• Nenhum resultado encontrado

Sociedades segmentadas e a certeza do direito arcaico

No documento Tiago Cardoso Vaitekunas Zapater (páginas 70-78)

2 CERTEZA E SOCIEDADE

2.1 Formas de diferenciação social e os centros de certeza

2.1.1 Sociedades segmentadas e a certeza do direito arcaico

A forma de diferenciação segmentária se caracteriza pela relação de igualdade entre os sistemas parciais. A partir das estruturas de parentesco, diferenciam-se agrupamentos que contemplam descendência e comunidade habitacional.176 Estruturas de parentesco podem ser pensadas como orientações para as relações interpessoais baseadas na distribuição da proibição do incesto que, ao mesmo tempo, institui o parentesco e o casamento. Vale dizer, são estruturas de relações que não se confundem nem se limitam às relações diretas de sangue. A pertinência a uma comunidade habitacional pressupõe, além da sujeição à distribuição da proibição de incesto, comunhão de costumes e idioma.177 Pode-se associar essa forma de diferenciação a povos antigos, como os hebreus no período dos grandes patriarcas bíblicos. Famílias que vivem sob a égide dos patriarcas, os quais têm poder de vida e de morte sobre os membros da família e que não reconhecem outra autoridade. Essas famílias se organizam em

176 LUHMANN,Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 2007, p.485.

Trata-se da primeira forma de diferenciação social de que se tem notícia histórica: o agrupamento de indivíduos a partir de estruturas de parentesco ou pertinência territorial a uma comunidade (ou ambos), critérios que transcendem os atributos naturais (sexo e idade). No entanto, deve-se ressalvar que, como observam Luhmann e De Giorgi, embora seja a primeira forma de diferenciação de que se tem notícia, não deve ter sido a forma inicial da vida associativa entre homens. Possivelmente existiram também formas de associação baseadas no sexo e na idade. A diferenciação por segmentos que incorporam essas diferenças deve ser vista como uma importante aquisição evolutiva. Como explicam os autores, “a família forma uma unidade artificial sobre diferenças naturais de idade e de sexo: isso ocorre pela incorporação dessas diferenças”. Existe sociedade antes que existam famílias, mas é a família que se constitui como forma de diferenciação da sociedade (e não a sociedade que é composta por famílias que se juntam). (LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, Rafaelle. Teoria della

società. 11.ed. Milano: FrancoAngeli, 2003, p.260).

177 Conforme a conhecida construção de Claude Levi-Strauss: LEVI-STRAUSS,Claude.As estruturas elementares do

parentesco. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2009. Contudo, embora sempre vá pressuposta alguma estrutura de parentesco, essas

sociedades podem se orientar predominantemente tanto pelo princípio da parentela quanto por um princípio de território (no qual se desenvolve a convivência de famílias), sem exclusividade de um ou outro. Há sempre ambos com prevalência de algum. Correspondentemente, quando prevalece o princípio da parentela, há forte destaque para o culto dos antepassados e, quando prevalece o princípio do território, um destacado culto da terra. Ainda, grupos fundados nos laços de parentela têm maior mobilidade territorial (podendo migrar em busca de alimento ou por força de eventos climáticos), enquanto que grupos fundados no princípio territorial têm maior mobilidade na família (adoção). (LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, Rafaelle.

clãs e os clãs em tribos. Comunidades indígenas também podem ser associadas a essa forma de diferenciação.178

Nessas sociedades, não se forma um centro ou vértice que outros segmentos observem e descrevam como superior ou como portador de um sentido válido para todos os âmbitos da interação social. Todos os problemas criados e resolvidos – o que inclui os conflitos surgidos e o respectivo encaminhamento – são limitados pela estrutura da segmentação, o que garante uma complexidade limitada. Essas sociedades dependem muito fortemente de uma certeza do mundo. São sociedades que, para sobreviver, dependem tanto das condições do ambiente físico, quanto das condições sociais internas (por dependerem da interação, a coesão do grupo é essencial). Assim, são características dessa sociedade, a forte dependência da interação concreta entre seus membros, para manutenção da coesão do grupo,179 e a aversão ao acidental: todo fenômeno tem uma explicação, logo, nada ocorre por acidente.180

Em correspondência a essas características – dependência da interação concreta e necessidade de certeza quanto ao mundo – essas sociedades desenvolvem artefatos semânticos, isto é, símbolos, objetos, expressões, ritos que representam um conjunto de significados. Dois artefatos semânticos importantes para essas sociedades são a magia e as práticas de reciprocidade.181 A magia diz respeito ao conjunto semântico referente às relações

