• Nenhum resultado encontrado

CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL UDF RAQUEL RESENDE DE ANDRADE IMIGRANTES NO CARRO DE JAGRENÁ:

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL UDF RAQUEL RESENDE DE ANDRADE IMIGRANTES NO CARRO DE JAGRENÁ:"

Copied!
153
0
0

Texto

(1)

CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL – UDF

RAQUEL RESENDE DE ANDRADE

IMIGRANTES NO CARRO DE JAGRENÁ:

A identidade dos sujeito imigrante e a regulação do trabalho engrenadas no discurso da globalização

Brasília (DF)

2018

(2)

RAQUEL RESENDE DE ANDRADE

IMIGRANTES NO CARRO DE JAGRENÁ:

A identidade dos sujeito imigrante e a regulação do trabalho engrenadas no discurso da globalização

Dissertação elaborada como requisito de aprovação no curso de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, realizado pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo José Macedo de Britto Pereira.

Brasília (DF)

2018

(3)

RAQUEL RESENDE DE ANDRADE

IMIGRANTES NO CARRO DE JAGRENÁ:

A identidade dos sujeito imigrante e a regulação do trabalho engrenadas no discurso da globalização

Dissertação elaborada como requisito de aprovação no curso de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, realizado pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo José Macedo de Britto Pereira.

Banca Examinadora

________________________________________________________

Prof. Dr. Ricardo José Macedo de Britto Pereira Orientador

________________________________________________________

Prof

a

. Dra. Gabriela Neves Delgado Universidade de Brasília - UNB

________________________________________________________

Prof. Dr. Cláudio Jannotti da Rocha Centro Universitário do Distrito Federal - UDF

Brasília (DF), de de 2018

(4)

Ana Luiza e Gabriel Kenji, a vocês, filhos amados, fruto do encontro

entre Ocidente e Oriente, da coragem dos seus antepassados de se lançar ao

desconhecido, ofereço o meu desejo de um futuro humano de pleno viver.

(5)

Solitários são os passos, compartilhado o caminho. Mãos inquietas digitam na solidão da noite, após um fatigante dia de trabalho, cada letra tingida de escarlate. Coisa bem diversa se passa com a alma! E essa se fez acompanhada de carinho, inspiração, amizade, exemplo, confiança, apoio.

Meu coração viceja de gratidão:

aos meus pais, Albanisa e Joel (in memorian), exemplo de valores centrados no amor pela família, pelo próximo e pelo conhecimento;

aos meus filhos, Ana Luiza e Gabriel Kenji, amor de vida, razão de viver, desejo de crescer;

à minha irmã, Isabel, fé em Deus, exemplo de retidão;

aos amigos, ternura e compreensão nesses dias de reclusão;

aos Professores e Coordenadores do Mestrado, exemplo no caminho;

ao Professor Maurício Godinho Delgado, dedicação ao ensino, infusão de amor à justiça social;

aos colegas de Mestrado e grupos de pesquisa, alegria do encontro, riqueza da diferença;

ao Professor Orientador, Ricardo José Macedo de Britto Pereira, admiração na vida, confiança na batalha;

à revisora, Professora Doutora Luciana Barreto Machado Rezende, amor à palavra, poesia nos sentimentos, partilha nas dificuldades.

a Claudia Regina Vasconcelos, escuta amorosa, presença fiel.

Agradeço especialmente ao colega Moisés Nepomuceno, que em um

encontro casual, no restaurante do trabalho, me convidou para participar desse

Mestrado e, mesmo diante da minha recusa inicial, me enviou o link no último

dia de inscrição.

(6)

RESUMO

Migração e globalização configuram fenômenos sociais intrinsecamente entrelaçados por relações de trabalho. Como fato relevante também na esfera econômica, o sentido da migração é culturalmente constituído, vinculando-se às representações simbólico-culturais próprias do capitalismo globalizado:

concentração e fragmentação das cadeias produtivas, clivagem entre a circulação do capital e do trabalho, aglutinação dos sujeitos pelo avanço tecnológico e sua desagregação pelas desigualdades econômicas e políticas.

