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TCHIKUMBI: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS

MARGARIDA DUETE LOURENÇO BENDO

TCHIKUMBI:

RITUAL DE INICIAÇÃO DAS BICHIENTO E SUAS IMPLICAÇÕES NAS RELAÇÕES DE PODER EM CABINDA, ANGOLA

Salvador 2022

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MARGARIDA DUETE LOURENÇO BENDO

“TCHIKUMBI”:

RITUAL DE INICIAÇÃO DAS BICHIENTO E SUAS IMPLICAÇÕES NAS RELAÇÕES DE PODER EM CABINDA, ANGOLA

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Estudos Étnicos e Africanos.

Linha de Pesquisa: Estudos Africanos

Orientadora: Prof.ª. Drª. Patrícia Alexandra Godinho Gomes

Salvador 2022

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Universidade Federal da Bahia

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS (POSAFRO)

Rua Augusto Viana, s/n - Canela - Salvador/BA - CEP 40110-909 Telefax: (71) 3283-5504 •

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª. Drª. Patrícia Alexandra Godinho Gomes - Universidade Federal da Bahia (UFBA) (Presidente)

Prof. Dr. Omar Ribeiro Thomaz - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Examinador Externo à Instituição

Prof.ª Drª. Angela Lucia Silva Figueiredo - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Examinadora Interna

Profª. Drª. Cristiane Santos Souza – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro- Brasileira (UNILAB)

Examinadora Interna

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Universidade Federal da Bahia

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS (POSAFRO)

Rua Augusto Viana, s/n - Canela - Salvador/BA - CEP 40110-909 Telefax: (71) 3283-5504 •

Ata da sessão pública do Colegiado do PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS (POSAFRO), realizada em 02/09/2022 para procedimento de defesa da Dissertação de MESTRADO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS no. <numAta/>, área de concentração Estudos Étnicos e Africanos, do(a) candidato(a) MARGARIDA DUETE LOURENCO BENDO, de matrícula 2019111910, intitulada TCHIKUMBI: ritual de iniciação das Bichiento e suas implicações nas relações de poder em Cabinda, Angola. Às 14:00 do citado dia, Virtual, foi aberta a sessão pelo(a) presidente da banca examinadora Profª. Dra. PATRICIA ALEXANDRA GODINHO GOMES que apresentou os outros membros da banca: Profª. ANGELA LUCIA SILVA FIGUEIREDO, Profª. CRISTIANE SANTOS SOUZA e Prof. Dr. OMAR RIBEIRO

THOMAZ. Em seguida foram esclarecidos os procedimentos pelo(a) presidente que passou a palavra ao(à) examinado(a) para apresentação do trabalho de Mestrado. Ao final da apresentação, passou-se à arguição por parte da banca, a qual, em seguida, reuniu-se para a elaboração do parecer. No seu retorno, foi lido o parecer final a respeito do trabalho apresentado pelo(a) candidato(a), tendo a banca examinadora aprovado o trabalho apresentado, sendo esta aprovação um requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Em seguida, nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão pelo(a) presidente da banca, tendo sido, logo a seguir, lavrada a presente ata, abaixo assinada por todos os membros da banca.

Dr. OMAR RIBEIRO THOMAZ, UNICAMP Examinador Externo à Instituição

ANGELA LUCIA SILVA FIGUEIREDO, UFRB Examinadora Interna

CRISTIANE SANTOS SOUZA, UNILAB Examinadora Interna

Dra. PATRICIA ALEXANDRA GODINHO GOMES, UFBA Presidente

MARGARIDA DUETE LOURENCO BENDO Mestrando(a)

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Universidade Federal da Bahia

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS (POSAFRO)

Rua Augusto Viana, s/n - Canela - Salvador/BA - CEP 40110-909 Telefax: (71) 3283-5504 •

FOLHA DE CORREÇÕES

Autor(a): MARGARIDA DUETE LOURENCO BENDO

ATA Nº 722

Título: TCHIKUMBI: ritual de iniciação das Bichiento e suas implicações nas relações de poder em Cabinda, Angola

Banca examinadora:

Prof(a). OMAR RIBEIRO THOMAZ Examinador Externo à Instituição

Prof(a). ANGELA LUCIA SILVA FIGUEIREDO Examinadora Interna Prof(a). CRISTIANE SANTOS SOUZA Examinadora Interna Prof(a). PATRICIA ALEXANDRA GODINHO

GOMES

Presidente

Os itens abaixo deverão ser modificados, conforme sugestão da banca

1. [ ] INTRODUÇÃO

2. [ ] REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3. [ ] METODOLOGIA

4. [ ] RESULTADOS OBTIDOS

5. [ ] CONCLUSÕES

COMENTÁRIOS GERAIS:

A pesquisa desenvolvida por Margarida Duete Lourenço Bendo insere-se na área dos estudos africanos de gÇenero, vertendo sobre uma temátiva de relevo que coloca as mulheres no centro da análise em relação a um ritual de iniciação praticado em um contexto do enclave de Cabinda, Angola. O trabalho de dissertação desenvolvido por Margarida demonstra não só o engajamento da candidata em relação à sua própria realidade cultural, bem como contribui para o debate de gênero em Angola em particular e no continente africano, em geral, a partir de uma lente crítica, seja em termos históricos que teórico-conceitual. Não menos importante, a dissertação vem contribuir para os estudos africanos de gênero desenvolvidos a partir do Brasil, somando-se ao volume crescente de pesquisas nesta área que têm contribuído para a ncessária releitura da literatura e das fontes sobre o tema, no Brasil e no continente africano..

Globalmente, a pesquisa apresenta-se bem elaborada, com objetivos defenidos de forma clara e coerentes com a bibliografia citada. De realçar a importância do trabalho etnográfico desenvolvido pela candidata em Cabinda (Angola), tendo possibilitado à mesma alcançar resultados importantes e determinado a qualidade desejada para a

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Universidade Federal da Bahia

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS (POSAFRO)

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dissertação. Tendo em conta tudo o que foi acima referido, a banca examinadora decidiu, por unanimidade, pela aprovação da dissertação, recomendando apenas correções menores ao texto antes do depósito da versão final.

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Declaro, para fins de homologação, que as modificações, sugeridas pela banca examinadora, acima mencionada, foram cumpridas integralmente.

Prof(a). PATRICIA ALEXANDRA GODINHO GOMES

Orientador(a)

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente a Mzambi\Deus, pela sabedoria e conhecimento.

A minha mãe Maria das Dores Muendo Lourenço e a minha família.

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AGRADECIMENTOS

Numeroso caminho tive que percorrer até chegar aqui, acredito que foi necessário passar por todos os empecilhos a fim de tornar-me melhor ser humano e acadêmica. E, ao longo desse caminho, pude contar com a ajuda e apoio direto ou indireto de várias outras pessoas e instituições, o que fez com que conseguisse realizar esta dissertação.

Em primeiro lugar agradecer a mim mesma por não ter desistido no meio do caminho mediante a vários empecilhos. Motivos não faltaram...

Agradeço a minha querida mãe Maria Das Dores Muendo Loureço, minha interlocutora.

É com lágrimas nos olhos que escrevo esse parágrafo, porque só eu e ela sabemos de onde saímos e de tudo que já passamos juntas com as minhas irmãs, e onde estamos agora. Ainda temos muitos sonhos a realizar, mas juntas sei que sempre será possível. Agradeço-te por ser a melhor mãe do mundo para mim e para as minhas irmãs: Rita da Graça Mankafi e Virginia Maria Bonito Capita, por não me deixar desistir nunca em muitas das crises de desespero que tive quando eu pensava que não adiantava mais seguir em frente. Obrigada minha mãe, minha heroína, meu porto seguro e meu exemplo de força e de determinação que sempre esteve presente em todas as etapas da minha vida. Agradeço ao meu pai, José Nicolau Simba, por ser meu pai por apoiar os meus estudos em Angola até a minha chegada à Bahia\Brasil.

