europeus” (MARTIN, 2010, p. 40).

Quanto à questão política, econômica e social do Loango, podemos dizer que o poder político, econômico e social era altamente centralizado no Reino do Loango de uma forma muito tradicional, onde o Maloango exercia uma autoridade em todos esses domínios, sendo esta posição reforçada pela sua natureza semi divina, o que lhe conferia a responsabilidade de garantir a estabilidade social. Mas o poder no Reino de certa forma era partilhado com uma Aristocracia Tradicional que herdou uma posição privilegiada dos primeiros Vili através da herança matrilinear (MARTIN, 2010, p. 205).

A economia tradicional do Loango era relativamente complexa e isso pode ter encorajado a utilização de escravo. Um claro exemplo é fornecido por Dapper, ele relatou que os Vili enviavam escravos para o interior a fim de comprarem escravos e marfim, para possibilitar que o marfim fosse transportado para costa sem despesa.

(MARTIN, 2010, p. 43).

O Rei, o Maloango, vivia uma vida reclusa no seu palácio em Buali, limitado assim a vários privilégios, como ao de ver o mar e circular livremente em vários outros lugares da região, como símbolo de lealdade ao povo. O Rei também administrava em público o Reino, julgava disputas ou causas criminais, alguns dos seus assuntos diários, como por exemplo debater questões de guerra e paz, promulgava novas leis, nomeava funcionários e também discutia questões que estavam relacionadas ao comércio (MARTIN, 2010, p. 36).

59 Os Reinos menores também pagavam ao Loango um pequeno tributo, devido ao seu poderio militar, o reino do Loango era muito respeitado pelos seus vizinhos Kakongo e Ngoyos em meados do século XVII, e estes reconheciam o poder do Loango e se viram obrigados a pagar, tributos ao Loango na pessoa do Maloango com presentes e não só.

A terra pertencia à comunidade, mas o Rei local gozava de direitos de usufruto no Loango. A terra foi confiada por Nzambi a Maloango, ele era assim o mfumu nssi, uma figura Divinidade de todo o reino. A terra a princípio foi dividida com base nos clãs, possuindo cada um à sua própria unidade designada Libuku. “Para os vili no Loango, Maloango tinha um estatuto semidivino devido ao seu relacionamento único com Nzambi, o Criador. Logo era visto como o Juiz Supremo” (MARTIN, 2010, p. 40).

Outro importante grupo social no Reino do Loango foi o constituído por princesas, que abrangia uma minoria de “mulheres” da região. As princesas do Reino do Loango constituíam outra importante classe social, porque no fim das contas, “o poder provinha delas”, das Bichiento. Na sociedade dos Vili do Reino do Loango, o estatuto de um Bakala sempre dependia da sua mãe, sendo ele livre ou um escravo. Mas ao contrário do tratamento dado às mulheres de uma forma geral, as princesas eram tratadas com muito respeito (MARTIN, 2010, p. 41).

O maior entre os três Reinos Loango ficou na história como um Reino muito poderoso e temido pelos seus vizinhos, Kakongo e Ngoyo, e também temido e disputado pelos europeus.

Mas nas falas de Dierick Ruiters citado por Martin (2010) “ao visitar a região na primeira década do século XVII, relatou que os holandeses eram preferidos aos portugueses em Mpinda e que o Maloango dizia abertamente que preferia negociar com os Holandeses” (DIERICK RUITERS apud MARTIN, 2010, p. 64). Isso porque o Maloango praticava uma política de livre comércio com os europeus e os holandeses, por possuírem os artigos de maior qualidade estavam em boa posição para acabar com a supremacia dos Portugueses do Reino, fazendo com que eles se estabelecessem com mais força na costa do Loango nos anos de 1608-1612.

