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2 TRABALHO: SITUAÇÕES DE SOFRIMENTO E PRAZER

2.1 SOFRIMENTO PSÍQUICO DE PROFESSORES

Viver em sociedade requer obediência a regras e na socialização há o compartilhamento dos afetos. Nesse sentido, o trabalho é para o sujeito um meio de sociabilidade. Assim, percebe-se a necessidade do homem conquistar sua identidade por meio do trabalho.

Contudo, deve-se dar atenção ao contexto em que os sujeitos estão inseridos. O tempo e o espaço são fatores primordiais para se entender cada situação de trabalho. As mudanças no âmbito do trabalho, em cada momento histórico, provocam impactos distintos na vida dos trabalhadores que são forçados a se adaptarem à lógica de mercado do seu tempo.

No momento econômico atual, os trabalhadores são obrigados a conviver com as rápidas mudanças do mercado e por essa razão utilizam esforços extremos para se manterem sob controle diante das transformações sociais, econômicas, políticas, dentre outras que implicam na forma de inserção dos indivíduos no meio.

Entretanto, a rapidez das mudanças, os avanços tecnológicos e as mais modernas e distintas formas organizacionais das empresas, por vezes, inviabilizam ao sujeito o acompanhamento cognitivo dessas mudanças, constituindo um processo de desqualificação permanente do trabalhador, seja na sua formação, seja na sua experiência profissional.

O cotidiano da universidade e a conformação das atividades docentes se veem duplamente atingidos pela organização produtiva emergente: por um lado, o docente é configurado enquanto trabalhador de um sistema produtivo- industrial, imerso numa nova organização do trabalho, onde sua eficiência e produtividade são objetivadas em índices; por outro lado, o professor é produtor das mercadorias “força de trabalho competente” e “tecnologia e conhecimento científico”, fundamentais na dinâmica do novo funcionamento sócio-produtivo (MANCEBO, 2007, p. 77).

Observamos que os reflexos da organização do trabalho na vida dos trabalhadores repercute, de forma geral, em sua qualidade de vida, saúde e no modo de adoecimento. Conforme a organização da empresa é instituída, verifica-se o sofrimento ou o prazer decorrente das relações a que o trabalho implica.

No atual contexto nossa sociedade capitalista tem reestruturado o sistema produtivo com impactos econômicos que alcançam qualquer tipo de trabalhador, dentre os quais citamos as novas tecnologias, o aumento do ritmo, diminuição dos postos de trabalho, precarização do trabalho e suas relações, exigindo cada vez mais do empregado.

A precarização do trabalho docente, quase uma regra no setor privado de educação superior, faz-se nítida até mesmo nas grandes universidades públicas, onde proliferam as (sub)contratações temporárias de professores, pagos por hora ministrada em turma de graduação. O aumento do trabalho precário nas universidades públicas apresenta como causa primeira a progressiva erosão do volume de recursos públicos destinados ao financiamento da universidade. O enxugamento orçamentário gera, indubitavelmente, inúmeros efeitos danosos, e um deles recai na contratação de novos docentes, quer para o atendimento minimamente adequado ao crescimento quantitativo e qualitativo de cursos e alunos, quer para a reposição prioritária das vagas geradas por aposentadorias, óbitos, desligamentos voluntários e afastamentos de docentes (MANCEBO, 2007, p. 77).

Essa realidade apresentada por Mancebo (2007) pouco difere da observada neste estudo de caso porque a contratação de professores com remuneração inferior e hora aula mais barata vem sendo uma saída econômica para o sustento desta instituição que, infelizmente, naturalizou-se no cotidiano de suas unidades, ainda que criticada por muitos da comunidade acadêmica.

Portanto, são claros os efeitos problemáticos para os docentes diretamente envolvidos e para a própria dinâmica da Instituição, pois no entendimento de Mancebo (2007) intensifica o regime de trabalho, aumenta o sofrimento subjetivo, neutraliza a mobilização coletiva e aprofunda o individualismo, atingindo não somente os trabalhadores precários, mas trazendo grandes consequências para a vivência e a conduta de todos que trabalham em instituições de ensino superior.

Para Veronese (2007), o sofrimento está na organização do trabalho, instância que inclui uma contraditória ênfase ao trabalho em equipe, ao mesmo tempo em que tudo nela leva ao individualismo e à competitividade extremada.