178 O clã remete a um grande agrupamento de famílias que se identificam com um ancestral ou totem comum. Afinidades de

costumes, língua, tradição permitem identificar o agrupamento de clãs como uma tribo, o que foi o caso dos povos hebreus e da maior parte dos povos antigos que, posteriormente, se desenvolvem como reinos ou mesmo impérios. Também é o caso das tribos de ameríndios das quais algumas se tornam grandes civilizações e impérios. É certo ainda que, “milhares de homens vivem ainda atualmente, na segunda metade do séc. XX, de acordo com direitos a que chamamos de arcaicos ou primitivos. As civilizações mais arcaicas continuam a ser a dos aborígenes da Austrália ou da Nova Guiné, dos povos da

Papuásia ou de Bornéu, de certos povos índios da Amazônia no Brasil”. (GILISSEN,John. Introdução histórica do direito.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p.33). A forma da igualdade por meio da qual os segmentos vêem e descrevem uns aos outros pode ser pensada como uma igualdade baseada na indiferença. Um segmento não vê o outro como superior, inferior nem estabelece relações de complementaridade. Não estabelecem relação alguma entre si, não comungam de referências para a comunicação. Um vê o outro como estranho, como uma ameaça potencial, e vice-versa. Por isso, do ponto de vista de um terceiro observador são, para a sociedade, iguais. Como coloca Marshal Sahlins, caracteriza a segmentação a exclusão de outras formas. Não se fala em sociedade segmentada porque há segmentos, mas porque só há segmentos, de modo que “a sua coerência não é mantida de cima através de instituições políticas públicas (como por uma autoridade

soberana)” (SAHLINS,Marshal.Sociedades tribais. 2. ed. Zahar: Rio de Janeiro, 1974, p. 29).

179 Como essas sociedades não conhecem a escrita, a comunicação só se dá entre os presentes e depende, assim, de sistemas

de interação. (LUHMANN,Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 2007,

p.504). Sistemas de interação são uma espécie de sistema social. Formam-se episodicamente a partir da interação entre os presentes e definem as regras da interação, os participantes, o assunto, o tom da conversa, seus rumos etc. Nesse sentido:

LUHMANN,Niklas. Sistemas sociales – lineamientos para una teoría general. Tradução de Silvia Pappe y Brunhilde Erker

Rubi. (Barcelona): Anthropos; Mexico: Universidad Iberoamericana; Santafé de Bogotá: CEJA, Pontificia Universidad Javeriana, 1998, p. 368-372.

180 LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, Rafaelle. Teoria della società. 11.ed. Milano: FrancoAngeli, 2003, p. 266-267

externas do grupo, isto é, o modo pelo qual o grupo atribui sentido às experiências do que é exterior e desconhecido.182 Sociedades mais complexas desenvolvem a religião para essa função. De outro lado, estão as práticas sociais de reciprocidade, que se referem às relações internas no grupo e, no curso da evolução, virão a diferenciar um sistema jurídico. A reciprocidade atua no conhecido das relações sociais, definido-as. Trata-se de “um dispositivo de regulação que abraça tanto o caso da cooperação quanto o caso de conflito: através desse instrumento regulativo uma distinção tão importante para a vida prática é dotada de normas para a troca e para a delimitação da vingança”.183

Os mecanismos de reciprocidade, portanto, fazem as vezes de um sistema jurídico. A reciprocidade, contudo, não é formulada conceitualmente, como norma: doar e ajudar são praticados como comportamentos socialmente óbvios e dirigidos a todo o grupo.184 Esse direito não existe como um sistema parcial da sociedade, pois a única espécie de sistema parcial da sociedade são os próprios segmentos (a família, o clã ou a tribo). Os conflitos e respectivos problemas de projeções de expectativas contrafáticas (normativas) não encontram estruturas, como vigência e validade, que deem um sentido abstrato próprio para a normatividade. A única distinção para o sentido é a pertinência ao segmento, razão pela qual a semântica dessas sociedades vincula-se às interações concretas. A normatividade da

182 Como nessas sociedades não há lugar para o acidental, a função da magia é justamente, diante de uma ocorrência

inesperada, encontrar um motivo no desconhecido, trazendo-o para o conhecido. Ela faz isso traçando, por meio dos rituais mágicos, paralelos entre o conhecido e o desconhecido e, nesse contexto, produz certeza e, pontualmente, satisfaz expectativas que se pretendem normativas. Por esse motivo, explicam Luhmann e De Giorgi, a magia não pode ser vista como uma forma de controle do desconhecido. Também seria equivocado pressupor que a magia é substituída gradualmente pela ciência (causalidade mágica substituída por causalidade racionalmente controlada). A ciência grega, por exemplo, nasce enquanto continua a subsistir a fé na magia (e ainda acresce à magia a possibilidade de observações de segunda ordem).