O Reino do Kakongo que estava limitado ao Norte na estrada da grande Floresta do Mayombe e ao Sul, junto à margem do Rio Lulondo, aglutinando hoje localidades do município de Cacongo, as comunas de Malembo e Tando Zinze, atualmente na jurisdição do município de Cabinda, com destaque para as localidades do Fútila, Buco Mazi, Caio Caliado, Zenze do Lucula, Chingundo entre outras (DUNGE, 2019, p. 28).

60 Martins (1972) nos traz outro limite geográfico do Reino do Kakongo:

O Reino de Kakongo tinham o mar como fronteira poente, e começava da margem esquerda do Rio Loango-Luizi até à margem direita do Rio Lulondo29, na atual aldeia do Buku-Mazi. No interior, o Reino de Kakongo estendia-se quase até terras da famosa Floresta do Maiombe e refletia para Sul quase até Boma. Fazia fronteira com o Reino de Ngoyo, através do Kalamo, pequeno riacho junto a Boma (MARTINS, 1972, p 83).

Era o segundo maior reino entre os três, e tinha como a figura principal na estrutura do Reino o Manikakongo.

O Reino do Kakongo foi descrito como terra populosa e agradável, tendo como uma grande vantagem o sistema do rio Chiluango, que penetrava no Mayombe e que juntava ao Rio Congo na estação das chuvas, era vantajoso para o comércio. Malembo era o principal Porto do Reino do Kakongo, no Atlântico (MARTIN, 2010, p. 43).Segundo Pinto (1997) “Silo terá sido a primeira rainha de Kakongo, instalando-se a capital em N´Tchiêngele, junto a Kakongo Songo, hoje na República do Zaire” (PINTO, 1997, p. 49).

Contrariamente ao cenário observado no Loango em relação à preferência do Maloango pelos holandeses, no reino do Kakango os holandeses não conseguiram explorar o comércio e tiveram menos sucesso na região, isso porque o governante de Kakongo, o Manikankongo, mostrou-se mais interessado em estabelecer relações com os portugueses, como é possível verificar segundo Martin (2010) e Pinto (1997) “como exemplo o acontecimento de 1606, um Emissário do Manikakongo foi recebido em Luanda, Levou um presente do Rei para o bispo de Luanda e um pedido para que fossem enviados padres para batizar o Rei e todo povo”

(MARTIN, 2010, p. 66). Mas o prometido não foi comprido pelos portugueses, os portugueses não tivessem enviados missionários para a região de Kakongo, esse acontecimento não impediu que houvesse uma relação entre as duas partes, e por volta de 1630, os portugueses conseguiram estabelecer um comércio com o Reino do Kacongo (MARTIN, 2010, p. 71).

O menor entre os três, o Reino do Ngoyo30que abarcava o território desde o Norte do Rio Lulondo que desagua na localidade do Buco Magi até a margem Sul do Rio Zaire, também

29 “O Lulondo, outrora, chamar-se-ia também Mbele, tomando este nome de um recife que se encontrava quase em frente da sua foz e que por ter certa configuração com uma faca (Mbele) esse nome lhe deram” (MARTINS, 1972, p 83).

30 Também conhecido como o Reino de Benda ou M´Panzu- Lumbu (SANTA, 2014, p. 12).

61 denominado de Rio Cacongo. Englobava a localidade de Muanda e a Cidade de Boma, atual República Democrática do Congo (LELO e CRISTINA, 2013, p. 39).

Segundo Martin (2010, p. 43) "Tanto o Kakongo como o Ngoyo eram considerados menores em superfície que o Loango”. O mesmo autor nos apresenta também outra versão dos limites geográficos do Reino do Ngoyo aparecendo “com o mar a poente, era limitado, a Norte, pelo Lulondo (também limite de Kakongo) ao Sul, pelo Zaire e estendendo-se para o interior até ao Kalamo, junto a Boma, sendo esta terra ainda pertença do antigo Reino” (MARTINS, 1972, p 83).

O Reino do Ngoyo tinha como cidade capital Mbanza Ngoyo, que ficava no interior, a cerca de dois dias de jornada da Baía de Cabinda (MARTIN, 2010, p. 43).