Diante dessa realidade, o trabalhador está mais suscetível a adoecer, a acidentar- se e afastar-se mais vezes do trabalho, quando não se aposenta precocemente. Trata-se de uma realidade que tem exigido mais tempo, dedicação, qualificação, competição e até mudanças de hábitos e costumes do indivíduo, uma vez que não vive só, mas em comunidade. Dejours (2011), nesse sentido, entende:

No âmbito da relação homem-trabalho deve ser levado em conta sob qualquer circunstância ou situação que o trabalhador nunca será considerado um indivíduo isolado, pois sempre tomará parte ativa nas relações: relação com outros trabalhadores que sofrem, para construir as estratégias defensivas em comum; relação com os pares, na tentativa de um reconhecimento de sua originalidade e sua identidade ou de sua pertença a um coletivo ou comunidade de ofício; relação com a hierarquia para fazer reconhecer a utilidade de sua habilidade ou de seus achados técnicos; relação com os subordinados, na tentativa de uma busca de um reconhecimento de sua autoridade e de suas competências etc. (DEJOURS, 2011, p. 138).

Portanto, o trabalho permite ao sujeito socializar-se, interagir, transformar-se e, acima de tudo construir sua identidade individual, possibilitando o relacionamento social, as trocas afetivas e econômicas que são base da vida cotidiana do ser humano.

O trabalho viabiliza o confronto do seu mundo interior com o exterior, sua subjetividade com o mundo objetivo, de forma que oportunizará ao sujeito o crescimento pessoal, profissional e psicossocial adulto, ainda que os confrontos externos lhe possam gerar algum tipo de sofrimento.

No entendimento de Heloani e Lancman (2004), o trabalho permite o confronto entre o mundo externo e o mundo interno do trabalhador. O mundo objetivo (com suas lógicas, desafios, regras e valores) entrará em conflito com a singularidade de cada trabalhador, fazendo com que o confronto entre relações e organização do trabalho e mundo interno e subjetivo do trabalhador seja gerador de sofrimento psíquico.

A afirmativa desses autores demonstra a incompatibilidade entre o anseio e lógica do trabalhador e os da empresa que busca produtividade e lucro, oposto aos sentimentos do sujeito que tem desejos, medos, angústias e luta com dificuldade para manter o equilíbrio mental diante dessa complexa relação.

Estas duas vertentes do trabalho, sofrimento e crescimento, evidenciam que nessas relações não há espaço para a neutralidade, para o não envolvimento subjetivo ou social, pois trata-se de uma relação intersubjetiva e social, é o técnico e o humano interagindo de forma coletiva, hierarquizada, solidária ou conflituosa com consequências para a saúde do trabalhador.

Freitas (2006) apresenta o trabalho como um “[...] estruturante psíquico e como uma atividade preponderantemente humana, de caráter intencional, finalístico e perpassado pela cultura [...]”, com funções de busca pela sobrevivência e autorrealização. Assim, quando não proporciona ao trabalhador a garantia de sobrevivência e a construção de sua identidade pode resultar no aparecimento de sofrimento, que se não for enfrentado adequadamente, levará ao adoecimento.

No caso específico dos professores, Freitas (2006) aponta o trabalho como cansativo e desgastante, pois muitas são as exigências a eles impostas como: atividades extras levadas para casa, pressão de pais e direção e novas obrigações a eles demandadas.

Para Mancebo (2007), novas atribuições são agendadas para os professores, agregando continuamente novas funções em seu cotidiano. Ele agora é responsável não apenas pela sala de aula e pelo desenvolvimento de sua pesquisa, mas por um crescente

número de tarefas, como o preenchimento de inúmeros relatórios e formulários, a emissão de pareceres, a captação de recursos para viabilizar seu trabalho e até para o bom funcionamento da universidade.

Nesse entendimento, Freitas (2006) apresenta os principais elementos que causam mal-estar a esses profissionais a partir da visão de (ESTEVE, 1999) como: a busca permanente pela aprendizagem, face ao avanço acelerado do saber; impossibilidade de manter os mesmos objetivos por conta das transformações da realidade do novo contexto social e finalmente, pelas dúvidas de alunos e familiares em não ter garantido o sucesso profissional diante do atual quadro de desemprego e da competitividade no mercado de trabalho.

Assim, verifica-se que o trabalho docente tem uma sobrecarga que encarece a saúde e gera danos psíquicos e físicos, conforme apontados anteriormente neste estudo, doenças peculiares a esse profissional, como as do aparelho respiratório, as lesões por esforço repetitivo, os distúrbios osteomusculares e as síndromes psíquicas das mais diversas como a de Burnout.