(LUHMANN,Niklas; DE GIORGI, Rafaelle. Teoria della società. 11.ed. Milano: FrancoAngeli, 2003, p.267). Ainda,

segundo Luhmann, por esse motivo, também frequentemente “a ação mágica se faz acompanhar de uma declamação correspondente como se essa fosse a forma pela qual se pode tratar o desconhecido: não significa que o feiticeiro pense que as

palavras sejam a causa da eficácia dos meios”. (LUHMANN,Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres

Nafarrate. México: Herder, 2007, p.512).

183 LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, Rafaelle. Teoria della società. 11.ed. Milano: FrancoAngeli, 2003, p.268. Em sentido

semelhante, sobre a impossibilidade de se distinguir entre regras jurídicas e religiosas nas sociedades arcaicas,: GILISSEN,

John. Introdução histórica do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p.35; MAINE, Henry Summer.

Ancient Law. 1861. Disponível em:

http://en.wikisource.org/wiki/Ancient_Law#Chapter_5_Primitive_Society_and_Ancient_Law. Acesso em: 13 mar.2014.

184 LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, Rafaelle. Teoria della società. 11.ed. Milano: FrancoAngeli, 2003, p.270. Sobre a

relevância do mecanismo de reciprocidade, como base das relações nessas sociedades a partir da ideia de “prestações totais”,

isto é, não específicas, ver: MAUSS,Marcel. Ensaio sobre a Dádiva. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU, 1974,

p.42. Assim, segundo o autor, ajudar na obtenção de água não gera a expectativa de ser ajudado também na obtenção de água ou qualquer outra específica. Trata-se de extensões gerais da gentileza/ofensa que formam bases permanentes do relacionamento social, consistindo em prestações totais dirigidas a toda a coletividade. Aqui, o indivíduo não é marco para a formação de estruturas sociais. As expectativas relacionadas à vingança, destino da comunidade, catástrofes naturais, sucesso ou derrota na batalha, são expectativas atribuídas ao grupo todo. A frustração da expectativa de reciprocidade é atribuída ao

expectativa tende a se confundir com as possibilidades de sua satisfação pela força, com auxílio do grupo (ou por meio de um ritual): normativa é a expectativa que pode ser realizada imediatamente, pela força ou com auxílio mágico.185

Como explica Gonçalves, essa sociedade se organiza sobre duas certezas absolutas, que viabilizam todas as outras: a certeza da família e a certeza da organização familiar. A primeira exclui a existência de uma esfera pública. Não há qualquer espaço de vida pública como a civitas. Fora da família não há existência com sentido e isso é uma certeza, já que outras possibilidades de organização social não são concebíveis. “Essa drástica redução de possibilidades à estrutura familiar elimina a manifestação da incerteza, diante da inexistência de alternativas”. 186 A outra certeza é a certeza da organização familiar: as estruturas de

parentesco, que definem a família não podem ser alteradas e não se sujeitam a qualquer contestação.187 Esses critérios de parentesco definem a atribuição do patria potestas, isto é, da posição de liderança.188 Não há contingência, uma vez que a posição do pater deriva do parentesco e, assim como o parentesco, não pode ser alterada. Toda possibilidade de novo sentido é reenviada à redundância gerada por esse centro de certeza, que é o sentido do próprio grupo e sua organização, as posições na família ou tribo e suas capacidades físicas. As possibilidades de certeza do direito estão diretamente atreladas a essas referências.

Luhmann chama o direito típico dessas sociedades segmentadas de direito arcaico, caracterizado pela indistinção de um sistema jurídico e pela inexistência de processos decisórios de cunho especificamente jurídico.189 Aqui, não se pode indicar normatividade

185 LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito v.I.Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983,

p.184-190. Segundo o autor, “o direito ainda está em um contato imediato com os processos elementares da formação do

direito, podendo então ser a qualquer momento esvaziado ou multiplicado por expectativas concretas sobre expectativas. O

modo preferencial de estabilização, portanto, e a pobreza em alternativa, a pequena complexidade da sociedade – não a

sanção”. (p.185).

