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3. IDENTIDADE

3.2. CONCEPÇÕES DE IDENTIDADE: REPRESENTAÇÕES DA PESSOA

3.2.2. O sujeito sociológico

A concepção do sujeito sociológico está ancorada principalmente na corrente teórica dos interacionistas simbólicos98, tendo sido gestada nos trabalhos de George Mead (1863-1931). Na trilha da psicologia social do behaviorismo99, Mead abandona a concepção de indivíduo dotado de uma alma substancial (“substantive soul”100) desde o seu nascimento e adota a perspectiva do desenvolvimento da pessoa e da sua autoconsciência a partir da experiência e comportamento individuais na sociedade:

“O self é algo que se desenvolve; não está lá inicialmente, no nascimento, mas emerge no processo de atividade e experiência social, ou seja, se desenvolve no indivíduo como resultado das suas relações como um todo e com os indivíduos nesse processo.” 101.

Para esse filósofo, o desenvolvimento da pessoa humana transcorre em um processo reflexivo de interação social por meio da comunicação entre os atores sociais. O recurso mais importante para a socialização consiste na

97 Hall, Stuart, ibidem p. 21

98 Sobre os internacionalistas simbólicos, veja-se os verbetes symbolic interactionsm e George Mead in: ABERCROMBIE, Nicholas, et all. The Penguin Dictionary of Sociology, London:

Penguin Books, Fifth edition, 2006.

99 Mead conceitua o behaviorismo como o estudo da experiência individual - não somente, mas principalmente - a partir da conduta observada pela perspectiva dos outros (Behaviorism, in this wider sense is simply na approach to the study of the experience of theindividual from the point of view of his conduct, particularly, but not exclusively, the conduct as it is observable by others.” (in Mind, Self and Society: from the stand point of a social behaviorist, Chicago: The University of Chicago Press, 1972. P. 2).

100 MEAD, George H., Mind, Self and Society: from the standpoint of a social behaviorist.

Chicago and London: The University of Chicago Press, 1972, p. 1

101MEAD. Op. cit. p. 135. (“The self is something which has a development; it is not initially there, at birth, but arises in the process of social experience and activity, that is, develops in the given individual as a result of his relations to that process as a whole and to other individuals within that process.”).

empatia, ou seja, a capacidade do ser humano de manter uma conversação consigo mesmo, acompanhada da habilidade de se colocar no lugar do outro, assumindo papeis sociais variados. Assim, nesse diálogo interior, ao se imaginar no lugar do outro, a pessoa consegue antecipar o efeito da comunicação e as respostas dos outros atores sociais e, com base neles, orientar a sua ação social102.

Nesse contexto, o self103 - assim como na própria palavra, que representa reflexividade e indica o que pode ser, simultaneamente, sujeito e objeto – emerge na capacidade de o indivíduo ser um objeto para si mesmo104. Para o autor, é justamente nessa capacidade que se aparelha a conduta racional: a razão somente se torna impessoal no desenvolvimento de uma atitude objetiva e não emotiva em direção a si mesma, bem como na capacidade de analisar a própria experiência social em face da expectativa do comportamento dos outros indivíduos no contexto social, construindo, desse modo, alternativas de ação105.

A partir da abstração e universalização das expectativas de comportamento de todos os demais membros do grupo, Mead desenvolve o conceito do “outro generalizado” (generalized other), essencial na constituição da sua teoria sobre o self a decorrente relação com a sociedade. No processo de comunicação envolvido nas práticas sociais e, segundo a sua relação com os demais membros da comunidade, o indivíduo constrói por meio da linguagem os símbolos que permitem não somente a inteligência reflexiva – capacidade de pensar em si mesmo como um objeto e de se colocar no lugar do outro -, mas também a internalização das expectativas de comportamento de toda a comunidade. O “outro generalizado” consiste, portanto, na organização pelo indivíduo do comportamento do grupo social:

A universalidade e impessoalidade do pensamento e da razão, na perspectiva behaviorista, consiste no resultado da ação do indivíduo de considerar as atitudes dos outros em relação a si mesmo e, por

102 ABERCROMBIE, Nicholas, HILL, Stephen and TURNER, Bryan S. The Penguin Dictionary of Sociology. London: Penguin Books, 2005, p. 240

103 Veja-se que Mead associa o self à personalidade do indivíduo: “[…] by taking the attitudes of which toward himself he becomes conscious of himself as an object or individual, and thus develops a self or personality”. (in op. cit. p. 154).

104 MEAD, Op. Cit. p. 135.

105 MEAD, Op. Cit. p. 138.

fim, em cristalizar essa atitudes particulares em uma única atitude ou ponto de vista, o que pode ser chamado de “outro generalizado”106.

É por meio do “outro generalizado” que a sociedade controla, assim, os seus membros - neles interiorizando as regras de conduta social – e lhes fornece o sentimento de unidade – pensar envolve o compartilhamento de sentidos e as expectativas do comportamento dos demais membros da coletividade107, que configuram o discurso universal. Na teoria desenvolvida por Mead, portanto, a estrutura da personalidade se desdobra na articulação entre linguagem, pensamento reflexivo e práticas sociais:

Uma pessoa é uma personalidade porque pertence a uma comunidade, porque internaliza as instituições dessa comunidade na sua própria conduta. Ela usa a linguagem como meio para construir a sua personalidade e então, pelo processo de assumir diferentes papeis dos demais membros, ela acaba por obter o comportamento daquela comunidade108.

Nesse campo, Mead afirma a articulação entre o self e a sociedade, ou seja, a unidade do self reflete a unidade e a estrutura do processo social. Mas tal unidade pode ser quebrada pelo mecanismo da dissociação da personalidade, a qual ocorre quando há uma divisão no processo de comunicação do indivíduo, resultando na separação também do seu comportamento em relação a cada ambiente em que o indivíduo esteja engajado109.

106 MEAD, Op. cit. p. 90 (“The very universality and impersonality of thought and reason is from the behavioristic standpoint the result of the given individual taking the attitudes of others toward himself, and of this finally crystallizing all these particular attitudes into a single attitude or standpoint which may be called that of the ‘generalized other.’”.).

107 MEAD, op. cit. p. 147.

108 MEAD, op. cit. p. 200 (“A person is a personality because he belongs to a community, because hetakes over the institutions of that community into his own conduct. He takes its language as a medium by which he gets his personality, and then through a process of taking the different rôles that all the others furnish he comes to get the attitude of the members of the community. Such, in a certain sense, is the structure of a man’s personality.”).

109 MEAD, op. cit. p. 143