Essas características peculiares da narrativa da globalização redundam no paradoxo da migração: por um lado, maior facilidade de mobilidade humana;

por outro, intensas barreiras seletivas de controle de entrada impostas pelos Estados. No cenário de medo e insegurança decorrentes da volatilidade do capital financeiro, competitividade entre os Estados, incapacitados em corresponder às expectativas do welfare state, o trabalho representa tanto o motor do desejo de melhores condições de vida quanto o elo entre o imigrante e a sociedade de recepção. Nesse contexto, insere-se a reflexão sobre a situação do sujeito imigrante trabalhador na representação simbólica do capitalismo globalizado a partir da articulação entre identidade e regulação. A prática social da regulação engendra o discurso da verdade da migração.

Instrumento de positivação dos padrões de normalização, a regulação trabalhista, ao definir os limites do círculo de proteção, inscreve esse sujeito no regime de verdade, assujeitando-o à posição que lhe foi estrategicamente destinada pela sociedade e recepção, conformadora do seu espaço de atuação. Como as práticas sociais dotadas de sentido, identidade e regulação transcorrem por meio do processo de demarcação da diferença em oposição binária: eu/outro, nós/outros, dentro/fora, nacional/forasteiro. No caso da migração, o regime da verdade é construído em torno da ficção jurídica do Estado-nação, detentor do controle da nacionalidade. Nessa rota de discriminação e vulnerabilidade, decorrente da diferença de poder em relação aos nacionais, o principal desafio a ser enfrentado se revela na persistente negação do seu reconhecimento como sujeito de direitos no âmbito interno dos Estados, tanto nas relações privadas, como nas institucionais. Na perspectiva do encontro com a riqueza da diferença, quanto maiores o medo e a insegurança e mais profundos os “danos colaterais” interpostos pelo modo de produção do capitalismo globalizado, maior a importância do processo de reflexividade individual e institucional na construção e na reconfiguração constantes do sentido da migração em torno de uma antropoética ancorada no tripé indivíduo/sociedade/espécie.

PALAVRAS-CHAVE: Migração, Trabalho, Globalização, Identidade, Regulação

(7)

ABSTRACT

Migration and globalization are social phenomena intrinsically linked by labor relations. As an economically relevant social phenomenon, the sense of migration is culturally constituted, that is, it is linked to the symbolic-cultural representations of globalized capitalism: concentration and fragmentation of productive chains, division between the circulation of capital and labor, aggregation of the subjects by the technological advance and its disaggregation by the economic and political inequalities. These characteristics of the narrative of globalization result in the paradox of migration: on the one hand, greater ease of human mobility, and on the other, intense selective barriers of entry control imposed by the States. In the scenario of fear and insecurity arising from the volatility of financial capital, competitiveness among states themselves, incapable of meeting the expectations of the welfare state, work represents not only the motor of the desire for better living conditions but the link between the immigrant and the receiving society. In this context, the reflection on the situation of the working immigrant subject in the symbolic representation of globalized capitalism is inserted through the articulation between identity and regulation. The social practice of regulation engenders the discourse of the truth of migration. In order to establish the limits of the circle of protection, the labor force regulation inscribes the immigrant subject in the regime of truth, subjecting him to the position that was strategically destined to him by society and reception, which forms its space of performance. As social practices endowed with sense, identity and regulation, they proceed through the process of demarcating difference in binary opposition: I / other, we / others, inside / outside, national / foreign. In the case of migration, the regime of truth is built around the legal fiction of the nation-state, which holds the control of nationality.

In the context of discrimination and vulnerability reserved to immigrant workers, due to the difference of power over nationals, the main challenge to be faced is the persistent denial of their recognition as a subject of rights within the states, both in relations private, as well as institutional. Culturally inscribed in the cradle of social practices. In constant elaboration in the universe of social practices, meaning is always open to new configurations. In the perspective of the encounter with the richness of difference, the greater the fear and insecurity and the deeper the "collateral damages" imposed by the mode of production of globalized capitalism, the greater the importance of the process of individual and institutional reflexivity in the construction of the sense of migration around an anthropoetic, anchored in the triad individual / society / species.

