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3 ANÁLISE DO CONTEXTO POLÍTICO E DAS CONDIÇÕES

3.1 Momento político e socioeconômico brasileiro a partir do século XX

3.1.1 Situação atual da política no contexto socioeconômico e político

A atual situação dos programas ligados a agricultura familiar no recente Governo que se iniciou em 2019, do então Presidente Jair Messias Bolsonoro (2019-2022), não é das melhores. Em apenas 6 (seis) meses de Governo, foram apresentadas medidas que afetaram diretamente o PAA. Destacam-se, entre elas:

A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e transferência de sua competência para Ministério da Cidadania – pela Medida Provisória nº 870/19, editada pelo Presidente no primeiro dia de governo e, posteriormente, convertida na Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019 (art. 23, inc. II). Quanto a essa primeira medida esclarece-se que:

O CONSEA, órgão de assessoramento à Presidência da República (http://www4.planalto.gov.br/consea/), tinha como competência institucional apresentar proposições e exercer o controle social na formulação, execução e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional. [...] ele foi um importante espaço em que os titulares de direito, muitas vezes invisibilizados, tinham voz e influenciavam as políticas públicas. Sua composição intersetorial e interdisciplinar foi uma de suas fortalezas. [...]. O CONSEA atuou em agendas estratégicas como: inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal; defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas e comunidades quilombolas; fortalecimento das culturas alimentares em consonância com os biomas e ecossistemas brasileiros; fortalecimento da agricultura familiar e agroecológica; redução do uso de agrotóxicos; avanço da agenda regulatória, por exemplo, no âmbito da rotulagem de alimentos (transgênicos, ultraprocessados) e da tributação de alimentos e insumos; avanço do código sanitário de forma a torná-lo mais includente e adequado à produção em pequena escala e à comercialização em circuitos curtos, entre tantas outras (DE CASTRO, 2019).

O CONSEA é um importante órgão que atuava em pesquisas e garantia a soberania e a segurança alimentar e nutricional no Brasil por meio da concepção e do aprimoramento de políticas públicas relacionadas a agricultura e a segurança alimentar – representando a efetividade do Direito Humano, constitucionalmente previsto, de acesso à alimentação adequada. Sua extinção

[...] é particularmente preocupante em um cenário de crise econômica aliada a uma política de austeridade fiscal, marcado pelo desmonte de políticas sociais e pelo estancamento ou piora de indicadores sensíveis à degradação das condições de vida: recrudescimento da mortalidade infantil, interrupção do processo de diminuição da desigualdade de renda e de raça, aumento do desemprego e da pobreza (com indícios de que o Brasil retornará ao Mapa da Fome), recrudescimento da violência no campo, entre outros. Além disso, a extinção do CONSEA representa uma afronta à democracia e um retrocesso social, uma vez que desmonta um espaço de participação,

um dos pilares da democratização do Estado, conforme pactuado na Constituição Federal (DE CASTRO, 2019).

Devido a importância desse órgão, organizações da sociedade civil, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), e o Ministério Público Federal (MPF), entre outros órgãos, vinham se manifestando pela permanência do CONSEA. “Também foi feita uma petição contra a extinção do conselho, realizada pela FIAN Internacional – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas” (VITÓRIA..., 2019). Assim, devido às pressões da sociedade – “ao todo, foram apresentadas 541 emendas à medida, sendo que 12% delas reivindicaram a manutenção do Consea” (VITÓRIA..., 2019) – em 28 de maio de 2019, após a votação do Senado, o CONSEA voltou a existir.

Outra medida, adotada pelo atual Governo, foi a extinção da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD) e repartição de sua antiga competência entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A principal missão da SEAD era promover políticas de desenvolvimento rural, citando como exemplo: “democratização do acesso à terra, gestão territorial da estrutura fundiária, inclusão produtiva, ampliação de renda da agricultura familiar e paz no campo, contribuindo com a soberania alimentar, desenvolvimento econômico, social e ambiental do país” (NACHILUK; SILVA, 2019).

