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Tchiowa 40 para os autóctones, Cabinda para os Portugueses

No documento TCHIKUMBI: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 82-88)

1.2 Cabinda: História e surgimento dos três reinos

2.2.5 Tchiowa 40 para os autóctones, Cabinda para os Portugueses

De acordo com Tubi (2018), “o termo Tchiowa, literalmente vem da palavra li yowa, que significa pequena lagoa. Ouve-se falar popularmente: Vanani li Yowa li mazi like vau (Lá há uma pequena lagoa). Daqui podemos deduzir- Nsi li yona (Terra de lagoa), aplicando a lei do menor esforço, Nsi li yowa, ou Tchi li yowa, passou para Tchiowa, eliminando o li” (TUBI, 2018, p. 57).

Os naturais sempre preferiram e preferem chamar a região de Tchiowa que é o nome do antigo porto do Reino do Ngoyo onde os europeus tinham como paragem obrigatória para o comércio. Para Mambuco (2014, p. 5) “este Paraíso da Costa será o lugar de abastecerem-se não só de água fresca e comércio, senão de lenha e provisões”. Entre os séculos XVI e XVII, assim era denominada a região do porto, e só posteriormente, segundo o mesmo autor, se torna

“a sede de circunscrição administrativa, a partir de 1807 será Cabinda” (MAMBUCO, 2014, p.

6).

Existe uma tradição muito seguida, de que Rui de Sousa teria sido o primeiro navegador português a fundear no Golfo das Almadias, na Baía de Cabinda, na sua viagem de 1491 com a caravela «Nossa Senhora da Atalaia41». Que só depois de Rui de Sousa muitos outros navegadores começaram a passar pela baía das Almadias, Cabinda, não só para tratarem

40Tchiowa quer dizer “empório de grande comércio de pescados”, que aquela praça mantinha com as populações do interior do continente. Até hoje é designada a praça de Cabinda pelo antigo nome de Tchiowa, e a região é conhecida pelo nome de Ngoio (TUBI, 2018, p. 52).

Tchiowa era uma aldeiazinha de entre as antigas aldeolas insignificantes, disseminadas no longínquo antigo reino de Mangoyo. <... Eh Tata eh um nzila Congo! Eh Mama eh um nzila Congo. Ndielem um nzila Congo...> (TUBI, 2018, p. 57).

Tchiowa é uma designação dada pelos antepassados (MAMBUCO, 2014, p.2).

Ruy de Sousa desembarcou acompanhado de um intérprete, o qual revelou tratar-se de T´Chioa, que significava mercado, dando origem ao desenvolvimento da futura cidade de “Cabinda”. Tchiowa tinha na aldeia de Chizo o seu maior e célebre santuário da Religião Tradicional Africana (PINTO, 1997, p. 35).

41Nossa Senhora da Atalaia segundo o navegador português Ruy de Sousa “narra que após quinze milhas de navegação de cabotagem, encontrou uma grande obra com muitas canoas feitas de troncos escavados de tola branca e de mafumeira com nativos a pescar. Existia o M´Pangi, “o espírito dos mares e das pescas, que pairava junto a baia e vivia numa pedra (Limanha) na encosta do morro do Porto Rico, fez assim aparecer sobre as ondas do mar de N´Goio qualquer coisa enorme como uma baleia, vinda do outro lado do horizonte. Era a nau senhora da Atalaya. Ruy de Sousa desembarcou acompanhado de um intérprete, o qual revelou tratar-se de T´Chioa, que significava mercado, dando origem ao desenvolvimento da futura cidade de Cabinda (PINTO, 1997, p. 35).

81 questões de comércio como era o habitual, mas também para abastecerem as suas caravelas com água doce (MARTINS,1972, p. 14).

Tudo até aqui exposto nos faz perceber que esta terra passou a ser chamada por Cabinda e os seus habitantes, como não podia deixar de ser, os cabindas.

Ou seja, o termo Cabinda, relativo à baía de Cabinda, passou a ser aplicável, evidentemente, aos indivíduos naturais deste local, que por antonomásia, foi-lhes imposto o nome da própria baía e, com o passar do tempo, viria a ser aplicado não apenas ao porto, mas também aos territórios limítrofes e mesmo às suas populações (PINTO, 2006, p.99 apud MASSANGA, 2014, p. 102).

No seu livro42 Tubi nos traz o nome Tchiowa para os autóctones e Cabinda para os portugueses, como sendo uma cidade com dois nomes. Ainda “os povos do Sundi e do Maiombe, designam a praça de “Cabinda” pelo antigo nome de Tchiowa; e a região é conhecida pelo nome de Ngoio Remata” (TUBI, 2018, p. 6).

Os nativos chamam a região de Tchiowa e não de Cabinda, o nome que foi atribuído pelos europeus (portugueses), os naturais de Tchiowa não se identificam com o termo Cabinda e se sentem ofendidos ao serem tratados com o mesmo.