Agradeço à Prof.ª Drª. Patrícia Alexandra Godinho Gomes, minha orientadora, por orientar a minha pesquisa, por caminhar comigo nessa escrita da Dissertação (um sonho realizado) e pelos conhecimentos adquiridos ao longo do processo, pois ambas sabemos que não foi fácil chegar até aqui, mas com muita força e dedicação conseguimos.

Agradeço ao meu amigo e ex-professor, o Prof. Dr. Joaquim Paka Massanga, um grande pesquisador e docente da mesma instituição, que me concedeu através de um pedido formal ao responsável da biblioteca a possibilidade de levar para casa as monografias selecionadas, para serem escaneadas uma vez que a Biblioteca não autorizava esse procedimento, e assim facilitou o meu trabalho.

Agradeço ao meu tio Francisco Angó pela grande ajuda, por ter me recebido em sua biblioteca (em casa), por ter toda paciência do mundo comigo e por ter me disponibilizado matérias (livros e manuscritos pessoais) que contribuíram bastante nesta pesquisa.

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As minhas tias e tios, as minhas irmãs e irmãos, as minhas primas e primos, as minhas sobrinhas e sobrinhos. A minha família no geral por serem sempre maravilhosos comigo;

Agradeço a todas minhas amigas e meus amigos que me apoiaram nesse processo, em especial ao meu grande amigo Frantz Rousseau Déus e a minha tia\amiga Ana Luzia Pires Lobo por serem os meus anjos da guarda, desde do princípio desta escrita e por estarem comigo incondicionalmente em vários momentos difíceis dessa escrita em que precisei de ombros amigos.

Agradeço ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, por ter escolhido o meu projeto e a mim, e por ter contribuído muito para a minha formação de mestrado;

Agradeço a minha turma de mestrado, Seleção Pós-Afro 2018-2019, por serem colegas e amigos maravilhosos e por terem tornado as aulas e os debates muito mais agradáveis e especiais. Já estou com saudades dos nossos momentos pós-aula nos bares;

Agradeço aos meus professores, porque aprendi bastante com vocês em sala de aula e em cada momento de conversa fora das aulas;

Agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela bolsa concedida, sem ela talvez não seria possível chegar no final desta da escrita com excelência e resistência;

Agradeço a Biblioteca do ISCED (Instituto Superior de Ensino e Investigação em Ciências da Educação), por me fornecer várias matérias (monografias) que contribuíram na realização deste trabalho.

E por fim, mais uma vez agradeço a Tata Nzambi: Matondo ( muito obrigada Deus).

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BENDO, Margarida Duete Lourenço. Tchikumbi: Ritual de Iniciação das Bichiento e suas Implicações nas Relações de Poder em Cabinda, Angola. 172 fls. Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.

RESUMO

A pesquisa que deu origem a esta dissertação pretende compreender a dinâmica em torno do ritual de iniciação das Bichiento, Tchikumbi entre os Bauoio1 do Povo Grande2 na província de Cabinda, Angola. São analisadas as implicações do ritual nas relações de poder entre Bakala3 as Nchiento4 Bauoio do Povo Grande em Cabinda, uma vez que o ritual se enquadra numa das fases de iniciação das ikumbi para a vida adulta, ou seja, apresentá-la à sociedade, como estando apta para a vida jovem/adulta ao tornarem-se Bichiento. Nesta análise levamos em conta as relações de poder a partir do Tchikumbi, como o ritual se insere dentro dos seus contextos endógenos de reprodução e de conhecimento, buscando entender a dinâmica da prática enquanto estrutura de poder social. Por fim, procurando (re)constituir as histórias de vida de duas Bichiento, levando a cabo proposta das narrativas encruzilhadas, das interlocutoras: Maria Das Dores (minha mãe) e eu mesma Margarida Duete. Principalmente, as nossas experiências enquanto pertencentes à etnia Bauoio, em relação ao processo do ritual, uma vez que passamos pelo ritual de iniciação das Bichiento, o Tchikumbi, embora em momentos diferentes. A partir das nossas história de vida, procuro analisar os conflitos geracionais em relação ao ritual e os papéis das Nchiento na sociedade cabindense na contemporaneidade.

Palavras-chave: Cabinda. Tchikumbi. Nchiento. Relações de poder

1 O Clã dos Bauoio é um grupo que pertence aos povos localizados em Cabinda\Angola e em algumas regiões da República Democrática do Congo. Fazendo parte da grande família Bantu

2 Aldeia (comunidade) do Povo Grande fica localizado no município de Cabinda, na zona sul da cidade, concretamente na estrada nacional, que liga a cidade à fronteira do Yema (fronteira entre Cabinda e Congo Democrático). E é também a aldeia onde está localizada a minha pesquisa.

3 Bakala sinônimo de homem.

4 Nchiento sinônimo de “mulher”.

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BENDO, Margarida Duete Lourenço. Tchikumbi: Ritual of Initiation of the Bichiento and its Implications in Power Relations in Cabinda, Angola. 172 pages Dissertation (Master in Ethnic and African Studies) – Faculty of Philosophy and Human Sciences, Federal University of Bahia, Salvador, 2022.

ABSTRACT

The research that gave rise to this dissertation aims to understand the dynamics around the initiation ritual of the Bichiento, Tchikumbi among the Bauoio do Povo Grande in the province of Cabinda, Angola. The implications of the ritual in the power relations between Bakala and Nchiento Bauoio do Povo Grande in Cabinda are analyzed, since the ritual fits into one of the stages of initiation of the ikumbi into adulthood, that is, to present it to society, as being ready for young/adult life when they become Bichiento. In this analysis we take into account the power relations from the Tchikumbi, how the ritual is inserted within its endogenous contexts of reproduction and knowledge, seeking to understand the dynamics of practice as a structure of social power. Finally, trying to (re)constitute the life stories of two Bichiento, carrying out the proposal of the crossroads narratives, of the interlocutors: Maria Das Dores (my mother) and myself Margarida Duete. Mainly, our experiences as belonging to the Bauoio ethnic group, in relation to the ritual process, since we went through the Bichiento initiation ritual, the Tchikumbi, although at different times. From our life stories, I try to analyze the generational conflicts in relation to the ritual and the roles of Nchiento in contemporary society in Cabinda.

Keywords: Cabinda. Tchikumbi. Nchiento. Power relations

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALLIAMA – Aliança Nacional Mayombe AMA – Associação da Mulher Angolana AS – African Feminis Forum

CAUNC – Comitê de Ação da União Nacional de Cabinda FAA – Forças Armadas Angolanas

FAC Forças Armadas Cabindenses FCD – Fórum Cabindês para o Diálogo

FLEC – Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda FLEC-FAC – Frente de Libertação do Enclave de Cabinda / FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola

Forças Armadas De Cabinda

HIV – Vírus da imunodeficiência humana

ISCED - Instituto Superior de Ensino e Investigação em Ciências da Educação ISCED – Instituto Superior de Ensino e Investigação em Ciências da Educação LBSE – Lei de Bases do Sistema da Educação

LIMA – Liga Independente de Mulheres Angolanas MFA – Movimento das Forças Armadas

MIA – Movimento para a Independência de Angola MIC – Movimento Independentista de Cabinda

MLEC – Movimento para a Libertação do Enclave de Cabinda MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola

OMA – Organização das Mulheres Angolanas ONU – Organização das Nações Unidas OUA – Organização da Unidade Africana

PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PDA – Partido Democrático de Angola

PLUA – Partido de Luta Unida dos Estados Africanos de Angola PM – Polícia Militar