Existem várias versões em relação à existência e ao surgimento do Reino do Ngoyo, Segundo Santa (2014) uma das provas evidente da existência deste reino. Podemos encontrar na aldeia de Ngoio, situado entre a povoação do Ntó e Yema, na estrada da fronteira Sul com a República Democrática do Congo, ex Zaire que se diz berço do Reino do Ngoyo, (SANTA, 2014, p. 10)

Versão do Pinto (1997),

Na margem direita do rio Zaire e junto ao mar. Antes da vinda dos congoleses, existia já o reino de Benda, dos Panzelungos, que viria a dar origem ao N´Goyo, após ajuda militar que Ruy de Sousa (um poeta e diplomata) deu a D. João I do Congo, consolidando as conquistas dos seus antecessores (PINTO, 1997, p. 25).

Segundo as informações trazidas pelo autor Pinto (1997, p. 25) o Reino do Ngoyo se originou do Reino Benda dos Panzelungos, um Reino que já existia na margem direita do Rio Zaire e junto ao mar, antes da chegada dos congoleses. O território do Ngoyo só veio a ser conquistado pelos congoleses pós ajuda militar que Ruy de Sousa (um poeta e diplomata) deu a D. Joâo I do Congo, consolidando as conquistas dos seus antecessores, neste caso Ngoyo.

Existia um Reino junto ao mar, o Reino de Panzelungo, mas com a emigração dos congoleses eles foram invadidos pelo Reino do Kongo e estes cederam o território, tendo-se formado o Reino do Ngoio. “O antigo Reino do Ngoio vinha até ao Zaire estendendo-se pela sua margem direita até, pelo menos, à atual Cidade de Boma, da República do Zaire” (MARTINS, 1972, p.

83).

O conhecido e célebre Reino do Congo teve como partes integrantes e mais tarde só tributárias os Reinos de N'Goio, Cacongo e Loango, que, no entanto, na Corte

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Portuguesa eram conhecidos pela designação genérica de Cabinda, estendendo-se do Rio Quilo ao Zaire, se adicionarmos a sul do N'Goio o Reino de Benda ou M'panzuLumbu.» (MARTINS, 1972 p. 83).

O Reino, o Ngoyo era uma região muito fértil devido a vários rios afluentes do Congo, a literatura nos mostra que os nativos do reino do Ngoyo tinham a reputação de serem bastante agressivos, por isso mesmo sendo um reino pequeno era temido pelo seu vizinho, o poderoso reino de Kakongo (MARTIN, 2010, p. 43)

Martin ainda nos informa que Ngoyo só não atacava o Kakongo por temer que o Loango se intrometesse no conflito a favor do inimigo. Ngoyo já pertenceu ao reino de Kakongo, por isso a hostilidade entre os dois reinos no século XVII, tinha uma história em comum (MARTIN, 2010, p. 44).

Os limites das terras do atual Cacongo e Ngoyo são resultado da Conferência de Berlim – 1885, por acordo internacional entre o Estado Independente do Congo, da atual República Democrática, e o nosso Governa, ficando assim uma parte desses Reinos no território da República do Congo Democrático, isso é, gente do clã Bakongo e Bauoio, ainda que as suas sedes hajam permanecido do nosso lado, em Angola (MARTINS, 1972 p. 83).

Segundo Merolla (apud MARTIN, 2010) e Santa (2014) o Reino do Ngoyo conseguiu a independência do reino do Kakongo:

Um chefe do Ngoyo desposou uma jovem mulata, filha de um rico comerciante português. Este último, ansioso por aumentar o seu poder, encorajou o genro a rebelar-se contra o rebelar-seu surebelar-serano, o Manikakongo. Foi bem sucedido neste empreendimento.