Em psicodinâmica do trabalho, observa-se que o prazer e o sofrimento são vivências subjetivas do próprio sujeito trabalhador que são compartilhadas coletivamente e influenciadas pela atividade de trabalho, onde está implícito um custo humano que se expressa sob a forma de carga no trabalho. (FERREIRA; MENDES, 2001).

Contudo, no entendimento de Augusto (2011), percebe-se que para a Psicodinâmica do Trabalho há uma ação específica realizada pelos trabalhadores, suas próprias ações, ações específicas da organização de suas condições de trabalho, no intuito de preservar inicialmente suas saúdes físicas e mentais e, posteriormente, como forma de organização que seja capaz de oferecer boas condições de produção.

Ensina ainda Augusto (2011) que o cerceamento dessas ações exerce importante efeito negativo para a saúde mental e física dos sujeitos, ensejando distintos níveis de adoecimento e até o suicídio, por não permitir ao trabalhador o pleno exercício de sua atividade na esfera da ação.

Nesse sentido, durante o exposto nesta pesquisa, verifica-se a importância do trabalho e a forma organizacional nele instituída diante dos trabalhadores em que nele se inserem, pois de acordo com o que for imposto, terá o sujeito uma forma específica de agir, seja de forma negativa, adoecendo mental ou fisicamente, seja de forma positiva, encontrando estratégias para mediar o sofrimento causado no trabalho.

Ao longo de toda a abordagem da psicopatologia do trabalho sobre a relação homem-trabalho, levaremos em conta, sem dúvida, que em qualquer circunstância ou situação o trabalhador não será nunca considerado um indivíduo isolado. Ele sempre toma parte ativa nas relações: relação com outros trabalhadores que sofrem, para construir as estratégias defensivas em comum; relação com os pares, na tentativa de um reconhecimento de sua originalidade e sua identidade ou de sua pertença a um coletivo ou comunidade de ofício; relação com a hierarquia para fazer reconhecer a utilidade de sua habilidade ou de seus achados técnicos; relação com os subordinados, na tentativa de uma busca de um reconhecimento de sua autoridade e de suas competências etc.(DEJOURS, 2011, p. 138).

Portanto, se o trabalho possui importante papel na sociabilidade e construção do sujeito, também o é no sofrimento, e a psicodinâmica do trabalho vem como um método de análise para observar e propor um espaço para compreender as defesas que garantam o trabalho e o prazer presentes na cooperação e no reconhecimento do trabalho do sujeito. Assim, conceitos importantes serão apresentados para melhor entendimento desse complexo de ações no mundo do trabalho.

Dejours (2011) afirma que a Psicodinâmica, como relação intersubjetiva e social, tem o objetivo de transformar o sofrimento, buscando formas de encontrar prazer no trabalho e, nessa busca, encontrar sua identidade diante da ciência do papel que o sujeito ocupa na sociedade através do seu trabalho.

Esse mesmo autor, em sua abordagem sobre a intersubjetividade e as relações sociais de trabalho, afirma que o homem é um sujeito pensante, que pensa sua relação com o trabalho, faz interpretações de sua situação e de suas condições, socializa-as em atos intersubjetivos, reage e organiza-se mental, afetiva e fisicamente, e em função de suas interpretações, age sobre o próprio processo do trabalho, trazendo contribuições à construção e evolução das relações sociais.

Todavia, as condições sociais e psicológicas, em função das quais o sofrimento inaugura uma lógica defensiva ou criativa, fazem com que Dejours (2011) demonstre distinções sobre o sofrimento pois, segundo ele, há o sofrimento criador e o sofrimento patogênico.

Como antes apresentado neste estudo, na patologia do trabalho o objetivo era demonstrar a correlação entre o trabalho e a doença mental, contudo, esse modelo teórico foi superado, e através da psicodinâmica foi possível estudar o enigma da normalidade no trabalho, verificando que mesmo em situações de pressão, de sofrimento, o trabalhador não tinha “doenças mentais” e estrategicamente superava de alguma forma essas situações.

Assim, o estudo sob o método da psicodinâmica centrava-se no sofrimento e nas defesas contra a doença, ou seja, nas estratégias elaboradas pelos trabalhadores para enfrentar mentalmente a situação do trabalho (BRANT; GOMEZ, 2003).