KEY WORDS: Migration, Labour, Globalization, Identity, Regulation

(8)

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. OS SENTIDOS DA MIGRAÇÃO ... 18

2.1. CULTURA, REPRESENTAÇÃO, LINGUAGEM E DISCURSO ... 18

2.1.1. O complexo cenário da migração e a unidualidade do ser humano ... 18

2.1.2. Mapeando sentidos: o circuito da cultura, as práticas sociais e a construção da identidade ... 23

2.1.3. Produção de sentidos e demarcação de diferenças: relações de poder nas representações linguísticas ... 26

2.2. MIGRAÇÃO E O DISCURSO DA GLOBALIZAÇÃO NA PÓS- MODERNIDADE: NECESSÁRIO ENFRENTAMENTO POLÍTICO ... 27

2.3. MIGRAÇÃO E TRABALHO: FLAGRANTES CONTRADIÇÕES NO CAPITALISMO GLOBALIZADO ... 33

2.4. MODERNIDADE E REFLEXIVIDADE NO CONTEXTO DE RISCO DA IMIGRAÇÃO: FRAGMENTAÇÃO DE IDENTIDADES ... 38

3. IDENTIDADE ... 45

3.1. QUESTÃO DE IDENTIDADE: NARRATIVA SOCIAL E SIMBÓLICO- CULTURAL E CRISE DE IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE ... 45

3.2. CONCEPÇÕES DE IDENTIDADE: REPRESENTAÇÕES DA PESSOA HUMANA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA ... 47

3.2.1. O sujeito cartesiano ... 47

3.2.2. O sujeito sociológico ... 50

3.2.3. O sujeito descentrado ... 53

(9)

3.2.4.1. O sujeito pelo e no discurso de Foucault ... 55

3.2.4.2. O sujeito interpelado em Althusser ... 59

3.2.4.3. O sujeito freudiano e o sujeito lacaniano ... 61

3.2.4.4. Feminismo ... 67

3.3. CRISE DE IDENTIDADE: O SUJEITO DESCENTRADO E A CENTRALIDADE DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ... 69

3.4. MIGRANTES NO CARRO DE JAGRENÁ: A CENTRALIDADE DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO SUJEITO MIGRANTE ... 79

4. REGULAÇÃO ... 87

4.1. AS NORMAS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO SUJEITO MIGRANTE TRABALHADOR NO CENÁRIO DE JUGGERNAUT ... 87

4.1.1. A proteção do sujeito migrante trabalhador no âmbito da organização internacional do trabalho ... 90

4.1.2. A imigração laboral no contexto das Nações Unidas ... 101

4.1.3. Proteção do sujeito trabalhador migrante no âmbito regional: Organização dos Estados Americanos e Mercosul ... 109

4.1.4. O paradoxo dos direitos sociais e econômicos no Carro de Jagrená ... 119

4.2. A PROTEÇÃO DO TRABALHADOR MIGRANTE NO TERRITÓRIO BRASILEIRO ... 122

4.2.1. A incorporação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ao sistema jurídico brasileiro ... 123

4.2.2. A nova Lei de Migração: Lei n

o

13.455 de 24 de maio de 2017 ... 127

4.2.3. A proteção do trabalhador migrante na Justiça trabalhista brasileira ... 135

(10)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 144

(11)

1. INTRODUÇÃO

Vidas de entremeio. Primeiro, o incômodo com o presente, aquela inquietação com o estado das coisas que nos impele para fora da zona de conforto. A pergunta que acompanha todo o percurso delineia o futuro travestido de desejo: pode ser melhor? E então a coragem de desarmar o passado e se lançar no desconhecido. Pesquisar é como nos reconhecermos, em parte, na condição de um migrante no incerto – e, por vezes, adverso – território do conhecimento: nem lá, nem cá, mas no intervalo da falta, espaço de promessas e de possibilidades.

Em seu próprio nome, Robert Arturo carrega o sonho do encontro de duas culturas. Colombiano de Bogotá, pai de Leandro e Natalia, padeiro, pedreiro, pintor, vendedor ambulante, decidiu vir para o Brasil com os filhos no dia 18 de novembro de 2017. Partiram sem falar com ninguém. Em dois meses e meio entre Colômbia, Equador, Peru até São Paulo, caminharam, pegaram carona em ônibus, caminhões e carros, passaram fome, pediram esmola, dormiram nas ruas. Em São Paulo, Arturo fez vários “bicos”, até conseguir alugar uma lanhouse, onde trabalha entre 7h e 22h. Natália, filha adotiva de 20 anos, trabalha com o pai e Leandro, de 9 anos, estuda. Desafiaram o descrédito da família. A meio caminho, no telefone com sua mãe, dela ouviu:

“Você está maluco, nunca vai chegar lá! ” Ao mesmo tempo, nascem da saudade do ambiente familiar e da falta da estabilidade no solo escolhido, o maior desafio e também a maior conquista: “Mas se eu não viesse, as coisas nunca mudariam”

1

.