O elemento portugues na tradição sugere que estes eventos tiveram lugar no século XVI. A despeito do fato de o Ngoyo ser mais pequeno que Kakango, de modo nenhum se sentia intimidado pelo seu antigo senhor, porque os Woyo tinham reputação de ser bons soldados. Na verdade, eles podiam ter atacado Kakongo se não tivesse sido pelo fato de que temiam que o Loango pudesse intervir a favor do inimigo (MARTIN, 2010 p.44).

Martins (1972, P. 16) também reforça essa versão trazida por Martin (2010) em relação à revolta do Ngoyo com o Reino do Kakongo e da presença portuguesa no ocorrido, nos traz o Angoy (Ngoio), que tinha o título de Reino, mas que devido a sua pequena dimensão não lhe era dado o merecido. Por isso estava sujeito ao Reino de Kakongo, segundo o autor um Mani (Senhor) do Reino, tendo casado com uma mulata, filha de um rico português, aproveitou das riquezas e créditos do sogro para se revoltar contra o soberano Mangoio.

63 Em terras de Loango, Kakongo e Ngoio, quase desde 1500, existiu uma presença portuguesa, até já mestiçada. Concorda com a história independência do kakongo por conta do comerciante português.

O Mangonyo era a figura principal na estrutura do Reino do Ngoyo. Segundo Mambuco (2014, p. 6) Mafuta Binda, o homem destinatário do Rei de Ngoyo, se ocupava de todas as transações comerciais do Reino e com os europeus, por este motivo os europeus a denominaram de Ministro do Comércio Interno e Externo. (Mambuco, 2014, p. 6).

No Reino do Ngoyo a eleição do Rei fazia-se de entre os nobres varões, normalmente primogênitos da irmã do Rei, ou na sua falta, entre os irmãos da mesma mãe. Mas muitos Reis abdicaram da sua missão de entronização ou faleceram antes do tempo, porque as cerimónias de entronização eram demoradas, difíceis e dispendiosas, depois de vários ritos durante a cerimônia no final o Rei receberia o título de Man (Soberano) e de Muene (Senhor) e estaria disposto a não mais ver o mar, estabelecendo residência na capital, concordaria também em novo casamento com alguém de elevada linhagem. O Rei possuía todo o poder temporal e espiritual que transmitia aos chefes subalternos do Reino.

Podemos conferi na citação que as decisões do Rei nunca deveriam ser questionadas e sim tinha que ser recebidas sempre com um bom agrado pelos nativos, “quando tocava o tímbalo de duas bocas (N´Gogie). Os súbditos, mesmo que se tratasse de aplicação da pena de morte a alguém, ouviriam as ordens com respeito, batendo palmas e soltando gritos histéricos de alegria” (PINTO, 1997, p. 40).

No Reino de Ngoyo a Mue Lilo foi a primeira Rainha, uma das trigêmeas da Rainha Mue Puenha. Neste Reino os portugueses não eram os preferidos do Rei, mas sim os holandeses, eles foram melhores recebidos no Ngoyo, onde o governante era um Bakala idoso e grande inimigo do Maloango o Rei do Loango (MARTIN, 2010, p. 66).

Com o passar do tempo surgiram as grandes mutações sociais e a evolução histórica de Cabinda, por isso não é uma missão fácil historiografar nos dias atuais com precisão o reino do Ngoyo, desde o seu advento, seus limites geográficos e suas gentes. Mas em contrapartida se nos ativermos à literatura sobre a história de Cabinda, seu povo, sua cultura através da oralidade, conseguimos encontrar vários rastos que fazem do Ngoyo um grande Reino (SANTA, 2014, p.

10). O Reino do Kongo tinha como vassalos os Reinos do Ngoyo, Cagongo e Loango,

64 governados cada um deles por parentes do Rei, com o título de Ma (chefe), e segundo a tradição, eram todos filhos de Vua Li Mabene, a mulher dos noves seios (PINTO, 1997, p. 24)

Os três Reinos, Ngoyo, Kakongo e Loango estavam intimamente relacionados e possuíam os mesmos sistemas similares de governo, leis e costumes sociais. As suas populações eram falantes de línguas do Kongo muito parecidos. Como podemos ver as tradições dos Woyo, do Ngoyo e dos Kotchi, de Kakongo, revelam as suas conexões antigas com os Vili do Loango (MARTIN, 2010, p.44). Loango tinha uma hegemonia porque o poder militar dos Vili era muito respeitado pelos vizinhos meridionais do Kakongo e Ngoyo (MARTIN, 2010, 38).