Tchiowa é o nome que os autóctones da região Centro - Sul de Cabinda davam ao mercado ou à praça onde comercializavam escravos e se permutavam os diversos produtos da região, como o sal, peixe, sardinha... Este não é um nome agora inventado. Os missionários, que escreveram sobre os nossos usos e costumes, desde a sua chegada à África no século XIX, constataram que os naturais de Cabinda, no passado e no presente, sempre a designaram por Tchiowa (TUBI, 2018, p. 52).

Consultando André Battel (1565-1640), um inglês que esteve em Angola a serviço de Portugal, notou que ele falava de um pequeno riacho de água na baía de Cabinda e onde os europeus iam buscar água fresca. Parece tratar-se do riacho que atualmente tem o nome de rio Lucola (Martins, 1972, p.14). Isso porque o porto de Tchiowa era muito frequentado por portugueses e holandeses que eram levados para lá pela necessidade de água fresca e pelo porto, pela madeira e pelo o comércio.

O porto de T ́China tornou-se bastante importante, não só pelo seu comércio, mas porque os navios da carreira da Índia ali se podiam abastecer de água fresca, devido à proximidade do pequeno rio Lucola, e de boas madeiras, vinda do Mayombe, que serviam para efetuar as reparações necessárias nos porões, nos lemes e nos mastros (PINTO, 1997, p. 35).

42É bem provável a existência de outras explicações dadas por outros linguistas, que se diferenciam da nossa.

Porém, essa explicação etimológica é confirmada pelos conhecedores da língua Ibinda falada em “Cabinda”.

(TUBI, 2018, p. 57).

82 Os nativos chamavam a região de Tchiowa, um centro de grande comércio de peixe, de produtos da terra de panos “Lubongo” e de sal, que corriam por todo interior como moeda (Mabunco, 2014, p. 5). Fica a percepção de que preferiam chamar a cidade de Tchiowa em vez de Cabinda. Cabinda foi nome atribuído pelos europeus, sendo que os naturais se identificavam mais com o termo Tchiowa.

Em relação a origem do termo Cabinda, o documento mais antigo figurando o nome Cabinda (porto Cabenda) é relato de Andrew Battel, um inglês que comercializou a Norte do rio Zaire, na região designada pelos portugueses por Baía das Almadias (Tchiowa), entre 1589 e 1616 (PINTO, 2006, p.97 apud MASSANGA, 2014).

No começo a designação de Cabinda era referida somente a região do antigo Reino do Ngoyo, concretamente aos da região mais chegados, a grande família bantu. Ainda de acordo com Mambuco (2014, p. 2), “esse porto Cabinda, para os nativos chama-se então chiowa, nome que nos povos do interior, ainda hoje se ouve dizer mais facilmente. Significa praça, mercado, um empório do Comércio”. Mambuco (op. Cit.) No século XVIII, com largas vantagens para navegação e desenvolvimento do comércio, isso é no ano de 1883, segundo fontes históricas, forma-se na cidade de Cabinda povoação junto da extensa e calma baía do Oceano Atlântico (MAMBUCO, 2014, p. 2).

O que é conhecido como Cabinda hoje teve inúmeras denominações até o nome atual, a região passou por um processo de várias conotações, isso ainda no período colonial, outros termos associados aos naturais de Tchiowa, vinculada a cada contexto de seu uso mais comum.

Antes do evento da partilha do continente africano, no fim do século XIX, Cabinda era conhecida como Porto Rico, derivando do antigo palácio, propriedade da família Franque no século XIX; Vila Amélia, em 1896, passando por várias metamorfoses43 até ascender à categoria de cidade de Cabinda em 28 de maio de 1956 (PINTO 1997, p. 35).

Antes da chegada dos europeus essa região era habitada por povos dos Reinos de Loango, Kakongo e Ngoyo, como anteriormente referido, reinos estes que se desmembraram

43 Ao consultar os mapas de Diogo Homem de Pigfetta, a atual baía de Cabinda aparece também com o nome de Golfo das Almadias ou Baía das Almadias (MAMBUCO, 2014, p. 6). Isso porque segundo a história, em 1591, os cartógrafos Diogo Homem, Duarte Lopez e Pilippo Pigafetta registraram nos seus mapas o local como o nome de Golfo das Almadias, por ser esse o termo atribuído às pequenas canoas indígenas (PINTO 1997, p. 35).

Figura 8 - Carta dirigida aos deputados da Assembleia Nacional

83 do Reino do Kongo, mas com a chegada dos europeus e com a partilha de África no ano de 1885 (Conferência de Berlim), esses reinos foram desaparecendo aos poucos até a uma parte da região ascender à categoria de Cidade de Cabinda.

Os três reinos NGoio, Kacongo e Loango se estendiam até uma parte da região das Repúblicas Democrático do Congo Kinshasa e a República do Congo Brazzaville, e só tiveram a sua divisão na partilha de África. Massanga (2014) afirma que a “atual província de Cabinda não pode ser confundida com a região de Cabinda que abarcava os reinos Ngoio, Kakongo e Loango; é um território mais povoado no litoral” (MASSANGA, 2014, p. 105).