Para Dejours (2011), o sofrimento, a partir de condições sociais e psicológicas, inaugura uma lógica essencialmente defensiva ou essencialmente criativa e consiste, nessa perspectiva, em dois tipos de sofrimento: o sofrimento criador e o sofrimento patogênico.

O sofrimento criador é favorecedor da transformação do sujeito a partir de ações suscetíveis de modificação do sofrimento. O sujeito busca de alguma forma superar as circunstâncias que o fazem sofrer. De forma distinta, o sofrimento patogênico surge quando todas as margens de liberdade na transformação já foram utilizadas e o sujeito não conseguiu superar as situações e descompensa.

Quanto ao sofrimento patogênico, surge quando:

Não há nada além de pressões fixas, rígidas, incontornáveis, inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo, ou o sentimento de impotência. Quando foram explorados todos os recursos defensivos, o sofrimento residual, não compensado, continua seu trabalho de solapar e começa a destruir o aparelho mental e o equilíbrio psíquico do sujeito, empurrando-o lentamente ou brutalmente para uma descompensação (mental ou psicossomática) e para a doença (DEJOURS, 2011, p.137).

O sofrimento no trabalho, no entendimento de Freitas (2006, p.104), é compreendido através de “vivências simultâneas de esgotamento emocional e falta de reconhecimento”. E esse esgotamento emocional se expressa por vivência de frustração, insegurança, inutilidade e desqualificação diante das expectativas de desempenho, gerando esgotamento, desgaste e estresse.

Os professores, em particular, ao desempenharem suas atividades cotidianas, demonstram vivenciar sentimentos distintos que passam pela satisfação, prazer e outros que viabilizam o seu trabalho. Contudo, também vivenciam situações de desgaste, como questões relativas à sua remuneração: atrasos do pagamento, descontos indevidos, parcelas devidas não pagas e outras nesse sentido.

Ainda vale ressaltar que as condições de trabalho, dificuldades em se submeter a determinadas normas organizacionais, as pressões advindas da organização e ainda, a instabilidade quanto às cargas horárias e a própria manutenção na instituição são circunstâncias geradoras de sofrimento no trabalho docente.

O trabalho docente flexível e multifacetado, atravessado por atividades e exigências diversas que não cessam, nem em época de greve, tampouco nas férias, gera, ao mesmo tempo, mudança na jornada de trabalho de ordem intensiva (aceleração na produção num mesmo intervalo de tempo) e

extensiva (maior tempo dedicado ao trabalho), particularmente facilitada pela introdução de novas tecnologias. Períodos de interrupção do ano letivo são aproveitados para “botar as coisas em dia”: adiantar o preenchimento de formulários, preparar projetos, escrever artigos, “pegar” os livros que ainda não foram lidos, e-mails a serem respondidos, celulares que tocam em casa e computadores portáteis garantem que o trabalho acompanhe o professor para além dos muros da universidade, nos momentos institucionalmente destinados ao descanso e ao lazer (MANCEBO, 2007, p. 77).

Nesse sentido, o trabalho docente é interminável pois sua jornada não se exaure ao final do ponto batido, já que as inovações tecnológicas viabilizam a derrubada de barreiras entre o mundo pessoal e o profissional, e ainda tem se estabelecido no cotidiano universitário uma máxima “quando não se tem tempo, é preciso criá-lo”, traçando um novo estilo de produção, com resultados a serem alcançados mais rapidamente e com eficácia.

Assim, pode-se perceber que o sofrimento do professor tem relação importante com a organização do trabalho e suas vertentes, como a divisão do trabalho, o sistema hierárquico, relações de poder e comando, metas e objetivos estipulados, anteriormente explicados neste estudo.

Nesse sentido, Gasparini; Barreto e Assunção (2005) entendem que as condições de trabalho ou as circunstâncias dela advindas interferem na atividade do professor que mobiliza sua capacidade física, cognitiva e afetiva para atingir os objetivos da produção, podendo gerar sobre-esforço ou hipersolicitação de suas funções psicofisiológicas, que se não tiver tempo suficiente para recuperação, desencadeará sintomas clínicos ensejando o afastamento do trabalho por até transtornos mentais.

Para Lima e Lima-filho (2009), o trabalho do professor é um dos mais estressantes da atualidade. Em regra, possui longa jornada, com raras pausas de descanso e/ou refeições breves e em locais desconfortáveis, e ainda afirmam:

O estresse ocupacional constitui experiência extremamente desagradável, associada a sentimentos de hostilidade, tensão, ansiedade, frustração e depressão, desencadeados por estressores localizados no ambiente de trabalho. Os fatores contribuintes para o estresse ocupacional vão desde as características individuais de cada trabalhador, passando pelo estilo de relacionamento social no ambiente de trabalho e pelo clima organizacional, até as condições gerais nas quais o trabalho é executado (LIMA; LIMA- FILHO, 2009, p.73).

