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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS NÚCLEOS DE SENTIDO

4.1.2 Organização do trabalho e núcleos de sentido

4.1.2.3 Trabalho burocrático, rotineiro, estéril, chato

Profª Any: “[...] nós temos uma rotina, chegar, digitar conteúdo, bater o ponto, ir pra sala, bater o ponto e ir embora. O que é isso, gente? E a nossa humanização? E a nossa produção intelectual? Foi por água abaixo?”

“[...] nosso trabalho é estéril, pouco produtivo, nós temos uma rotina que pra começar o exercício nós partimos de um planejamento pedagógico que, em alguns momentos, existe um desperdício de tempo, não pelos recursos trabalhados mas, por exemplo, um ponto muito tratado é a questão da avaliação nas semanas pedagógicas. A Instituição preza muito por uma avaliação dinâmica, na qual tem que ser avaliado todo tipo de aluno, todos os níveis do aluno. Em contrapartida, nos é exigido um mapa fixo para essa avaliação, ou seja, seria uma proposta de três questões discursivas e sete objetivas. Contudo, se é permitido que o professor seja livre pra avaliar, é incongruente formalizar essa liberdade de avaliação. Eu acredito que aí ele já não consegue obter a proposta e resposta esperada dessa avaliação.”

“[...] outro ponto que eu acho limitador de nossas capacidades, que acho inclusive divergente e que é trabalhado na semana pedagógica, além da avaliação, é o que diz respeito ao professor e os limites extraclasse. Colocam a possibilidade do trabalho extraclasse, afirmam a necessidade de trabalho fora, e as Ementas das disciplinas, em contrapartida, novamente limitam o professor. Aquele que fizer esse tipo de trabalho leva falta, se por acaso não for justificada a ausência naquele período. Ou ainda, se ele se estendeu na dinâmica e não consegue retornar a tempo e não consegue bater o ponto, leva falta e aí se desmotiva... Então seriam dois pontos que dentro da

própria formação pedagógica eu já considero controverso, que é a forma de avaliar e a própria formação do professor.”

“[...] outra questão que se pode levantar é sobre a produtividade, como se coloca a produtividade esperada no trabalho, pois aqui se espera que o professor atinja, em momento hábil, que quase 100% da lista de alunos por sala seja de alto a médio sem, no entanto, haver um preparo ao professor, seja em cursos de aperfeiçoamento, seja em liberdade para realizar esses cursos em outras instituições.”

“[...] e quanto ao tempo de aulas, eu acredito que elas devam ter um horário pré- estabelecido, mas esse tempo não pode ser engessado como o que nos é dado, uma tolerância de 5 a 15 minutos na entrada e/ou saída, pois dependendo da rotina, às vezes a gente está numa discussão dialética, em uma dinâmica e tem que findar, aí, continua na próxima aula e a gente sabe que assim a produtividade não acontece.”

“[...] a gente sabe que antes do ponto eletrônico que ficava mais a cargo do professor, eu acredito que funcionava melhor a dinâmica de sala. Às vezes o professor precisa se alargar um pouco mais, e não é o fato de estar 10 ou 15 minutos a mais dentro de uma sala que determina como bons ou ruins, em termos de professor. Então você não tem liberdade, nem competência para conduzir o seu trabalho, ou você cumpre as regras ou tá fora.”

Profª Katy: “[...] é a perda de tempo que a gente emprega para as atividades

burocráticas, não só no preenchimento dos diários, do lançamento de notas, mas assim, fora isso a gente tem que preparar relatórios, onde a gente faz um trabalho administrativo e assim nos demanda tempo além de que também é cobrado um prazo. Dias que nós poderíamos aproveitar com aulas adicionais ou atividades extraclasses, nós acabamos tendo que canalizá-lo para essas atividades burocráticas porque precisam ser feitas e entregues em prol de não ter uma punição.”

Profª May: “[...] é muito desgastante e desanimador você ter que todas as vezes que vem pra cá, ter que ir correndo pra sala de professores, torcer pra ter um computador desocupado e funcionando pra poder registrar o conteúdo e ir correndo pra fila pra bater o ponto e subir pra dar sua aula e por sua vez, fazer a chamada de quase 80 alunos pra começar a dar o seu conteúdo. Assim, quando você relaxa e a aula começa a fluir, acaba o horário e você tem que correr de novo pra bater o ponto de saída, não dá tempo pra nada, trocar ideias com os colegas na sala dos professores ou até mesmo prolongar discussões em cima de uma pergunta de aluno que foi feita, é cansativo demais.”