186 GONÇALVES, Guilherme Leite. Certezza ed Incertezza, pressuposti operativi del diritto contingente. Tese di

Dottorado, tutore Prof. Raffaele de Giorgi, Università degli Studi di Lecce, Facoltá di Giurisprudenza, 2006. Não publicada, p.114.

187 GONÇALVES, Guilherme Leite. Certezza ed Incertezza, pressuposti operativi del diritto contingente. Tese di

Dottorado, tutore Prof. Raffaele de Giorgi, Università degli Studi di Lecce, Facoltá di Giurisprudenza, 2006. Não publicada.

188 Segundo Niklas Luhmann e Raffaele De Giorgi, essa posição exerce um papel multifuncional: o conhecimento e prática de

ritos mágicos, a habilidade guerreira, que orienta a aplicação da reciprocida de vingança no conflito com outros grupos e da reciprocida de solidariedade no encaminhamento dos conflitos internos no grupo. (LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, Rafaelle. Teoria della società. 11.ed. Milano: FrancoAngeli, 200, p.273). Deve-se notar, no entanto, que isso não significa atribuição de competência decisional (o que pressupõe regras decisionais abstratas), muito menos para aplicar sanção.

Quando isso ocorre, é porque outra forma de diferenciação já está se manifestando. Nesse sentido: LUHMANN,Niklas. La

sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 2007, p.519.

189 Segundo o autor, “Podemos satisfazer-nos com uma divisão grosseira, distinguindo apenas se já existe uma diferenciação

de processos decisórios de cunho jurídico e se eles se referem apenas à aplicação do direito ou também à legislação. Essas diferenças marcantes caracterizam conquistas evolutivamente improváveis, cuja estabilização praticamente altera toda a

jurídica, mas apenas a possibilidade de satisfazer a própria expectativa.190 Aqui, não há procedimento para decidir sobre a satisfação/proteção das próprias expectativas,191 cabe ao pater determinar e orientar a aplicação dos mecanismos de reciprocidade que dão tratamento aos conflitos.192 Esses mecanismos são a solidariedade (ajuda mútua) e a represália (vingança), cuja aplicação é controlada pelo pater.193

Diante de uma frustração, a expectativa depende do apoio do grupo, que é fundado na reciprocidade. Como aponta Gonçalves, trata-se de uma “certeza subsidiária à certeza da família”, já que o vínculo de integração do grupo depende do patria potestas (respeito comum ao ancião).194 Forma-se um enlace da normatividade da expectativa a ser satisfeita com a expectativa de apoio do grupo para o caso de conflito, cuja confirmação depende do esquema geral de reciprocidade. No entanto, essas expectativas não podem ser especificadas ou formuladas abstratamente.195 A reciprocidade, assim como a autotutela

problemática do direito. Nesse sentido, distinguimos o direito arcaico, o direito das culturas antigas e o direito positivo da sociedade moderna. O decisivo nessa distinção e o grau relativo de desenvolvimento, e não a ocorrência cronológica objetiva de tal forma que mesmo sistemas sociais contemporâneos podem ser considerados arcaicos ou cultivados se apresentarem as

características correspondentes”. (LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito v.I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p.183-184).

190 Como coloca Marcelo Neves, no contexto das sociedades com direito arcaico, o direito “não se distingue entre um simples

desapontamento de expectativas e uma ofensa de direitos”. Por essa razão também “não há uma diferenciação entre moral, direito, costumes e convencionalismo social. Pode-se também afirmar que se confundem expectativas normativas e

cognitivas. A ofensa concreta apresenta-se como evidência de um fato natural imediato”. (NEVES,Marcelo.Entre Themis e

Leviatã - uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins

Fontes, 2006, p.21). Não há, portanto, como se falar em critérios para a vigência do direito. Sequer é possível falar em vigência do direito como condição para a sua imposição. Vigência é um símbolo que indica neutralidade em relação ao papel/competência de quem impõe o direito e, por isso, é impensável nessas sociedades, em que sequer há papéis claramente diferenciados. (p.185).

191 Como explica Guilherme Leite Gonçalves, “o pátria potestas não é exercido com base em decisões (escolhas que poderiam

gerar dúvidas), mas sobre costumes. O ancião não cria, apenas pune e aplica normas transmitidas com a tradição, conhecidas

por práticas antigas e, consequentemente, altamente previsíveis”. (GONÇALVES,Guilherme Leite.Certezza ed Incertezza,

pressuposti operativi del diritto contingente. Tese di Dottorado, tutore Prof. Raffaele de Giorgi, Università degli Studi di

Lecce, Facoltá di Giurisprudenza, 2006. Não publicada, p.115).

