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3 ANÁLISE DO CONTEXTO POLÍTICO E DAS CONDIÇÕES

3.3 Relação entre contexto, conteúdo e base teórica

Seguindo o entendimento de Rodrigues (2008, p. 11) de que a proposta de avaliação em profundidade é um tipo de avaliação extensa, detalhada, densa, ampla e multidimensional, constata-se que os conceitos que fundamentam as bases teóricas (estruturas de comercialização, intermediadores, preços e mercado dos produtos agrícolas, etc.), o contexto econômico, social e político da criação e regulamentação do programa em estudo e seu conteúdo estão imbrincados e formam uma realidade única. Essas dimensões demonstram a realidade de criação e desenvolvimento da política pública e como eles influenciam a vivência do programa.

Assim, pesquisando-se as relações do contexto político e socioeconômico em que foi criado o PAA, bem como sua evolução ao longo do tempo e a análise do conteúdo da política, seus objetivos, finalidades, etc., verifica-se que o PAA surgiu num momento político que se buscava privilegiar as classes mais necessitadas, que defendia a sustentabilidade e a redução das desigualdades sociais. O objetivo do PAA era possibilitar a comercialização dos produtos agrícolas de base familiar e tentava romper com as estruturas de comercialização enraizadas na economia brasileira na qual existiam diversos atravessadores até que o produto chegasse ao consumidor final, além de contribuir para uma melhor geração de renda para as pequenas propriedades rurais.

O PAA se fortalece como um típico Circuito Curto de Comercialização (CCC), representando um esforço de quebra da lógica hegemônica de comercialização – oportunidade essa surgida pelas circunstancias políticas favoráveis do momento político de criação do PAA. Como CCC, o PAA-CI diminuiu os intermediários criando ciclos mais curtos de comercialização dos produtos dos agricultores familiares. Além disso, como explicitado no capítulo 2, com a fixação dos preços de aquisição/compra dos produtos agrícolas, criou-se a oportunidade desses produtores agrícolas receberem preços mais justos e, com a valorização da contrapartida, surgiu também a possibilidade de elevar a produção, reduzindo a exiguidade do mercado de tais bens e rompendo com a escassez ficta explicada por Rangel.

Como já relatado, os preços de aquisição dos produtos da agricultura familiar são fixos e irreajustáveis. A formação dos preços de referência de aquisição dos produtos do PAA- CI é realizada por meio de pesquisa de mercado, nos termos do art. 12, parágrafo único, do Decreto nº 7.775/2012, da Lei nº 12.512/2011 e do art. 5º da IN 2/2018. Para se chegar ao valor de referência de aquisição dos produtos, é feita uma média entre, no mínimo, 3 (três) propostas de venda dos produtos que serão adquiridos no mercado local ou regional ou poderão ser utilizados os preços de referência estabelecidos nas aquisições do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Ante a impossibilidade de conseguir os preços referidos no mercado local ou regional, poderão os produtos agroecológicos ou orgânicos ter um acréscimo de até 30% (trinta por cento) em relação aos preços estabelecidos para produtos convencionais. Assim, os valores pagos correspondem aos preços de cada produto, compatíveis com os estabelecidos no mercado, sem intermediadores, que levam em consideração as peculiaridades do mercado local e que são fixados na chamada pública. Isso faz com que os produtores agrícolas recebam preços mais justos e condizentes com o mercado no momento da venda de sua produção, possibilita uma melhor renda, contribui para o aumento da produção e da comercialização.

Cabe frisar que, no momento de divulgação das chamadas públicas, esses preços já estarão fixados, não existindo disputa, ou seja, não haverá lances para se tornar vencedor – diferenciando-se das modalidades tradicionais de licitação. Caso haja vários agricultores, associações e cooperativas habilitadas e aptas a fornecer aos órgãos públicos, serão utilizados critérios de desempate estabelecidos na legislação correlata, ou seja, priorizam-se as propostas de venda na seguinte ordem: 1º) grupo de projetos de fornecedores locais, 2º) grupo de projetos do território rural, 3º) grupo de projetos do estado, 4º) grupo de propostas do País.

Se houver vários fornecedores aptos dentro do mesmo grupo de projetos, será observada a seguinte ordem de preferência para a contratação: 1º) assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas, não havendo prioridade entre estes; 2º) fornecedores de gêneros alimentícios certificados como orgânicos ou agroecológicos, nos termos da Lei nº 10.831/2003; 3º) grupos formais, isto é, organizações produtivas detentoras de DAP Jurídica, 4º) grupos informais, isto é, agricultores familiares, detentores DAP Física, mas organizados em grupos; e 5º) fornecedores individuais – detentores de DAP Física que não formam grupo. Concluídas todas as etapas anteriores e persistindo o empate, será realizado um sorteio ou, caso haja consenso entre as partes, poderá ser feita a divisão da aquisição entre as organizações finalistas (art. 25 da Resolução CD/FNDE nº 26/2013).

O pagamento pelos alimentos adquiridos no âmbito do PAA será realizado diretamente aos beneficiários fornecedores ou por meio das organizações fornecedoras (cooperativas, associações, etc.). Ou seja, não haverá intermediários na comercialização da produção, nem no recebimento do pagamento, o que permite que os produtores rurais recebam diretamente o valor de venda da sua mercadoria.

Ademais, o PAA-CI gera um mercado de trabalho para os agricultores familiares, permitindo que esses sobrevivam de sua produção no campo e retendo essas pessoas que emigrariam para as cidades em busca de trabalho. Isto é, o programa auxilia também na redução da oferta de mão-de obra excessiva, ao diminuir as massas que vão para os centros urbanos a procura de trabalho, o que critica Rangel (1963, p. 28) como uma causa de perturbação do marcado ao dificultar o poder de barganha dos trabalhadores por melhores salários, resultando em um excedente de mão de obra que culminaria na elevação da taxa de exploração do sistema.

Ocorre que com o passar do tempo, o contexto socioeconômico e político brasileiro mudou e isso também influenciou no PAA, pois algumas modalidades do programa tiveram seus recursos diminuídos e dissipados. A extinção de alguns órgãos e a fusão de Ministérios foram, igualmente, acontecimentos que afetaram negativamente o programa. Quanto a esse

aspecto, a reunião sob um mesmo Ministério de interesses divergentes – dos agricultores familiares com produção local, sustentável, e dos grandes comerciantes que visam a exportação e produção em larga escala, com o uso cada vez maior de agrotóxicos – fez com que se dificultasse a defesa dos direitos dos primeiros e corroborou com a lógica de exploração da terra explanada por Furtado. Ou seja, os grandes proprietários de terras não possuem interesse em se modernizar, pois enquanto puderem extrair o máximo da terra, a custos baixos, o farão, mesmo que isso signifique a utilização excessiva de agrotóxicos que causem prejuízo a saúde da população.

Assim, acredita-se que as finalidades do programa descritas no art. 19, da Lei nº 10.696/2003 – como por exemplo: incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e social, com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento de alimentos e industrialização e à geração de renda; incentivar o consumo e a valorização dos

alimentos produzidos pela agricultura familiar; e fortalecer circuitos locais e regionais e redes de comercialização – estão sendo cumpridas, apesar dos retrocessos que o programa

vem enfrentando na atual conjuntura política.

Desse modo, no próximo capítulo, analisa-se a trajetória institucional da política no âmbito do IFCE. Buscando-se, com isso, verificar as discrepâncias entre a política descrita na lei e a realidade vivenciada na entidade em estudo, evidenciando-se as coerências e as dispersões no programa.

4 PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS NO IFCE: trajetória institucional e