A divisão das atribuições da SAED se deram da seguinte maneira: as competências de coordenação, normatização e supervisão do processo de regularização fundiária de áreas rurais na Amazônia Legal, expedição dos títulos de domínio correspondentes e efetivação da doação em áreas urbanas passaram para o INCRA (art. 69, da Lei nº 13.844/2019). As demais competências ficaram a cargo da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo vinculada ao MAPA. Assim, entre outras atribuições, ficou sob a alçada do MAPA, nos termos da Lei nº 13.844/2019, a competência para cuidar tanto da produção e fomento do agronegócio quanto das políticas e fomento da agricultura familiar, como se verifica no art. 21, da supracitada Lei, in verbis:

Art. 21. Constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:

I - política agrícola, abrangidos a produção, a comercialização, o seguro rural, o abastecimento, a armazenagem e a garantia de preços mínimos;

II - produção e fomento agropecuário, abrangidas a agricultura, a pecuária, a agroindústria, a agroenergia, as florestas plantadas, a heveicultura, a aquicultura e a pesca;

[...]

XIII - políticas e fomento da agricultura familiar;

XIV - reforma agrária, regularização fundiária de áreas rurais, Amazônia Legal e terras quilombolas;

XV - conservação e manejo do solo e da água, destinados ao processo produtivo agrícola, pecuário, sistemas agroflorestais e aquicultura (grifo nosso).

Essa unificação de políticas com focos distintos, sob um mesmo órgão, pode acabar enfraquecendo as políticas relacionadas a agricultura familiar, pois as políticas dos grandes empresários, por vezes, vão de encontro às políticas do pequeno e médio produtor, saindo esses últimos em desvantagem.

Seguindo essa linha de unificação das agriculturas, o Plano Safra 2019/2020, do Governo Jair Bolsonaro, apresentou a reunião dos pequenos, médios e grandes produtores – que estavam separados há mais de 20 anos – como se fosse algo positivo. Consoante o discurso da Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, ela afirma que: “A ênfase do Plano Safra 2019/2020 é para os pequenos e médios, que ainda precisam de apoio. [...] Pela primeira vez, o Tesouro Nacional disponibilizou mais recursos para a subvenção ao Programa de Agricultura Familiar (Pronaf) do que para os demais” (INSTITUTO..., 2019). Para o Coordenador Regional do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) – Região Sul, Caio Rocha:

‘[...] Este Plano Safra é um plano unificado demonstrando que a importância do agricultor não tem tamanho. Todo agricultor tem a mesma importância e, tem, evidentemente, a taxa de juros que mostra o tratamento diferenciado, devido às condições de cada um de pagamento.' [...] Para o representante do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) no Brasil, Hernán Chiriboga, o que chamou a atenção foi a priorização à agricultura familiar. ‘Se dobrou o investimento na mesma e foi incrementado, significativamente, os recursos para o seguro rural’, destacou (INSTITUTO..., 2019).

Contudo, estudiosos divergem do posicionamento apresentado pela Ministra Tereza Cristina e pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). Por exemplo, na apresentação do Plano Safra 2019/2020, o IICA afirmou que os beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) contarão, apenas para o custeio, com um incremento de 21% nas verbas do Pronaf (INSTITUTO..., 2019). No entanto, afirma Teixeira (2019, p. 5) que: “os beneficiários do Pronaf contam com a promessa de R$ 31,22 bilhões para custeio, comercialização e investimento, o que praticamente mantém os recursos

previstos para a safra 2018/2019 (R$ 31 bilhões) ”. Outros aspectos são citados por Teixeira (2019, p. 5-7), comparando-se os Planos Safra 2018/2019 e 2019/2020. Assim, para esse autor:

6. Portanto, enquanto o governo adota medidas para ampliar a oferta do crédito para os grandes, inclusive, com o seguro cambial pelo Tesouro, os ‘pequenos’ deverão enfrentar a concorrência predatória dos médios produtores que integram a base da CNA; [...]