PR – Presidente da República

RDC – República Democrática do Congo

SADC – Comunidade para o Desenvolvimento dos Países do Sul da África

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UCI – União dos Cabindenses para a Independência

UNITA – União Nacional para independência Total de Angola UPA – União das populações de Angola

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Entrada do Instituto Superior de Ciências da Educação em Cabinda ... 36

Figura 2 - Mapa Geopolítico de Angola ... 49

Figura 3 - Bandeira Nacional de Angola ... 50

Figura 4 - Insígnia Nacional de Angola... 50

Figura 5 - Mapa dos Reinos Loango, Kakongo, e Ngoyo ... 57

Figura 6 - Mapa Geopolítico de Cabinda ... 65

Figura 7 - Imagem da cidade de Cabinda ... 77

Figura 8 - Carta dirigida aos deputados da Assembleia Nacional ... 82

Figura 9 - Carta dirigida aos deputados da Assembleia Nacional ... 84

Figura 10 - Duas jovens em idade de puberdade ... 103

Figura 11 - Uma ikumbi levada nas costas depois de ser agarrada ... 106

Figura 12 - Uma ikumbi sendo pintada com a tukula ... 108

Figura 13 - As futuras ikumbi fazendo a tukula... 111

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17

Os caminhos da pesquisa 17

As interlocutoras 20

Escolhas metodológicas, entrada em campo e fontes 29

As categorias em análise: Gênero, “Mulher” e Nchiento 40

CAPÍTULO I –DE ANGOLA A CABINDA: APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA

DE UM POVO 49

1.1Contornos geográficos e demográficos de Angola 49

1.1.1Contexto Histórico de Angola 51

1.2 Cabinda: História e surgimento dos três reinos 54

1.2.1 Os três reinos: Loango, Kakongo, e Ngoyo 56

1.2.2 Cabinda: contexto provincial e aspectos políticos 64

1.2.2.3O nome Cabinda e a sua origem 77

1.2.2.4Cabinda ou Tchiowa? 78

1.2.2.5Tchiowa para os autóctones, Cabinda para os Portugueses 80

1.3Caracterização da comunidade Povo Grande 86

1.3.1Bauoio do Povo Grande 88

CAPÍTULO II –AS BICHIENTO DO POVO GRANDE E O RITUAL TCHIKUMBI:

SITUANDO O DEBATE HISTÓRICO 93

2.1 Participação das “Mulheres” Angolanas na Luta Contra o Colonialismo português:

“Heroínas da História” 93

2.2Tchikumbi ou “Casa de Tinta” 100

2.2.1O significado histórico-cultural do Tchikumbi 100

2.2.2Tchikumbi na contemporaneidade 114

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2.3Tornar-se Nchiento na cultura Bauoio do Povo Grande 118 2.3.1Os papéis da Bichiento na sociedade dos Bauoio do Povo Grande 119 2.3.2. O alambamento entre os Bauoio: compra, empréstimo ou dádiva? 126

2.4Família no contexto africano e no ocidente 137

CAPÍTULO III NA ENCRUZILHADA: TRAJETÓRIA DE DUAS BICHIENTO 142 3.1 “Sempre foi mais difícil para mim, porque sou a primeira filha e a mais velha” 143

3.2 “A filha do meio” 146

3.3 Mãe e filha entrelaçadas pelo ritual de iniciação/transição das Bichiento o Tchikumbi 150 3.4 Negociações entre os Bauoio do Povo Grande em Relação à Prática do Tchikumbi 157 3.5 “Por eu ser do sexo feminino e não ter passado ainda pelo ritual do Tchikumbi não fui

estudar no Brasil” 160

REFLEXÕES FINAIS 166

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 169

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17 INTRODUÇÃO

Os caminhos da pesquisa

A presente pesquisa pretende compreender a dinâmica do ritual de iniciação das Bichiento5, o Tchikumbi e suas implicações nas relações de poder entre os Bauoio do Povo Grande, localizados na província de Cabinda, Angola. Para tanto, a pesquisa parte da pergunta:

até que ponto o Tchikumbi legitima as delimitações das relações de poder dentro da sociedade Bauoio do Povo Grande? A partir da história de vida de duas Bichiento, analiso os conflitos geracionais em relação ao ritual e os papéis das Bichiento na sociedade cabindense na contemporaneidade.

Para os Bauoio, a menina só é compreendida pela comunidade como adulta depois de passar pelo ritual Tchikumbi, uma cerimônia familiar e secreta. Nchiento é o status que ganha a menina, depois de ser submetida à cerimônia de iniciação, pelos povos Bauoio em Cabinda\Angola, estando apta a começar a vida adulta. As meninas na faixa etária entre os 12 e os 15 anos, geralmente, são as que protagonizam o ritual, pois esse só é possível de ser realizado após a primeira menstruação. As cerimônias envolvem ensinamentos em relação à vida doméstica, sexual, preparando-as para o casamento.

Nascida e criada em Cabinda, sou a segunda filha de três irmãs, de uma mãe que sempre esteve presente e nos incentivou a estudar. Desde a minha adolescência questionei as delimitações das relações de poder do ritual de iniciação Tchikumbi, porque tinha em casa uma presença feminina que desempenhava o papel de mãe e pai ao mesmo tempo. Desde muito cedo pude constatar dentro de casa e da comunidade no geral, que as Bichiento, as “mulheres”6 podem ocupar lugares de destaque e decisão sem muitas distinções que os homens. Como

5 As Nchiento sofreram influências da categoria ocidental “mulher”, apesar disso sabemos que não podem ser ignoradas ou apagadas, porque guardam desta uma distância considerável, pois são produzidas e subjetivadas não apenas pelo discurso colonial eurocêntrico, mas também pela diversidade étnica angolana” (TELO, 2019, p. 27).

No texto usarei os termos as Bichiento Bauoio do Povo Grande para me referir especificamente no plural ou Nchiento Uoio (singular) para o grupo no geral, mas pretendo deixar claro que estou retratando particularmente das Bichiento Bauoio do Povo Grande, uma vez que o grupo Bauoio encontra-se distribuída em várias regiões\aldeias de Cabinda.

6Neste trabalho utilizo o termo “mulher” (entre aspas), por entender que o conceito “mulher” apagou e destruiu identidades, definindo essa categoria como um conceito universal, como se todas as “mulheres” fossem brancas, tivessem as mesmas necessidades, sofressem as mesmas opressões e não fossem racializadas. O termo “mulher”

propõe uma intersecção conceitual, porque demonstra que as realidades não são universais e sim específicas, variando de acordo com o local e cultura entre outras (DIAS, 2014, p. 11). Dedico uma seção à discussão da categoria analítica “mulher”, no contexto cabindense, mais adiante nesta introdução.

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18 exemplo real trago a minha mãe, Maria Das Dores, uma Nchiento que criou três filhas fazendo o papel de “mãe e pai”.

Cresci ouvindo de minha mãe que eu e minhas irmãs tínhamos que estudar para conseguirmos um bom emprego e sermos independentes no futuro, tanto no âmbito financeiro, como das nossas relações interpessoais. Isto é, sermos Bichiento emancipadas sem ter que depender de um Bakala para serem reconhecidas como Nchiento na sociedade.

Porém, ao mesmo tempo, minha mãe sempre defendeu que precisávamos passar pelo ritual de iniciação das Bichiento Tchikumbi, para sermos totalmente independentes e para não sermos “excluídas” ou mal vistas na nossa própria sociedade e cultura. A minha mãe, uma Nchiento Uoio,7 produto de uma educação que diz que a Nchiento só é valorizada e incluída na sociedade cabindense depois de passar pelos ritos do Tchikumbi. Partindo desse pressuposto, pergunto-me o que vem a ser uma Nchiento Uoio dentro da sociedade dos Bauoio? Se a menina não passar pelo Tchikumbi é excluída automaticamente da sociedade como Nchiento e sim vista sempre como muana (uma criança).

