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As leituras do desenho animado Gravity Falls nos mostraram o quanto o desenho é conhecido e como está carregado de simbolismos em meio à sua trama. Foi possível perceber, também, durante a pesquisa de campo que o desenho chamou a atenção da maioria dos alunos e que muitos sentiram vontade de continuar assistindo aos episódios. Para nós isso é importante, pois mostra o quanto a escolha foi contextualizada com os desenhos que têm sido assistidos. Separamos algumas falas sobre esse interesse pelo desenho:

“Eu acho que tira o desenho daquela forma muito infantilizada e traz para assuntos científicos, mudança de etapas... Até as palavras... A forma como ele aborda os temas não é tão infantil. Também mostra uma realidade das crianças que têm muito mais acesso às informações, às tecnologias. Que essas palavras não soam tão estranho porque elas já têm essa familiaridade desde muito cedo”.

“Ele é muito legal por que trabalha com Illuminati, teoria da conspiração, com monstros... Eu gosto dele porque eu via com meu irmão, tem todos os episódios no Netflix. Nós vimos todos e ele adorava era muito legal. Tinham vários episódios da Mabel e do laço de amizade que os dois irmãos têm, eles estão sempre se protegendo. É um desenho muito divertido, diverte tanto as crianças como os mais velhos”.

“Me lembrou Rick e Morty uma outra série que também tem esse caráter científico, tipo de muitas aventuras, alienígenas, eu acho que é um desenho mais para adultos. Eu gosto muito desse desenho (Gravity Falls) acho que inclui várias faixas etárias”.

Essas falas nos mostram que é um desenho apreciado por muitos e não é destinado somente ao público infantil – ao mesmo tempo que as crianças gostam, também os adultos têm interesse. A capacidade de o desenho tratar vários assuntos concomitantemente deve ser o principal atrativo, já que acaba abarcando diferentes gostos e idades. Tanto na leitura da pesquisadora quanto dos alunos vimos a curiosidade pelos assuntos tratados e mistérios que surgem ao longo do episódio.

As leituras das duas turmas sobre essa produção foram bastante díspares. Em uma turma tivemos um maior envolvimento com o desenho do que na outra. Poderíamos elencar alguns motivos pelos quais isso aconteceu, mas acreditamos que o exercício da leitura de imagem é sempre diferente para cada pessoa, para cada grupo e que é preciso que haja uma conexão do sujeito com o objeto para que se estabeleçam possíveis relações. É o sentido sentido de que fala Landowski (2005), o sentido que só é apreendido em ato.

Muitos temas, durante a leitura, foram discutidos e muitos deles estão presentes no nosso cotidiano. Essas relações e assuntos que trazemos para dentro da leitura enriquecem essa experiência, abrem para a leitura de mundo da qual fala Paulo Freire. Foi importante deixar que os alunos apontassem esses assuntos, bem como vê-los ouvir opiniões diferentes das deles, o que fez alguns até mudarem de opinião, como foi percebido com os outros objetos da pesquisa. Trazemos algumas falas sobre distintos assuntos que mostram a questão de gênero, as relações escolares e de infância:

“Eu queria comentar isso, a questão de gênero, pois é bem demarcado. No quartinho o cantinho dela rosa o dele azul. Ele é o aventureiro e sai com o tio para fazer as experiências e ela fica ali naquela agonia organizando a festinha. Por que não os dois saírem para salvar o planeta?”

“Essa questão do gênero, quando nós vamos vendo é que percebemos algumas coisas. Mas é só nesse episódio que a Mabel é assim, nos outros ela extrapola. Ela é corajosa e muito mais pirada que o Dipper”.

“Eu não sei se é porque eu cresci vendo os desenhos dos anos 90, mas realmente esse tem todo um simbolismo a questão da história, da narrativa é mais bem construído. Mas para mim, eu acho que tem um pouco de estímulos demais”.

“Esse final de semana eu estava vendo pica-pau, bateu uma saudade da infância, e agora vendo esse é muito diferente. A narrativa do pica-pau é tipo eles fazendo travessuras para lá e para cá. E esse tem todo um simbolismo, um texto todo complexo, tem essa coisa do ritmo que é muito mais acelerado. Porque o pica-pau na minha época eu já achava mais aceleradinho, mas essa aí, muito mais”.

“Acho que é sobre uma crise da adolescência. A expectativa da menina de chegar ao ensino médio e ela fala: Eu achei que seria como High School Musical. É forte, e eu me identifiquei inclusive, porque o ensino médio é realmente um momento muito difícil na vida das pessoas em geral. E eu acho que ela vive um dilema muito grande ali e esse final do mundo se conecta muito com esse fim de fase para eles”.

Escutar e ser escutado é um exercício que nos enriquece, pois, ao mesmo tempo que podemos ensinar algo a alguém, também aprendemos. A leitura de imagem compartilhada no grupo nos pareceu uma maneira potente para que possíveis sentidos fossem elencados e discutidos, mas também nos mostrou que é preciso um mediador com experiência e conhecimento sobre leitura, modos de propor e sobre o objeto. É importante que esse mediador já tenha se dado o tempo de ver e fazer a sua própria leitura, não para uma manipulação por parte dele para se chegar ao sentido que ele almeja, mas para construir uma rota, poder fazer intervenções quando preciso e, para isso, necessita de conhecimento.

A respeito da questão sobre levar esse material para as crianças na escola, foi quase unânime a decisão de não levar, muitos alegaram que eles já têm esse conhecimento e que é preciso mostrar outros recursos aos quais eles não têm acesso. Tivemos algumas defesas, explicitando o fato dos diversos conteúdos apresentados no desenho e a necessidade de problematizá-los com os alunos. Os dois tipos de opinião contemplam o cotidiano escolar, mas consideramos que levar esse tipo de objeto para leitura dentro da escola é abrir espaço para mostrar o que elas (crianças e também adolescentes) têm visto, o que e como têm entendido. Estar inserido no universo delas nos faz entendê-las melhor.

Importa ressaltar que na leitura das alunas foram tratadas tanto as qualidades sensíveis do plano da expressão como os conteúdos presentes no desenho. E, ainda, as alunas mencionaram as relações entre as imagens e os sons, abordando o ritmo no desenho.