Uma nova discussão até então não muito ressaltada, segundo Massanga (2014), se refere à afirmação da identidade destes povos. Contrariando a ideia de se chamar os habitantes de Cabinda por cabindenses, como muitos estudiosos os denominaram, pois existe uma distinção a fazer, quanto ao termo cabindenses44, usado para diferenciar os autóctones de Cabinda, assim designados, dos habitantes locais em geral (independentemente das suas origens), que são tratados por “Cabindenses” (MILANDO, 2013, p.43 apud MASSANGA, 2014, p. 102).

Nos dias mais atuais a situação não mudou45 e continuamos a ouvir “vou a Kioua”, e como exemplo tem estampados em alguns estabelecimentos modernos da cidade os nomes:

Farmácia Tchiowa, Dancing Tchiowa, Água Tchiowa, transparecendo o orgulho e a ostentação do nome Tchiowa e não Cabinda (TUBI, 2018, p. 6). nomes originais provenientes da cultura

44Assim, empregue geralmente com o mesmo significado que cabindenses, a expressão cabindas, por seu turno, rejeitada pelos movimentos independentistas locais, pois estes consideram a mesma politicamente inadequada, porque, na sua perspectiva, esta expressão sugere uma situação de acefalia das populações de Cabinda. Ou seja, Cabinda significa, para os independentistas, algo semelhante a uma diminuição semântica da identidade cabindense (MILANDO, 2013, p.44 apud MASSANGA 2014, P. 103).

“Tal conotação ou diferença não advêm de uma sustentação etnograficamente estruturada, já que ela é evocada ou partilhada por determinados grupos sociais locais, como forma de “afirmação da identidade étnica dos autóctones de Cabinda” (MILANDO, 2013, p.44 apud MASSANGA 2014, P. 103).

Assim, empregue geralmente com o mesmo significado que cabindenses, a expressão cabindas, por seu turno, rejeitada pelos movimentos independentistas locais, pois estes consideram a mesma politicamente inadequada, porque, na sua perspectiva, esta expressão sugere uma situação de acefalia das populações de Cabinda. Ou seja, Cabinda significa, para os independentistas, algo semelhante a uma diminuição semântica da identidade cabindense (MILANDO, 2013, p.44 apud MASSANGA 2014, P. 103).

45 O não recebimento do termo Cabinda de bom grado por parte dos nativos podia notar-se ainda na época dos anos 40, quando já se ouvia dizer pelos habitantes da região as frases <vou a Kioua> com mais frequência do que a <vou ou vamos a Cabinda>.

84 angolana, com a exceção da cidade de Tchiowa.

Ao longo da história de Angola, é possível constatar que várias foram as províncias que tiverem esse direito aceito, deixaram de ser designadas pelos toponímicos de origem portuguesa e passaram a ser denominadas com os que atualmente aparece no mapa e na constituição da República com uma toponímia de origem europeia, da qual o povo não se identifica e vem reivindicando a mudança. A este propósito, cito algumas cidades angolanas que ganharam outros nomes, como Nova Lisboa que passou a ser chamada de Huambo; Sá de Bandeira-Lubango; Luso-Lwena; São Salvador do Congo-Mbanza Congo e Carmona hoje Uije (TUBI, 2018, p. 50).

Figura 7 - Carta dirigida aos deputados da Assembleia Nacional

Fonte: (TUBI, 2018, p. 75).

85 Figura 8 - Carta dirigida aos deputados da Assembleia Nacional

Fonte: (TUBI, 2018, p. 75).

A “Carta Aberta”, escrita pelo sacerdote de Tchiowa, Bernabé LeloTubi, dirigida aos Deputados da Assembleia Nacional de Angola com o objetivo de solicitar, dentro do espírito democrático vigente na Constituição da República de Angola, enquanto representantes do povo a fazerem eco com os Tchiowas, a fim de colocarem na toponímia que é a capita da província de Cabinda o nome de Tchiowa (TUBI, 2018, p. 75).

Nesta carta, o padre Tuba reivindica o direito de “Cabinda”, trazendo a história de muitas localidades angolanas como justificativa, que tinham toponímia totalmente portuguesa como Cabinda, e que depois da independência, passaram para a toponímia local. Não deixando de mencionar na mesma carta a história de Tchiowa como forma de defesa, porque se várias localidades angolanas ganharam outros nomes segundo as suas histórias e origem cultural, sendo que o mesmo não acontece com a cidade de “Cabinda”, colocando o nome da sua capital

86 com a toponímia local, Tchiowa46, um nome de origem dos Maloangos, Makongo e Mangoyo.

Essa discussão pode ser debatida e investigada futuramente, com mais bases e dados que permitirão ter mais clareza em relação ao termo Tchiowa, e Tchiowentanos, cunhado pelo autor Bernabé Lelo Tubi. Um nome que já existe desde a existência dos reinos de Loango, Kakongo e Ngonyo, antes mesmo da chegada dos europeus.

No documento TCHIKUMBI: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 82-88)