Na região atual de Cabinda existiram três reinos, mas o nosso foco será a região atual do antigo reino do Ngoyo que foi o menor dos reinos, mas isso não fez dele um reino fraco nem menos cobiçado pelos portugueses e holandeses, as maiores potências europeus no século XVI.

O território dos três Reinos o Loango, Kakongo e Ngoyo, com a Conferência de Berlim em 1884-1885, passam a ter os atuais limites geográficos e a região do Ngoyo ganhou a denominação de município, sede da atual região de Cabinda que é onde se encontram os Buoio do Povo Grande.

1.2 .2 Cabinda: contexto provincial e aspectos políticos

O trabalho de pesquisa aqui desenvolvido é fruto de questionamentos e reflexões que venho mantendo há algum tempo sobre a minha própria realidade, procurando entender de onde venho, uma questão muito importante para mim. Desta forma, interessa-me compreender o contexto histórico da região e comunidade de onde provenho. De acordo com Buza, (2011)

No contexto africano31, os povos que hoje habitam a província de Cabinda, são considerados como sendo de origem “Bantu”. Suas origens étnicas são apontadas para o reino do Kongo, do qual faziam parte quase todos os povos que habitavam parte do território da República Democrática do Congo, do Gabão, República do Congo Brazaville e o Norte de Angola. Ou seja, os povos que hoje habitam Cabinda, são

31A cidade é considerada por muitos como um território que atualmente se estende por mais de 10.000Km. E segundo esses dados, vimos que é, pois um pequeno território à escala africana, todavia maior do que a Ilha de S. Tomé, a Ilha de Fernando Pó ou a ilha do Príncipe, quinze vezes a superfície da ilha da Madeira, vinte vezes maior do que as Seychelles (404 Km) e correspondendo cinco vezes mais extenso que a Ilhas Maurícias (1.856 Km² ) ou o Arquipélago das Comores e ainda a Gâmbia que mede 10.369 quilômetros quadrados ( MASSANGA, 2014, p. 98).

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provenientes do Kongo-Dia-Ntotela (Mbanza-Kongo) (BUZA, 2011, p. 3).

Cabinda constitui uma das dezoito províncias de Angola, situada mais a Norte do país.

“É um enclave, por não possuir ligação com o resto do território nacional, e uma população estimada em cerca de 700.000 habitantes”. (MASSANGA, 2014, p. 99).

Figura 5 - Mapa Geopolítico de Cabinda

Fonte: Google Disponível:https://www.google.com/search?q=mapa+cabinda&sxsrf=AOaemvLFafvcXGQFftQYH

Basto (2017) nos apresenta outra versão em relação aos dados dos limites geográficos do enclave, localizado na costa ocidental africana, com uma população estimada em 716,076 habitantes, com uma área de cerca de 7.283 km2 (

Bembe

, 2014; BASTOS, 2017, p. 1).

Aparece na literatura muita contradição em relação a esses limites trazidos pelos autores. Desde as delimitações e demarcações ocorridas durante a proclamação da independência de Angola perduram muitas controvérsias, quer sobre as dimensões, quer sobre a divisão administrativa e densidade populacional, dificultando o acesso a fontes fidedignas para a realização de estudos geográficos e detalhados sobre a real dimensão de Cabinda

(MASSANGA

, 2014, p. 100).