A principal motivação para a escolha deste tema surge a partir da contribuição que a discussão do tema poderá dar ao campo e é também de caráter pessoal. Porque acredito que temos uma história que não foi contada e que precisa ser narrada através de experiências coletivas e pessoais. Desde muito nova, presenciei as meninas em Cabinda passando pelo ritual de iniciação o Tchikumbi. Recentemente surgiu um interesse maior em compreender as relações de poder presentes nesse ritual. Por que as meninas são submetidas a ele? Porque são obrigadas a passar por vários ritos: como o corte do cabelo, a tinta que é passada pelo corpo e algumas atividades domésticas como cozinhar. Além dos conselhos que lhes são dadas pelas tias em relação ao lar, sobre as novas responsabilidades das Bichiento que apresentarei mais adiante, sobre a vida sexual, caso a jovem “mulher” já tenha um Likuela ou noivo, marcado (“casamento”).

Somente depois que a menina passar pelo ritual do Tchikumbi, que ela será vista pela sociedade como Nchiento, podendo casar-se ou começar a vida sexual. Nesta altura eu

7 O termo Uoio é usado no singular do povo Bauoio para se referir a uma única pessoa do mesmo grupo. O termo Bauoio é utilizado no plural, para designar o grupo etcnico. Ele também aparece na literatura para uns como Bawoio ou Bawoyo e outros Bauoio, essas variações fonéticas que influenciaram a escrita, “são fruto das variações linguísticas que caracterizam os idiomas falados entre as populações de Cabinda” (BUZA, 2014, p. 4). O termo adotado no texto é o Bauoio.

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19 acreditava que a um dos principais objetivos do Tchikumbi só podia ser a preparação da ikumbi8 para se tornar uma Nchiento e dona de casa, isto é, prepará-la principalmente para a vida doméstica.

Com o tempo, vem crescendo a minha curiosidade para investigar e aprofundar os conhecimentos sobre as relações de poder entre os Bauoio na sociedade cabindense, a forma como essas relações são vivenciadas através do ritual de iniciação das Bichiento o Tchikumbi.

Também tive como ponto de partida “o conceito “universal” (hegemônico) de mulher, entendida desde uma perspectiva dicotômica hierárquica (homem/superior versus mulher/inferior)” (JOAN SCOTT, 1989, p. 9), e, o conceito de Nchiento no contexto dos Bauoio, depois de passar pelo ritual Tchikumbi. O primeiro é uma construção ocidental e o segundo é uma construção cabindense do grupo Bauoio do Povo Grande, onde as Bichiento são as principais provedoras do lar, mas isso não fornece a elas uma posição de poder de decisão final sobre os assuntos do clã e nem do próprio lar. Uma sociedade onde o homem, principalmente o irmão da Nchiento é quem tem o maior poder de negociar e decidir.

A partir das minhas inquietações, dúvidas e após leituras sobre Cabinda-Angola, percebi a necessidade de investigar e conhecer melhor a minha própria realidade local, uma realidade coletiva onde várias Bichiento vivenciam também a mesma experiência do ritual de iniciação o Tchikumbi, e suas implicações nas relações de poder entre os Bauoio do Povo Grande em Cabinda. Compreender o contexto, a dimensão processual do ritual e seus efeitos na vida das Bichiento Bauoio do Povo Grande, seja em termos intersubjetivos, seja nas relações de poder.

A partir da revisão bibliográfica que realizei, percebi que, o Tchikumbi foi retratado e pensado pelos autores como simplesmente um ritual de iniciação das Bichiento, no entanto, pude constatar que para além disso, esse ritual também pode ser classificado na categoria de ritual de passagem ou de transição, porque além de ser um processo em que a ikumbi é iniciada na cultura. Só depois dela cumprir com o ritos de iniciação e receber a permissão é que passa para um outro status social dentro da sociedade dos Bauoio, que deixa de ser uma Muana9 ( criança) para se tornar numa Nchiento.

8 Ikumbi denominação na língua ibinda, significa menina “virgem”.

9muana - Criança, filho na língua ibinda dos Bauoio em Cabinda\Angola.

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20 Segundo Turner (1974), o ritual de iniciação tem como caraterística principal ligar o indivíduo ao seu grupo social. Porque enquanto um ser não iniciado, este indivíduo ainda não é visto como um adulto, alguém a quem podem ser confiados segredos, hábitos e costumes da cultura local. É simplesmente uma criança vazia, que precisa ser iniciada a fim de adquirir uma identidade que será construída no ritual, baseada sempre numa identidade coletiva (TURNER, 1974, 20). “O próprio Van Gennep (1978) definiu o ritual de passagem ou de transição como ritos que acompanham toda mudança de lugar, estado, posição social e de idade, caracterizando- se por três fases: separação, margem e agregação” (TURNER, 1974, 116). O mesmo autor defende que,

sem dúvida, estou longe de pretender que todos os ritos de nascimento, da iniciação, do casamento, etc. sejam apenas ritos de passagem, porque, além de seu objetivo geral, que consiste em assegurar uma transformação do estado ou da passagem de uma sociedade mágico-religiosa ou profana para outra, esta cerimônia tem cada qual sua fidelidade própria. Este problema levanta-se, entre outros, a propósito das diversas formas dos ritos chamados de purificação, os quais podem ser uma simples suspensão do tabu, e por conseguinte retirar somente a qualidade impura, ou ser ritos propriamente ativos, que dão a qualidade de pureza (VAN GENNEP,1978, p. 32).

Através das descobertas em campo e da revisão de literatura, compreendi que a temática é muito mais complexa, dessa forma dei início a esta caminhada.

As interlocutoras

Optei por privilegiar duas trajetórias, a da Maria Das Dores Muendo Lourenço, minha mãe, interlocutora e Nchiento do grupo étnico Bauoio do Povo Grande, e a minha própria trajetória, numa perspectiva geracional, trazendo nossas experiências enquanto Nchiento Uoio do Povo Grande, uma vez que ambas protagonistas passaram pelo ritual de iniciação da Nchiento, o Tchikumbi.

Escolhi Maria Das Dores Muendo Lourenço, minha mãe, como interlocutora, por acreditar que, sendo ela uma Nchiento do grupo étnico Bauoio do Povo Grande, com uma experiência de vida muito rica e vasta, a sua trajetória poderia contribuir de uma forma significativa para este estudo. Paralelamente, o fato de termos uma relação de consanguinidade, no caso específico, mãe e filha, foi um fator importante que levou às escolhas dos dois sujeitos.

A relação de intimidade e de confiança permitiu a coleta de dados que de outra forma seria um processo mais difícil; ao mesmo tempo, esse fato traduz-se num desafio importante, que me obrigou a um necessário distanciamento do meio familiar para que pudesse encarar a pesquisa

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21 com a devida e desejada lente crítica.

1ª. Maria Das Dores Muendo Lourenço – Nasceu na província de Cabinda, em 19 de junho de 1959 e reside atualmente no bairro Camama, em Luanda, tem 62 anos de idade, formada em Contabilidade pelo Instituto Médio de Economia de Cabassango, em Cabinda, solteira, negra, cristã, é uma Nchiento10 Uoio de Povo Grande. Filha de Lourenço Zau, natural de Cabinda, de Mbanda Bungu Fuana, da etnia Bauoio, nascido aos 03 de agosto de 1938 e falecido em 1986, e de Estanislau Dinde, nome do bilhete Identidade, mas que era curiosamente chamada e conhecida pelos familiares pelo nome de Anastáncia Dinde que nasceu no município de Cabinda, na aldeia do Povo Grande no Chimbolo, aos 03 de novembro de 1938, também pertencente à etnia Bauoio.