Prof. Peter: “[...] há uma dificuldade muito grande em relação ao sistema de avaliação quando depende do controle do setor de informática aqui dentro da Instituição. É muito comum sumirem as informações. Pode acontecer de o sistema estar off line, e não é culpa do professor, mas a Instituição alega que também não é culpa do sistema. O sistema deveria estar preparado pra isso. Quando o professor está lançando suas notas e verifica que não está conectado ao servidor, mas mesmo assim ele lança todos os dados porque não é treinado e, de repente, desaparece tudo. Quer dizer, ele lançou e em vez de o setor tentar reverter, alega que o professor não lançou. Eu já vi colegas serem acusados de estarem mentindo que teriam digitado conteúdo ou notas, ou seja, o professor está no ponto mais baixo da hierarquia dentro dessa instituição.”

Prof. Paul: “[...] é por isso que a gente agora onera mais a instituição. Toda vez que a gente lança qualquer coisa no sistema, a gente imprime. Gastamos tinta, papel e tempo, mas pelo menos temos como provar que não somos mentirosos. A que ponto nós chegamos, além de ter que fazer um trabalho administrativo gigantesco, temos que comprovar que realmente não somos mentirosos, que fizemos nossa obrigação direitinho. Às vezes eu me pergunto por que eu me submeto a isso?”

Profª Karol: “[...] muitas vezes, tanta pressão, a preocupação de bater o ponto, a preocupação de cumprir prazos, isso vai acarretando na gente uma sobrecarga absurda. E você fica numa perseguição, num estresse, que você fica assim: se eu não cumprir eu estou fora. Você fica o tempo todo pensando que você está fora, você está fora.”

Profª Cindy: “[...] em contrapartida, nós temos o regimento de ponto que,

muitas vezes, limita nossas atividades dentro e fora de sala de aula. Nós temos que aproveitar mais o tempo pra atividades, uma dinâmica, um trabalho, uma visita de campo, mas se tivermos que sair daqui, perde-se o ponto, tem que justificar e ainda ser descontado.”

Profª Mary: “[...] o que acontece para além da sala de aula, nessas visitas técnicas, onde o trabalho é tão grande e você não assina o ponto, depois você tem que justificar no sistema, tem que justificar que fez uma parceria com outro professor, por exemplo: eu fiz uma parceria com profº PC e profº G que não deu certo, nesse sentido, porque levamos 8 faltas que foram descontadas e nunca foram repostas, pagas. E então, fazer pra quê? Foi super interessante fazer a visita com os alunos, mas a burocracia, as regras rígidas inviabilizam nosso trabalho e a gente desiste.”

Profª Cindy: “(...) além dessas questões, ainda temos que fazer fila e muitas vezes perdemos o ponto pela quantidade de pessoas que estão na fila pra bater. Aqui

tudo bem, ficamos dentro da sala dos professores, mas no Complexo C, por exemplo, até os alunos fazem brincadeiras com a gente, porque o terminal de dentro nem sempre funciona e só tem um lá fora”.

Profª Laurem: “[...] Também tem a questão de que os computadores estão

sempre cheio de vírus, muitos com defeitos, não são suficientes para a demanda e, principalmente, em dias de prova fica uma loucura, porque temos que registrar conteúdos, elaborar e imprimir prova... Meu Deus! É um estresse muito grande. E a fila pra imprimir? E ainda tem as atas, e ter que bater o ponto e ir correndo aplicar a prova”.

Os núcleos de sentido revelam que o sofrimento no trabalho se manifesta pelo esgotamento profissional. Esse fator compreende as vivências de desqualificação, de inutilidade, de frustração, de insegurança diante da inserção de regras rígidas, inflexíveis, burocráticas e de uma rotina que externaliza o excesso de trabalho administrativo, chato, repetitivo, estéril, de pouco aproveitamento intelectual e sem reconhecimento profissional que, aliás, conduzem ao sofrimento, ao esgotamento psíquico e ao estresse.

As falas dos professores demonstram um quadro de desgaste e insatisfação no trabalho com um percentual de quase cem por cento. É quase unânime a não aceitação do modelo de gestão que reflete uma organização do trabalho que prima pelo lucro, com pouco espaço para a resolução de problemas, sem subsídios para a melhoria da prática docente e das relações interpessoais.

Os autores apresentados nesta pesquisa ensinam que a organização do trabalho exerce grande influência em todas as etapas do setor produtivo, podendo desencadear desgaste e insatisfação no ambiente de trabalho que neste caso, em especial, apresenta- se profundamente hierarquizada, centrada na produtividade, com regras formais inflexíveis.