Segundo Freitas (2006), o sofrimento se localiza entre a saúde e a patologia, mas não quer dizer que seja patológico. As vivências de sofrimento podem se expressar pelos males causados no corpo, na mente e nas relações socioprofissionais. Portanto, suas causas advêm do contexto laboral.

Dejours (2004), ao definir o ato de trabalhar sob o ponto de vista humano, mostra que seu alcance está além do saber-fazer. Do ponto de vista de um clínico, o trabalho não é, em primeira instância, a relação salarial ou o emprego, mas o trabalhar, ou seja, um certo modo de engajamento da personalidade para responder a uma tarefa delimitada por pressões materiais e sociais.

Na verdade, Dejours (2004) ensina que, mesmo quando a organização do trabalho é rigorosa, com regras e procedimentos claros, é impossível atingir a qualidade se as prescrições forem respeitadas escrupulosamente, pois há as situações comuns de trabalho que são permeadas por acontecimentos inesperados, imprevistos.

Esse autor, entende ainda que as panes, os incidentes, anomalias de funcionamento, incoerência organizacional, imprevistos provenientes tanto da matéria, das ferramentas e das máquinas, quanto dos outros trabalhadores, colegas, chefes, subordinados, equipe, hierarquia, clientes e outras reais situações, farão com que o sujeito, não só não atinja a qualidade, como poderá sofrer.

Para Dejours (2004), isso ocorre porque sempre há uma discrepância entre o prescrito e a realidade concreta da situação. Trabalhar é preencher a lacuna entre o prescrito e o real.

Nesse sentido, sob o ponto de vista do clínico, o trabalho é aquilo que o sujeito deve acrescentar às prescrições para poder atingir os objetivos que lhe são designados, ou ainda, aquilo que ele deve acrescentar de si mesmo para enfrentar o que não funciona quando ele se atém escrupulosamente à execução das prescrições (DEJOURS, 2004, p.28).

Dessa forma, o trabalhador reage sempre sob a forma de fracasso nas situações de trabalho onde há a discrepância entre o real e o prescrito, pois o mundo real confronta o sujeito ao fracasso, de onde surge um sentimento de impotência, até mesmo de irritação, cólera ou ainda de decepção ou de esmorecimento. O real aparece de modo afetivo, um efeito surpresa desagradável (DEJOURS, 2004).

Contudo, ao mesmo tempo em que o sujeito experimenta afetivamente a resistência do mundo, é a afetividade que se manifesta em si, e numa relação de sofrimento no trabalho, o corpo faz ao mesmo tempo a experiência do mundo e de si mesmo.

Entretanto, para Dejours (2004), o trabalhar não se limita apenas à experiência “pática” do mundo, ao sofrimento afetivo absolutamente passivo, pois eis que surge do sofrimento o ponto de partida, o ponto de origem para a busca de meios para agir sobre

o mundo e transformar este sofrimento e encontrar a via que permita superar a resistência do real.

Diante desse entendimento, Dejours (2004) conceitua sofrimento:

O sofrimento é, ao mesmo tempo, impressão subjetiva do mundo e origem do movimento de conquista do mundo. O sofrimento, enquanto afetividade absoluta, é a origem desta inteligência que parte em busca do mundo para se colocar à prova, se transformar e se engrandecer (DEJOURS, 2004, p. 28).

Portanto, trabalhar passa primeiro pela experiência afetiva passiva do sofrimento, que a partir do real do mundo movimenta-se como resistência à vontade e ao desejo para se concretizar em inteligência e em poder transformar o mundo, que diante deste movimento, a própria subjetividade se transforma, se engrandece e se revela a si mesmo. A própria inteligência do corpo se transforma no e pelo trabalho; ela não é inata, mas adquirida no exercício da atividade (DEJOURS, 2004).

Assim, quando o sofrimento pode ser transformado em criatividade traz uma contribuição que beneficia a identidade, aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática (DEJOURS, 2011).

O grande desafio para a psicodinâmica do trabalho é definir as ações suscetíveis de modificar o destino do sofrimento e favorecer sua transformação, e não a sua eliminação, pois o trabalho funciona como um mediador para a saúde e aumenta a