192 Mesmo quando já há algum tipo de diferenciação de papéis, nos quais se verificam graus distintos de influência nos

conflitos, nenhum papel surge independentemente do parentesco. (LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito v.I. Tradução

de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p.184).

193 LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito v.I.Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983,

p.192. Tanto a represália quanto a solidariedade podem ser pensadas como prestações totais, isto é, estão inseridas em um contexto mais amplo das relações sociais (e não pontual a cada doação ou ofensa). Por isso, expressam uma generalização congruente de expectativas comportamentais, formando a noção basal de direito.

194 GONÇALVES, Guilherme Leite. Certezza ed Incertezza, pressuposti operativi del diritto contingente. Tese di

Dottorado, tutore Prof. Raffaele de Giorgi, Università degli Studi di Lecce, Facoltá di Giurisprudenza, 2006. Não publicada, p.115.

195 Nas palavras de Luhmann, “as características das situações dominam as vivências e as recordações. Os casos resultam

então tão diversos que não se pode abstrair regras de decisão generalizadas”. (LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito

v.I.Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p.192). Não se trata, simplesmente, da falta de procedimentos dirigidos à solução caso a caso dos conflitos, mas sim do fato que esses procedimentos não são capazes de gerar regras de decisão, apenas geram a própria decisão imediata. Sem regras abstratas de decisão, a cada caso de ofensa é

necessário obter novamente o apoio do grupo – por meio do esquema geral da reciprocidade. Não se pode contar previamente

violenta, a vingança, o juramento e o amaldiçoamento, como observa Luhmann, estão mais voltadas “à salvaguarda das próprias expectativas, à sua manutenção frente a eventos adversos”, do que à imposição de um direito.196 Esses mecanismos surgem de “forma não

mediatizada”, ou seja, o direito surge “na frustração e na reação do frustrado”197 e, por isso,

será proporcional às possibilidades físicas do grupo.

A certeza do direito, aqui, é a certeza do grupo.198 O grupo, ou a família, formam uma certeza que transcende a formação/frustração de expectativas ou, para dizer com Luhmann, “a solidariedade da família sobrevive à transgressão do direito”.199 Como aponta

Gonçalves, a família não se desfaz do transgressor, mas o defende. A consequência da transgressão não é o isolamento, mas a solidificação da certeza dos vínculos de parentesco.200 Daí porque Gonçalves conclui:

a noção de coletividade pode ser observada como método de imunização contra o desvio e o nascimento de novas possibilidades, que poderiam importar em excesso de insegurança em uma estrutura rudimentar. Em resumo: a negação do indivíduo é, ao mesmo tempo, eliminação do diverso, do medo e da incerteza 201.

Em outras palavras, o grupo, ancorado na estrutura do parentesco, funciona como centro de certeza, reproduzindo uma redundância de sentido que bloqueia variações, estabilizando expectativas com relação ao próprio sentido.

Da certeza do grupo (que é a própria certeza da família) decorre outro importante mecanismso de certeza, como aponta Gonçalves: a força física. Trata-se da limitação da represália pela disponibilidade da força física. Não há aqui, ainda, regras para a delimitação abstrata da vingança, como por exemplo, o princípio de Talião. A reação é

esse apoio, isto é, que poderão ser mantidas. Assim, os resultados dos conflitos não produzem expectativas para o futuro. O enlace entre normatividade e apoio do grupo para o caso de conflito bloqueia a especificação de expectativas normativas.

Nesse sentido: LUHMANN,Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. México: Herder,

2007, p.506.

196 LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito v.I.Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p.86.

197 LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito v.I.Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

198 GONÇALVES, Guilherme Leite. Certezza ed Incertezza, pressuposti operativi del diritto contingente. Tese di

Dottorado, tutore Prof. Raffaele de Giorgi, Università degli Studi di Lecce, Facoltá di Giurisprudenza, 2006. Não publicada, p.116.

199 LUHMANN,Niklas. Sociologia do Direito v.I.Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983,

p.186.

200 GONÇALVES, Guilherme Leite. Certezza ed Incertezza, pressuposti operativi del diritto contingente. Tese di

Dottorado, tutore Prof. Raffaele de Giorgi, Università degli Studi di Lecce, Facoltá di Giurisprudenza, 2006. Não publicada,

No documento Tiago Cardoso Vaitekunas Zapater (páginas 70-78)