Segundo Abrahão e Torres (2004), padrões rigorosos de execução do trabalho e pressões temporais restringem as complexas inter-relações que se estabelecem e demandam estratégias de regulação frente às normatizações, regras impostas e cobranças rígidas.

Nessa Instituição, a estrutura organizacional está tão centrada em regras inflexíveis, na produtividade do trabalho docente, no sentido de cumprir normas e prazos, que não deixa espaço para a produtividade científica, para o convívio saudável entre os sujeitos inseridos no trabalho, para as relações socioprofissionais.

“[...] todo dia tem problema no sistema e você tem uma série de atribuições burocráticas. O professor tem que fazer muito serviço administrativo. O sistema é falho, muito falho, mas não é isso que aparece, o que aparece é o professor relaxado, incompetente e mentiroso, e se você liga pro “suporte” pra relatar o fato e pedir pra ajeitar, eles dizem que é a gente que não sabe usar o sistema, ou seja, o sistema nunca falha, só o professor”.

Segundo Lima e Lima Filho (2009), com referência ao trabalho docente, geralmente a genialidade do professor passa despercebida, inclusive essa suposta genialidade é definida e eleita por interesses de mercado, e as questões administrativas estão cada vez mais presentes e acentuadas, diminuindo, portanto a produtividade acadêmica.

Os referidos autores ainda enfatizam que a atividade de professor é uma das profissões mais estressantes da atualidade, pois o ritmo de trabalho é intenso e exige níveis de atenção e concentração para a realização de tarefas. E ainda quando tem o trabalho desprovido de significação não é reconhecido ou é fonte de ameaças à integridade física e/ou psíquica, isso acaba por determinar sofrimento ao professor.

No referencial teórico desta pesquisa destacamos o entendimento de Veronese (2007) que aponta que o sofrimento está na organização do trabalho, o que coaduna com o estudo de caso apresentado. Trata-se de uma instância que inclui ênfase contraditória ao trabalho em equipe, à qualidade de ensino, ao mesmo tempo em que tudo na instituição leva ao trabalho administrativo burocrático extremado e com pouco ou quase nenhum espaço para a produção intelectual e científica.

Para a psicodinâmica do trabalho, no entendimento de Dejours (2011), a conquista da identidade no campo social, mediada pela atividade do trabalho, passa pelo reconhecimento. Esse processo subjetivo prescinde da dinâmica da contribuição e retribuição. Neste caso, parece não haver essa dinâmica, pois se observa apenas uma via de mão única onde apenas o dar, o exigir, o produzir é que parecem trafegar.

O professor, assim como qualquer trabalhador, muitas vezes espera que suas iniciativas não sejam frustradas, mas não é o que ocorre nessa realidade, já que o espaço de criação, de liberdade parece não existir. O professor figura então como um simples cumpridor de regras repressoras e limitantes. Assim, a falta de reconhecimento leva à falta de sentido diante do que ele realiza profissionalmente e, consequentemente, à alienação pelo trabalho.

Ressalta-se que nessa organização não há espaço para o debate, para a realização conjunta de problemas referentes aos cursos, aos alunos, às avaliações e às medidas a serem tomadas. De acordo com Lancman e Uchida (2003), nas situações onde não há o espaço de manobra para o trabalhador contribuir com sua experiência e seu saber-fazer, ou onde não consegue desenvolver seu trabalho conforme seus preceitos, ele está impedido de transformar seu sofrimento em ações significativas que o levam ao prazer.

Diante das verbalizações dos sujeitos entrevistados, diversos estressores psicossociais se encontram presentes e estão relacionados à organização e à natureza de suas funções no contexto institucional. Tal situação, se persistente e duradoura, além de configurar assédio moral no contrato de trabalho pode acarretar a síndrome de burnout.

Lima e Lima Filho (2009, p. 78), acerca da síndrome de burnout, expõem que se trata de um tipo de “estresse emocional que acomete profissionais envolvidos com qualquer tipo de cuidado em uma relação de atenção direta. Destaca-se que a gravidade de burnout entre os profissionais de ensino supera a dos profissionais da saúde, dado que coloca os profissionais do magistério como uma das profissões de alto risco. Trata- se de uma doença que em professores surge de forma gradativa e cumulativa, sem que o indivíduo perceba”.

Nesse sentido, percebe-se claramente que as regras formais e informais afetam o ambiente educativo e interferem na aquisição dos objetivos pedagógicos, direcionando os professores a um processo de alienação, desumanização, desânimo, ocasionando problemas de saúde e desejo de abandono ou de troca de profissão.