A província é composta por quatro municípios: nomeadamente, a Sul da província (municípios de Cabinda e Cacongo) e a Norte (municípios de Buco-Zau e Belize). Cabinda, com as comunas de Malembo e TandoZinze; Cacongo, com as comunas de Dinge e Massabi;

Buco Zau, com as comunas de Necuto e Inhuca; e o município de Belize com as comunas de

66 Miconge e Luali.

Cabinda está limitado a norte, nordeste e noroeste pela República do Congo (Brazzaville), a leste, nordeste e Sul pela República Democrática do Congo (Kinshasa), e a oeste é banhada pelo oceano Atlântico. Tem como capital cidade com o mesmo da província, sendo uma cidade do litoral, localizada na costa do oceano Atlântico, na África Central. Tem como língua oficial o português e o Ibinda como língua nativa.

Composta por uma população tão heterogênea, com variações entre os grupos em termos de hábitos e costumes, a população da área rural tem na agricultura a sua principal atividade (MASSANGA, 2014, p. 98).

Há quem afirme que os cabindas sejam etnicamente diferentes dos angolanos, mas, pelo contrário, estes povos são parentes próximos das populações do Zaire e do Congo. Importa esclarecer que não são próximos etnicamente destes povos como se diz, mas de uma parte dos povos destes países que antes da Conferência de Berlim faziam parte dos três reinos Ngoio, Kakongo e Luango e que em determinados momentos ou estádios de sua evolução fizeram parte do vasto reino de Kongo (MASSANGA, 2014, p. 101).

Segundo Bembe (2014) “na sua génese, a célebre questão de Cabinda, parece indissociável ao antigo Reino do Kongo”. Porque os três reinos que deram origem à atual região de Cabinda são fruto de desmembramentos do Reino do Kongo, reinos do Loango, Kacongo, e Ngoyo, situados junto à costa Atlântica, a norte do estuário do Rio Congo. Resultante da vontade insistente das gentes dos três reinos em adquirir um tratamento político-jurídico individualizado do respectivo território/enclave relativamente aos restantes do então gigantesco e poderoso Reino do Kongo (BEMBE, 2014, p.7).

De acordo com Basto (2017) é possível afirmar que tanto a região onde se insere Angola e Cabinda é produto da migração dos povos Bantu, que agregou étnico linguisticamente a região, assim como também não deixa de ser fruto da colonização portuguesa no continente africano, especificamente na zona da bacia do rio Congo, que agregou politicamente a região (DELGADO 1948 apud BASTOS, 2017, p. 14).

Primeiro com povos bantu do reino do Kongo de onde se desmembrou os reinos que formaram a atual Cabinda: Loango, Kakongo e Ngoyo. E depois fruto da colonização portuguesa, como nos mostra o autor Almeida (2013) “em África, onde a colonização e a repartição física do continente foram feitas à régua e esquadro por via da Conferência de Berlim e dos interesses “evangelistas” de algumas potências as populações dos dois Congos e de

67 Cabinda não tinham fronteiras e circulavam por um espaço físico histórica e sociologicamente comum” (ALMEIDA, 2013, p. 68).

Na região da atual Cabinda sempre existiu uma grande diversidade de povos, resultante da então diversidade de reinos existente, mesmo pertencentes ao mesmo grupo étnico linguístico –Bacongo (Quicongo no original). Os reinos do Loango, Kacongo e Ngoyo que se mantiveram até meados do século XVIII sob soberania do Reino do Congo durante as lutas intestinais que contribuíram para a derrocada do antigo e complexo Reino do Kongo (BASTOS, 2017, p. 15).

Daqui podemos deduzir que Cabinda apesar da sua especificidade, historicamente, tem as suas origens ao povo banto de Angola, cuja, a maioria do território repartia-se no Norte, entre os reinos de N’Dongo, e Bacongos, incluindo, Cabinda formado por um conjunto de reinos mais pequenos e de maior diversidade, em relação ao resto do país (BASTOS, 2017, p. 15).