2ª. Margarida Duete Lourenço Bendo – Nasci em 15 de maio de 1989, em Cabinda\

Angola. Sou natural do Povo Grande. Meu pai chama-se José Nicolau Simba, Militar das Forças Armadas Angolanas (FAA), originário da aldeia de Bumelambuto, nascido 10 de maio de 1952 e a minha mãe Maria Das Dores Muendo Lourenço.

Meu pai, militar das FAA, e minha mãe uma Nchiento Uoio, comerciante, que muitas das vezes se via obrigada a deixar as filhas, para viajar em busca do negócio. Em 1975, teve que emigrar com a família para a República Democrática do Congo (RDC), no período em que Angola e Cabinda viviam uma instabilidade política com as proclamações das independências no país. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo, com os seus 16 anos de idade já atuava como gerente de uma loja grande de roupas de bebês na República Democrática do Congo (RDC). Quando regressou, mesmo tendo oportunidade para estar integrada numa das instituições do Estado em Angola, preferiu ser dona do seu próprio negócio, abandonando a vida de funcionária. Sou uma Nchiento Uoio do Povo Grande e sempre tive como referência minha mãe, Maria Das Dores Muendo Lourenço. Desde muito cedo que aprendi que as Nchiento podem ocupar vários espaços, mas para que isso seja possível a educação deve ser privilegiada.

Decidi usar a categoria Nchiento, invés da categoria mulher, porque Nchiento é o termo que adquire a menina\muana, depois da mesma ser agarrada e passar pelo ritual de iniciação da Nchiento, ocupando responsabilidades de dar continuidade a linhagem e de provedora do lar.

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22 Mulher é uma categoria pensada e baseada na realidade ocidental, corroboro também com a reflexão formulada pela socióloga nigeriana Oyèrónké Oyewúmí (2021) ao questionar: até que ponto as categorias conceituais ocidentais podem ser exportadas ou transferidas para outras realidades, que possuem uma lógica cultural diferente? (OYEWÚMÍ, 2021, p. 40). Por isso, entendo que não seria viável uma transposição mecânica da categoria “mulher” para a realidade dos Bauoio. Como já referi, usarei o termo Nchiento para retratar o artigo feminino e Bakala para o masculino. Os termos são igualmente extraídos da língua ibinda dos Bauoio do Povo grande.

A partir das pesquisas bibliográficas feitas ao longo do desenvolvimento deste trabalho, especificamente sobre a história de Cabinda e sobre o Tchikumbi, encontrei várias referências:

monografias, teses, artigos, ensaios, entre outros. Mas apercebi-me da carência de bibliografia que se debruça sobre as relações de poder a partir do ritual de iniciação o Tchikumbi, em uma perspetiva de gênero e geracional, nos termos em que me propus pensar nesta dissertação. Isto é, há pouca literatura escrita sobre esse assunto, particularmente no que diz respeito à questão de gênero. Talvez esta dissertação possa vir a ser um dos trabalhos pioneiros sobre a temática na área de ciências sociais e humanas, em Cabinda, em particular e em Angola, no geral.

Atualmente por motivos acadêmicos, encontro-me residindo no Brasil, onde a maior parte do trabalho foi escrito e onde também será apresentado, mas sempre vivi em Cabinda.

Também vale a pena salientar que este é um trabalho que está sendo desenvolvido por uma Nchiento Uoio\cabindense, trazendo as histórias de duas Bichiento do Povo Grande do grupo étnico Bauoio, mãe e filha, residentes no país. Para tanto, a pesquisa parte de um questionamento: quais as implicações do ritual Tchikumbi nas relações de poder e de gênero entre os Bauoio, bem como na construção identitária das Bichiento Bauoio?

A resposta que geralmente ouvimos dos membros de um determinado grupo, quando os assuntos são as delimitações das relações de poder é: “O que fazer? Esta é a nossa cultura”.

Esta situação, nos leva a questionar o fato de que este recurso à cultura serve muitas das vezes para nos obrigar a aceitar tais situações, sem fazer uma análise das relações sociais e de gênero, que não são biológicas e nem naturais, mas sim construções socioculturais que implica, entre outros, numa sobrecarga das Bichiento.

Justificar o instinto humano como sendo um determinante para certos comportamentos culturais é cair num erro, pois os comportamentos humanos não são determinados

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23 biologicamente, e sim através de padrões culturais, isto é, construídos pelo próprio homem (Laraia,1986, p, 50). Segundo a pesquisadora Cunha (2019) “a cultura seria um conjunto de itens, regras, valores, posições etc. previamente dados” E as culturas os sistemas cujas partes interdependes são determinadas pelo todo que as organiza ( p. 259).

Em relação aos ritos de iniciação, Osório (2015) destaca que “(...) uma primeira função é a de formar identidades, de nos dizer o que está certo e errado no nosso comportamento” (p.1).

Neste sentido, são apresentados como verdades que não podemos questionar, sob pena de estarmos a violar a nossa cultura. Uma das lutas enfrentadas pelas Bichiento Bauoio tem sido a de questionar o sistema que delimita as relações de poder, fundamentalmente o “patriarcado11”.

Assumindo a responsabilidade de lutar por sociedades mais justas, onde elas possam estar representadas tanto no espaço privado como no espaço público, dependendo sempre da sua escolha e agência.

Ao considerar os ritos de iniciação como construções sócio-históricas e culturais, que desempenham funções sociais, nesta pesquisa pretendo entender a dinâmica do ritual de iniciação das Bichiento o Tchikumbi, as suas implicações nas relações de poder entre os Bauoio do Povo Grande, na província de Cabinda, Angola, e o impacto que produzem na construção identitária da Nchiento.

Quais os limites da categoria “mulher” nesse contexto de estudo? Tive o cuidado de desenvolver o trabalho tendo em conta as relações e os seus contextos endógenos de produção de conhecimento, fruto de construções sociais entre sujeitos da etnia Bauoio. Compreendo que a prática do Tchikumbi guarda uma preciosa memória e um rico legado de conhecimento e espiritualidade. Um dos objetivos específicos desta pesquisa é entender em que medida o ritual, enquanto prática cultural, tem se adaptado aos tempos, que mudanças substanciais têm ocorrido e de que forma isso tem impactado a sociedade Bauoio e a nova geração das Bichiento do grupo Bauoio do Povo Grande.

Conforme afirma Cruz (2012), as meninas, na contemporaneidade já começam a questionar sobre a condição da “mulher”, estudando e almejando encontrar alternativas de vida

11 Patriarcado é uma categoria que problematizei mais adiante neste texto, tendo em conta os meus limites analíticos em relação às sociedades africanas e considerando a própria historicidade dessas sociedades e suas complexidades.

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24 em que tenham mais espaço e mais poder decisivo na sociedade. Refletir acerca da delimitação das relações de poder entre os Bauoio do Povo Grande, é importante, porque “é muito forte a ideia de que a “mulher” é importante, prevalentemente, para assegurar a linha da descendência e cuidar da alimentação da família” (CRUZ, 2012, p. 273).

Até que ponto o Tchikumbi legitima as delimitações das relações de poder dentro da sociedade dos Bauoio? Existe conflito entre essa delimitação e os anseios das novas gerações?

Trabalhei com duas gerações distintas, com duas Bichiento Bauoio do Povo Grande que já passaram pelo ritual de iniciação no Tchikumbi em momentos diferentes. Na primeira geração trata-se da minha mãe, Maria Das Dores, uma Nchiento Uoio do Povo Grande que pertence à geração entre os 50 e os 62 anos, e a segunda geração a minha, que corresponde às Bichiento Bauoio de idade entre os 20 a 32 anos, com o mesmo tipo de experiências e vivências em relação ao ritual de iniciação o Tchikumbi.

Nesta pesquisa optei por trabalhar com a perspectiva geracional de Van Gennep (1978).