8. Compras institucionais da agricultura familiar (pequenos) – os documentos até então disponibilizados sobre o Plano Agrícola são omissos quanto aos compromissos na execução do PAA e PNAE;

9. Seguro da Agricultura Familiar – mantidos o valor segurado de R$ 10 bilhões e as condições do SEAF [...]

10. Garantia-Safra – redução do volume de recursos segurado, de R$ 726 milhões, para R$ 468 milhões;

11. Médio produtor – Os recursos para o Pronamp passaram para R$ 26,49 bilhões, R$ 6,46 bilhões a mais que o programado na safra 2018/2019;

12. Casas Rurais – serão reservados R$ 500 milhões para o financiamento da construção/reforma de moradias dos ‘pequenos’ com meta de construção de 10 mil casas;

13. uma das grandes conquistas dos grandes foi no seguro rural. Enquanto o governo reduziu os recursos para o garantia safra e manteve a indigência das previsões para o SEAF, os grandes contarão com R$ 1 bilhão para subvenções ao prêmio do seguro, o que significa um aumento de 127%. Com essa ampliação, o MAPA prevê área segurada na safra 2019/2020, de 15.6 milhões de hectares contra 6.9 milhões de ha na safra anterior.

Como se observa do exposto, há divergência de tratamento entre pequenos, médios e grandes produtores. Enquanto o seguro da agricultura familiar se manteve nos mesmos valores, não existindo no Plano nenhum compromisso com o PAA e o PNAE, para os grandes produtores houve significativo aumento no seguro rural. Tais medidas, além de outras medidas indiretas – como o aumento na liberação de produtos agrotóxicos, a paralisação da reforma agrária e das demarcações das terras indígenas e quilombolas, e o quadro da fome no Brasil ignorado pelo Governo – afetam a agricultura familiar que é um importante segmento da economia brasileira.

Segundo o Censo Agrário de 2006, a agricultura familiar é responsável por 4.367.902 estabelecimentos, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Ademais, em 29 de maio de 2019, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) fez o lançamento da Década da Agricultura Familiar, cujo objetivo é priorizar nos próximos 10 (dez) anos a defesa e o desenvolvimento da agricultura familiar em todas as suas dimensões. A agricultura familiar para a FAO “[...] é o maior gerador de empregos no mundo, além de ser responsável por cerca de 80% da produção mundial de alimentos, sobretudo nos países em desenvolvimento (BELINCANTA, 2019).”

Além disso, a agricultura familiar é fundamental para a produção de alimentos e distribuição aos setores e pessoas mais necessitadas no país, além de desenvolver o mercado

local e garantir a segurança alimentar. Esse tema também é um dos objetivos globais de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja implantação deverá ocorrer até 2030. Para Nachiluk e Silva (2019),

[...] tais objetivos e metas são parte de uma agenda universal na qual se prevê: o fim da pobreza; acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição e promoção da agricultura sustentável; tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos; e proteção, recuperação e promoção do uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gestão de forma sustentável das florestas, combate à desertificação, detenção e reversão da degradação da terra e detenção da perda de biodiversidade.

Contudo, apesar de ser uma área importante para a economia interna e externa, e destaque nos órgãos internacionais; o que se observa, no âmbito interno, é que nos primeiros meses do Governo do Presidente Jair Bolsonaro, o atual Presidente não vem dando a devida valorização que o setor merece, conforme se verifica pelas medidas acima explicitadas.

Assim, um dos principais desafios do PAA tem sido a questão financeira e orçamentária, tendo em vista que o programa vem sofrendo com contingenciamentos, o que tem afetado tanto a execução do programa quanto a quantidade de pessoas e organizações beneficiadas.

No campo teórico, o PAA também representa uma relevante política pública, tendo em vista que se revela como uma tentativa de ruptura das estruturas de comercialização, restringindo os intermediadores nas vendas dos produtos agrícolas, gerando renda e emprego para a população rural, com foco nos agricultores e agricultoras familiares, conforme se examina em seguida.