Ainda de acordo com Bastos (2017) o território de Cabinda sempre esteve associado a disputas, desde o período colonial entre as potências europeias, na era colonial a província foi uma das melhores cidades que atraía turistas e comerciantes europeus. Sendo um lugar estratégico para as transações comerciais e uma localidade muito rica em recursos naturais, por isso não foi por acaso que Cabinda sempre foi considerado como um lugar com muito potencial para o comércio. No entanto, a situação agudizou-se durante e após os processos das independências em África.

De resto, os testemunhos escritos deixados por comerciantes e missionários, que conviveram de perto com os cabindenses, são coincidentes na constatação de que estes, mesmo quando na condição de escravos e isolados do seu grupo social de referência, procuram «manter e fazer reconhecer os seus tesouros clãnico-tribais e o seu estatuto social anterior, designadamente se lhes corresponde o poder e o prestígio de uma origem genealógica que os distinguem relativamente ao homem comum (RIBEIRO 1995 apud BEMBE, 2014, p.34).

Nas vésperas da Conferência Internacional de Berlim, em novembro de 1884, surgiu um sentimento de insegurança e pânico por partes de vários povos africanos, impulsionados por motivações de natureza política e psicológica, traduzidas no medo que esse acontecimento viria causar no futuro dos seus reinos. Portugal, sabendo do interesse que o território despertava nas outras colônias, não hesitou em propor aos autóctones o acordo e os cabindenses sabendo que o território era uma das regiões africanas mais cobiçadas por diversas potências colonizadoras europeias, do mesmo modo tendo também o conhecimento da existência do princípio das

68 esferas de influência ( que defendia e protegia zona onde outras potências tinham que se abster de qualquer tentativa de ocupação), solicitaram de imediato a proteção do rei de Portugal, que se concretizou com a celebração de três regimes de «protectorados» assinados entre as autoridades portuguesas e os respetivos reis em exercício nos reinos de Kakongo, Loango e Ngoyo.

Os dois primeiros regimes de protectorado foram o Tratado de Chinfuma assinados em 29 de setembro de 1883 e o Tratado de Chicamba em 26 de dezembro de 1884 ambos foram assinados ainda no séc. XIX, entre as autoridades portuguesas com as autoridades dos reinos de Kakongo e Loango (BEMBE, 2014, p. 29).

Ainda mediante o medo e as desconfianças de um futuro incerto para seus povos, os cabindenses decidiram assinar um terceiro regime de protetorado, este mais relevante, e assinado entre os representantes da Coroa Portuguesa e do reino do Ngoyo, o Tratado de Simulambuco (01 de fevereiro de 1885). Para Miranda e Zablonsky (2016), o Tratado de Simulambuco aparece como um reforço, uma reoficialização dos acordos anteriores estabelecidos entre portugueses e alguns Reinos Kongo dessa região, reforçando a influência lusa nessa região da foz do Congo, de enorme potencial. Fazendo com que logo após a essa oficialização de protetorado português sobre Cabinda se construísse a povoação de Cabinda, tendo como primeiro governador da região João Antônio das Neves Ferreira, por volta de 1887 (MIRANDA & ZABLONSKY, 2016, p. 2).

Durante a Conferência de Berlim foi constatado de que Cabinda já era “esfera de influência” portuguesa, e isso afastou, em alguma medida, as pretensões das outras potências em relação ao controlo e disputa da região, que era o desejo dos autóctones e também de Portugal (BEMBE, 2014, p.30).

É certo que o Tratado falava em protectorado; mas a noção, em muitos meios tácita, de que Cabinda era um espaço geográfico que fazia parte integrante da possessão colonial de Angola nunca foi diretamente posta em causa, há época, nem por Portugal, nem pelas outras potências coloniais” (BEMBE, 2014, p.30).

De acordo com Miranda e Zablonsky (2016) em 1955 ainda no regime salazarista, Portugal passa a entender Cabinda como distrito de Angola, para facilitar a administração dos dois territórios, mas na prática tanto Portugal como Angola reconheciam a relativa autonomia que o enclave possuía (MIRANDA & ZABLONSKY, 2016).

No documento TCHIKUMBI: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 58-79)