De acordo com o Van Gennep (1978), “toda “tribo”, quer faça ou não parte de uma unidade política possui várias formas de agrupamento, e entre esses, podemos acrescentar mais um, entre o qual não tem uma equivalente entre nós”. tais como: gerações12 ou classes de idade (VAN GENNEP,1978, p. 26). O autor afirma que:

A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra. Nos lugares em que as idades são separadas, e também as ocupações, esta passagem é acompanhada por

12Para outros contextos o conceito de geração foi pensado também por outro autor dos estudos sobre gerações, Karl Mannheim (1964). O sociólogo Karl Mannheim ( 1964) na sua perspectiva geracional afirma que para serem classificados como pertencentes à mesma geração, não basta apenas nascer numa mesma época, e sim ter uma posição comum, porque além de nascerem no mesmo tempo cronológico as pessoas da mesma geração têm que possuir a mesma potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos, de vivenciar experiências semelhantes, principalmente de processar esses acontecimentos ou experiências de forma análoga (MANNHEIM 1964 apud WELLER, 2010, p. 212).

Mannheim (1952) define uma geração “quando indivíduos, mesmo sem proximidade física, intelectual ou qualquer conhecimento do outro, apresentam semelhança cultural, resultante de suas participações em determinado período do processo histórico nos anos de sua formação” (MANNHEIM 1952 apud DA SILVA, 2013, p. 13). Ou seja, o conceito de geração se refere a grupos com identidades históricas comuns e que também elaboram o material de suas experiências comuns, segundo diferentes modos de vida, pertencentes de um destino comum, em que partilham ideias e conceitos (NOVAES, 2018, p. 3).

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atos especiais, que, por exemplo, constituem, para os nossos ofícios a aprendizagem (VAN GENNEP,1978, p. 26).

Considerar a perspectiva trazida por Van Gennep (1978) enriquecerá a pesquisa permitindo obter uma visão mais ampla e comparativa do fenômeno a partir do contexto histórico-cultural e social local em análise. “O estudo das gerações não se detém apenas a um problema concreto, mas persegue um segundo interesse sociológico voltado para a busca de um método ou de um procedimento adequado para analisar a questão” (WELLER, 2010, 219).

Esta perspectiva geracional corrobora com o entendimento da transmissão de saberes e das práticas culturais em Cabinda, a fim de saber se entre as mais jovens existe um conflito ou aceitação em relação ao ritual de iniciação o Tchikumbi e/ou ressignificações. Segundo Da Silva (2013), a utilidade de lidar com o conceito de gerações é um guia para o pesquisador que pretende compreender a estrutura dos movimentos sociais e intelectuais em diferentes culturas (PARRY & URWIN 2011 apud DA SILVA, 2013, 16).

Esta dissertação está dividida em três partes, constituídas por uma introdução e três capítulos. Na introdução apresento os caminhos que me conduziram até esta pesquisa, as minhas escolhas em termos de abordagem e da metodologia de trabalho, bem como os desafios enfrentados no campo. No primeiro capítulo, procuro expor o contexto histórico, geográfico, social e cultural da pesquisa, quer em termos nacionais (Angola), quer no âmbito provincial (Cabinda), trazendo a contextualização do Enclave de Cabinda e a história do grupo dos Bauoio do Povo Grande, sua localização geográfica, sua organização social e política, as dinâmicas de poder internas ao grupo e dentro da comunidade.

O segundo capítulo traz um panorama histórico das “mulheres” angolanas na resistência colonial, como elas foram narradas em Angola, no geral, e em Cabinda, em particular, com base na literatura endógena, fruto da minha pesquisa de campo. Posteriormente, abordo o significado histórico-cultural do ritual Tchikumbi, mais especificamente a transmissão dos saberes no seio da família, suas implicações e impactos nas relações de poder e de gênero entre os Bauoio do Povo Grande em Cabinda.

No terceiro e último capítulo proponho as histórias de vida de duas Bichiento do grupo Bauoio do Povo Grande, a da minha mãe e interlocutora Maria Das Dores e a minha própria história, onde identifico as nossas experiências enquanto pertencentes à Bauoio do Povo Grande. Compreender as nossas construções identitárias enquanto Nchiento, como lidamos com o ritual Tchikumbi e como ele opera nas nossas vidas e em que medida essas duas experiências

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26 são importantes para compreender como se definem as relações de poder e de gênero na comunidade em estudo. Como são construídas nossas identidades em termos geracionais? Que implicações tem em termos do lugar que ocupamos na sociedade Bauoio do Povo Grande em Cabinda? Como as nossas trajetórias, enquanto Nchiento Bauoio, se intersectam (ou não) e enquanto mãe e filha? Interessa-me entender como as novas gerações de Bichiento Bauoio do Povo Grande vêm refletindo, se questionando sobre a relação de poder em Cabinda e como este ritual de iniciação das Bichiento o Tchikumbi organiza padrões que normatizam a construção da identidade das Bichiento Bauoio do Povo Grande em Cabinda. Enfim, nas considerações finais, procuro refletir globalmente, sobre o processo da minha pesquisa e seus desdobramentos, apontando a partir da experiência de campo e respondendo às perguntas inicialmente colocadas.

Diante da discussão clássica das ciências sociais da possível existência ou não de um distanciamento do campo e do objeto, e sendo eu própria também o objeto de estudo, procurei posicionar-me, de forma permanente, enquanto uma nativa-etnógrafa13, com um olhar de observação baseado no sentimento de pertença que resulta dos afetos e demais formas de sociabilidades desenvolvidas, diferente dos pesquisadores que vêm de fora, na qual mantêm relações com o seu objeto e campo que transcendem o interesse científico (CONCEIÇÃO, 2016, p 42).

Durante o período de observação participante procurei manter certa distância relativamente ao objeto de pesquisa no campo, em nome de uma “objetividade científica”, isso porque nas palavras dos autores Boni & Quaresma (2005) “a observação participante, como técnica de trabalho de campo é desaconselhada por alguns cientistas” (COSTA 1987 apud BONI & QUARESMA, 2005, p. 71). Seguindo a sugestão de Minayo (2002) segundo a qual

“o observador, enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados também” (MINAYO 2002, p. 59) e sendo eu uma Nchiento Uoio do Povo Grande, logo estabeleço essa relação duas vezes, primeiro como observadora, por ser uma nativa, e segundo como pesquisadora.

13Segundo Conceição (2016) “o nativo-etnógrafo não é uma categoria analítica já balizada, mas uma expressão que disse e ouvi tantas vezes para tentar definir o lugar quase liminar que ocupa o pesquisador etnógrafo que toma como campo de trabalho o seu grupo social. Diferente dos pesquisadores que vêm de fora, esse tem relações com o seu objeto e campo que transcendem o interesse científico: há um sentimento de pertença que resulta dos afetos e demais formas de sociabilidades desenvolvidas e do conhecimento quase intuitivo das práticas e rotinas”

(CONCEIÇÃO, 2016, p 42).

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27 Mesmo sendo parte deste grupo, vivi um distanciamento no campo porque estou fora de casa há mais de oito anos. Nesse período, as minhas vivências acadêmicas enquanto pesquisadora fizeram de mim outra pessoa, alguém que adquiriu novos gostos e conheceu também novas culturas. Isso fez com que eu me sentisse pertencente e ao mesmo tempo estranhasse muitas das coisas que até então me pareciam familiares e conhecidas.

Sabendo dos perigos existentes numa determinada pesquisa, principalmente quando a pesquisadora é ao mesmo tempo interlocutora da pesquisa, tive cuidado em relação a minha inserção no campo, optando em alguns momentos desenvolver uma postura de participação plena e em outros momentos um distanciamento total de participação de eventos relacionado aos acontecimentos do dia-a-dia da vida do grupo em questão, tendo com prioridade somente a observação.

Enquanto etnógrafa, por meio da minha dupla inserção no campo - pesquisadora e nativa, com as minhas experiências pessoais de pertença ao grupo étnico, apresento alguns elementos explicativos sobre diversas facetas do Tchikumbi.

A proximidade social e a familiaridade asseguram efetivamente duas das condições principais de uma comunicação “não violenta”. De um lado, quando o interrogador está socialmente muito próximo daquele que é interrogado, ele lhe dá, por sua permutabilidade com ele, garantias contra ameaças de ver suas razões subjetivas reduzidas a causas objetivas; suas escolhas vividas como livres; reduzidas aos determinismos objetivos revelados pela análise. Por outro lado, encontra-se também, assegurado neste caso um acordo imediato e continuamente confirmado sobre os pressupostos concernentes aos conteúdos e as formas de comunicação: esse acordo se afirma na emissão apropriada, sempre difícil de ser produzida de maneira consciente e intencional, de todos os sinais não verbais, coordenados como sinais verbais, que indicam quer como tal o qual enunciado deve ser interpretado, quer como ele foi interpretado pelo interlocutor (BOURDIEU, sn, p. 679).

Através da minha mãe poderei introduzir-me com mais profundidade no meio dos Bauoio do Povo Grande, dentro das questões mais íntimas e ter acesso a informações que de outra forma seriam mais difíceis alcançar.

Há quem defenda, numa perspectiva cientificista, que essa relação pesquisador-objeto deve preservar a distância, e nessa perspectiva, pesquisadores não deveriam buscar seus grupos sociais para desenvolver sua investigação (CONCEIÇÃO, 2016, p 42).

Mas ser nativa-etnógrafa tem também algumas desvantagens, como podemos ver nas palavras de Conceição (2016).

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28 Essa presença intensa no campo, por conta da minha pertença ao local como morador, me permitia estar atento a todos os acontecimentos em tempo real, possibilitando a observação direta de suas consequências, assim como das reações. E talvez aí esteja a principal das desvantagens: onde e como desligar o “pesquisador”? Como estar em uma festa de família e celebrar descompromissadamente com os meus familiares se esse momento pode ser uma rica experiência a ser observada? Essa “obrigação” de estar atento a tudo parecia um pouco sufocante, principalmente quando o tudo está tão próximo de você a todo o tempo (CONCEIÇÃO, 2016, p 50).

Outra motivação que me levou a escrever sobre a relação de poder a partir do ritual de iniciação Tchikumbi, tem a ver com um acontecimento que marcou particularmente a trajetória de minha minha mãe, antes de entrar no ritual do Tchikumbi. Ainda na RDC, em 1977, acompanhada de seu amigo e irmão espiritual da sua irmã (filho dos seus padrinhos de batismo), com 18 anos, Maria Das Dores procurou, junto de algumas embaixadas, possibilidades de uma bolsa de estudo para assim dar continuidade a sua formação acadêmica, uma vez que na altura ela se encontrava estudando naquele país, numa escola portuguesa por iniciativa própria. Sobre o assunto debruçar-me-ei com mais profundidade no terceiro capítulo deste trabalho.

Além disso, a escolha dos sujeitos de pesquisa foi motivada também por uma necessidade de auto entendimento, uma pesquisa de cunho autobiográfico14 onde trago a trajetória de vida da minha mãe, Maria Das Dores e a autoetnografia15, estudando a minha própria realidade e o do meu grupo étnico, Bauoio. Através dessa metodologia que embora não seja nova, mas ainda é inovadora, pretendo entender a minha própria realidade pessoal e cultural. Escolhi Maria Das Dores Muendo Lourenço como uma das interlocutoras, porque se encaixa no perfil perfeito para que eu consiga entender melhor, conhecer melhor a minha própria cultura e o meu povo. Conhecendo a história da minha mãe estarei também (re) conhecendo a minha própria história. Uma vez que o que apresento aqui é fruto da minha

14De acordo com Ellis e Bochner (2000), a autoetnografia é um gênero autobiográfico de escrita e pesquisa que apresenta múltiplos níveis de consciência, conectando o pessoal ao cultural, expondo frequentemente um self vulnerável (ELLIS & BOCHNER 2000 apud GAMA, 2020, p. 190).

15Etnobiografia (Gonçalves; Marques; Cardoso, 2013) – na qual a antropóloga reflete sobre a trajetória de uma outra pessoa para analisar fenômenos socioculturais – na autoetnografia, a antropóloga reflete sobre sua própria experiência, ou a partir dela, para analisar questões da sociedade e/ou cultura à qual pertence (Gonçalves; Marques;

Cardoso, 2013 apud GAMA, 2020, p. 190).

“Sendo um conhecimento criado através da narração (verbal, mas também através de outros meios), é uma forma de produzir conhecimento que se engaja profundamente com práticas representacionais e éticas” (Grant, 2014 apud GAMA, 2020, p. 190).). “Além de refletirmos sobre dados observados externamente e relatados oralmente, também atentamos para conhecimentos apreendidos através do nosso próprio corpo, que se move e encontra diferentes ambientes, pessoas, objetos e experimentar diversas emoções” (GAMA, 2020, p. 191).

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29 experiência e da minha mãe, mais do que nossas, ela também é partilhada com outras pessoas, em especial as Bichiento do grupo étnico Bauoio. “O relato em primeira pessoa, dessa forma, não nega uma experiência coletiva, mas me coloca como parte dela” (GAMA, 2020, p. 205).

Escolhas metodológicas, entrada em campo e fontes

Tanto a trajetória da Maria Das Dores quanto a minha traz questões pertinentes para a compreensão de diversos processos, eventos, contexto relacionado ao tema em questão por isso reitero a importância de considerar as abordagens etnobiografia, autoetnografia e como uma metodologia antropológica fundamental para se atingir os objetivos.

Esta pesquisa foi realizada pensando na contribuição para o campo, a partir de um lugar de pertencimento e de estranhamento, porque como podemos ver em GAMA (2020):

Para muitos de nós, não basta apenas escrever ou falar sobre nossos assuntos.

Estamos condenados a vivê-los – ao menos o tanto quanto podemos, às vezes porque atuamos como estudiosos de determinados pontos de vista ou movimentos em nossas áreas de pesquisa, em vez de, para emprestar um termo de Frank Furedi (2004) sermos simples tecnocratas educacionais. Para algumas audiências reais e virtuais, isso pode ser cativante, envolvente e conectado, enquanto para outros isso pode confirmar o quão maus, rebeldes, perigosos, indisciplinados e não acadêmicos muitos de nós somos, com falta de distanciamento, equilíbrio e objetividade (Grant, 2014, s/p, tradução minha) (GAMA, 2020, p. 191).

Um trabalho que veio de longe, não é só fruto da experiência de duas Bichiento Bauoio do Povo Grande, mas também de uma vivência que resulta de uma memória coletiva, de uma realidade local dos Bauoio em diálogo com o debate acadêmico sobre a temática de gênero. A pesquisa insere-se dentro de uma perspectiva interdisciplinar que caracteriza o Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos ao qual estou atualmente vinculada. No estudo que proponho, privilegiei a dimensão qualitativa, considerando que do ponto de vista metodológico poderá fornecer mais elementos de análise, enriquecendo, deste modo, o trabalho na sua globalidade.

Conforme destaca Godoy (1995) “Hoje em dia a pesquisa qualitativa ocupa um reconhecido lugar entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações sociais, estabelecidas em diversos ambientes” (p. 21).

É precisamente estes fenômenos e relações sociais que pretendo entender e trazer para o debate a partir das trajetórias e experiências de duas Bichiento pertencentes a gerações diferentes, porém ligadas umbilicalmente, minha mãe e eu. Neste sentido, “a qualitativa visa

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“compreender o significado de uma experiência dos participantes, em um ambiente específico, bem como o modo como os componentes se mesclam para formar o todo” (JONES, 2007, p.298 apud MUSSI, 2019, p. 417).

Quais os universos nos quais operamos, minha mãe e eu? O que nos move, quais foram e quais são nossas aspirações, valores e crenças? Como olhamos para as questões culturais, especificamente, para o ritual de transição Tchikumbi? Todas estas questões serão abordadas à medida que o trabalho for avançando, na minha descrição etnográfica e na análise e interpretação dos dados de campo.

As práticas locais nos permitiram absorver conhecimentos sobre a realidade e o modus vivendi deste povo e assim nos proporcionaram uma compreensão mais analítica e crítica sobre os Bauoio. Como tal, vimos que a pesquisa qualitativa favorece o reconhecimento e a análise dos pesquisadores a respeito de suas investigações, entendendo-as como parte de processo de produção de conhecimentos e variedade de abordagens e métodos Flick (2009 apud MASSANGA, 2014, p.32).

Ainda de acordo com o autor supracitado, a pesquisa qualitativa não se baseia somente em um único conceito teórico, metodológico unificado, mas ela abrange algumas suposições teóricas com focos metodológicos.

O ritual de iniciação o Tchikumbi não é bem conhecido pelo mundo afora. Há uma ausência de estudos que compreendam a sua natureza e complexidade, pois a sua transmissão ou realização é conservada com o mais profundo dos sigilos, aglutinando e carregando sobre estes referências mitológicas e recurso aos seus ancestrais (MASSANGA, 2014, p. 161). Esta prática, que aparentemente se constitui como uma das mais fortes riquezas culturais de Cabinda, traduzindo-se em elementos característicos de todo esse povo, com particular realce para a região de Mangoio (a região onde estão localizados os Bauoio, em Cabinda) no Povo Grande, onde ficou circunscrita o meu trabalho de campo.

A coleta de dados é tida como o momento inicial da entrada ao campo. A partir do levantamento de dados é possível que o autor tenha mais clareza em relação ao problema que se propôs pesquisar. Uma vez que este método é sinalizado como sendo o mais adequado à solução do problema, porque identifica os procedimentos metodológicos mais adequados, dá sustentação para a análise dos dados além de ajudar também na interpretação, explicação e compreensão da realidade (ZANELLA, 2013, p. 49). Ainda em Luanda, além das entrevistas

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31 com a minha interlocutora e das observações, procedi à coleta de material bibliográfico16. Na casa do meu pai José Nicolau Simba, chamaram-me a atenção os livros expostos nas prateleiras na sala. Procurei satisfazer a minha curiosidade, dando uma olhada e consegui coletar algum material sobre a história de Cabinda e suas gentes. O mesmo se repetiu em uma outra visita na casa da minha tia Maria Capita, onde consegui emprestado também um livro muito importante.

Através do trabalho de campo pude aproximar-me daquilo que desejo conhecer e estudar e também de criar um conhecimento, partindo da realidade presente no campo (MINAYO, 2002). O trabalho foi realizado em três meses, entre dezembro do ano 2019 a fevereiro do ano 2020, e para que fosse possível precisei de algumas condições básicas que permitiram a fluidez da minha imersão no campo de pesquisa em Cabinda. A pesquisa de campo em Cabinda foi feita numa época denominada cacimbo, em Angola, época das chuvas.

Parte deste trabalho foi reservada à coleta de dados a partir das observações, conversas informais, das anotações do diário de campo, da entrevista narrativa, revisão bibliográfica e dos testemunhos orais com recurso à memória.

Segundo Gunther (2006) durante o processo da leitura na pesquisa qualitativa, não podemos ignorar o passo dado entre a coleta de dados e a sua análise, porque este passo tem suma importância diante da grande variabilidade nas maneiras de coletar dados e da sua não- estandardização (GUNTHER, 2006, p.205), “esse diário é um instrumento ao qual recorremos em qualquer momento da rotina de trabalho que estamos realizando” (MINAYO, 2002, p. 43).

O diário de campo facilita criar o hábito de observar, descrever e refletir com atenção os acontecimentos do dia de trabalho, por essa condição ele é considerado um dos principais instrumentos científicos de observação e registro e ainda, uma importante fonte de informação para uma equipe de trabalho. Os fatos devem ser registrados no diário o quanto antes após o observado para garantir a fidedignidade do que se observa [...]

(FALKEMBACH, 1987 apud LEWGOY e REIDEL, 2009, p. 1).

Cheguei a Angola, Luanda no dia 13 do mês de dezembro do ano 2019, onde permaneci o mês de dezembro com a família por conta do período natalício. Nesse período ao longo do qual também pude conviver com a minha interlocutora e dar o início as pesquisas de campo e colher algumas informações para a pesquisa. No dia 15 de janeiro me desloquei para Cabinda a fim de continuar com à pesquisa de campo, uma vez que em Luanda já havia iniciado o campo

16Todo o material da qual consultei na biblioteca do meu pai e na casa da minha tia sobre Cabinda da qual me referi consta na bibliografia final.

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32 com vários momentos de conversas com a minha mãe e interlocutora Maria Das Dores, bem com observações e diálogos com alguns Bakala Bauoio, de Cabinda, que lá residem.

Como destaquei, a pesquisa desenvolveu-se em duas fases, desdobrando-se em dois momentos: a primeira fase decorreu durante o mês de dezembro de 2019, ainda em Luanda, com a interlocutora da pesquisa, Maria Das Dores Muendo Lourenço sobre o Tchikumbi na sua geração e as implicações da prática na sua vida. Por morarmos na mesma casa, e por se tratar de uma pesquisa realizada com a minha mãe, pensei que tempo e liberdade para conversarmos não nos faltaria, mas, infelizmente, devido a alguns problemas de saúde da minha mãe nem sempre foi possível falarmos da forma como havia estabelecido e desejado.

Realizei entrevistas em formato de conversa, a partir de um roteiro prévio (que anexo a esta dissertação). Não realizei entrevistas padronizadas, com perguntas e respostas, mas sim momentos de conversas, nas quais eu introduzi alguma questão, originada de um roteiro preestabelecido, a fim de obter algumas respostas em relação à pesquisa sobre o Tchikumbi.

Foram poucas as oportunidades que tive para dialogar e gravar a entrevista com a interlocutora, em alguns momentos ela não considerava relevantes as informações que me passava, uma vez que, segundo ela, existem muitas outras fontes escritas e orais em relação ao tema que podiam me ajudar muito mais. Mas de acordo com o campo e as minhas leituras considero os conteúdos da entrevista com a minha mãe relevantes, porque ela trouxe muitas questões que me ajudaram a entender melhor o campo e as leituras, sendo uma Nchiento Uoio, que conhece muito em relação aos hábitos e costumes locais. Não realizei entrevistas padronizadas, com perguntas e respostas, mas sim momentos de conversas, nas quais eu introduzi alguma questão, originada de um roteiro preestabelecido, a fim de obter algumas respostas em relação à pesquisa sobre o Tchikumbi.

A segunda fase ocorreu entre janeiro e fevereiro, quando me desloquei para Tchiowa\Cabinda, minha terra natal, a fim de dar continuidade ao trabalho de campo, com o levantamento de fontes bibliográficas e observações. Depois de mais de sete anos sem pisar no solo cabindense, foi um momento nostálgico para mim, um momento inédito, chegar em Cabinda, nas terras do Mayombe e da saca-folha. Tive, certamente, que cumprir com o ritual local, pedi de uma forma simbólica e espiritual a bênção e autorização aos ancestrais, os Nkisi Nsi, para assim poder desvendar alguns mistérios da nossa cultura. Segundo Massanga (2014 p.38) “como é de costume para os cabindas, nada pode ser feito senão através de uma forma de pedido de entrada e de autorização aos ancestrais”.

Referências

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