A condição humana do migrante se situa justamente nesse conflito entre as comunidades de origem e de recepção. Mediada pelo trabalho, a vida do migrante transcorre na contradição entre o tempo vivido no país de sua escolha, que aos poucos vai consolidando a percepção de definitividade, e o

1

Essa narrativa foi extraída do Projeto Rostos da Migração de iniciativa do missionário leigo Greg Fisher da Maryknoll, que abrange três sociedades católicas sediadas nos Estados Unidos: Catholic Foreign Mission, Society of America, Maryknoll Sisters of St. Dominic e Maryknoll Lay Missione. Pretende contar a história dos migrantes, por meio de respostas às perguntas: Quem são essas pessoas? Por que vêm aqui? Disponível em:

http://rostos.org/pt/sobre/; http://gkfische.tumblr.com/ ; https://www.maryknoll.org/

(12)

reconhecimento efetivo da sua situação de permanência. Na experiência de uma vida de entremeio, o trabalho não representa apenas o motor do desejo de melhores condições, mas também a argamassa do seu assentamento na sociedade de recepção. Como afirma Abdelmalek Sayad, “o trabalho é a razão essencial da emigração e pode, sozinho, justificar a presença do imigrante”

2

. Dessa forma, a experiência subjetiva de uma vida digna e decente depende da qualidade e do reconhecimento desse trabalho, elo entre o imigrante e a comunidade de imigração.

Por outro lado, no cenário do capitalismo globalizado, germina o massivo fenômeno da migração a provocar o estranhamento do encontro com o “outro”, com o forasteiro. Esse estranhamento com a diferença, com o que vem de fora, estremece a zona de conforto, ativando o processo reflexivo diante de dois movimentos contraditórios e complementares: aproximação e contraposição.

Vocacionado à regulação da com-vivência social, o direito não é apenas um sistema de regras intelectualmente organizadas com a finalidade de ordenar as condutas, mas também uma prática social que se alimenta das contradições próprias das relações intersubjetivas. Portanto, a reflexividade no direito opera e é operada no intervalo e fronteira desse encontro com o “outro”, no espaço de possibilidades que nasce na clivagem entre os movimentos de aproximação e contraposição.

Igualmente a identidade é constituída no encontro com o “outro” em processo reflexivo mediado pela cultura. A identidade é a “capacidade de se considerar a si mesmo como objeto, construindo, nesse processo, uma narrativa sobre si mesmo”

3

. Essa capacidade de reflexão essencial à construção da identidade é desenvolvida no âmbito das relações sociais, através do compartilhamento de valores e sentidos.

Assim como todas as práticas sociais, sedimentadas nas relações intersubjetivas, as instâncias da regulação e identidade são culturalmente construídas, ou seja, dependem do compartilhamento de sentidos que se

2

SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. Tradução de Cristina Muracho. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, p. 73.

3

LARRAIN, Jorge. El concepto de identidad. Revista Famecos, Porto Alegre, nº 21, p. 32.

(13)

concretiza por meio da linguagem no seio de uma comunidade. O conceito de cultura é multifacetado. Pode se referir tanto aos aspectos não-biológicos de uma sociedade, resultado do aprendizado humano, como: linguagem, costumes e convenção; civilização, em oposição ao estado de natureza - liga que mantém a coesão da estrutura social; ideologia de um grupo social, e ao modo de vida de uma comunidade (crenças, atitudes, linguagem, música, alimentação, artes)

4

. A partir da chamada “virada cultural” nas ciências humanas e sociais, a cultura assume posição de destaque na pesquisa sobre determinado objeto social, passando a admitir no seio do seu conceito a importância do sentido na convivência social. Cultura representa, portanto, o compartilhamento de valores e de sentido em uma comunidade, cuja prática se materializa na forma de discurso.

Nessa perspectiva discursiva, pretende-se refletir sobre a situação do sujeito imigrante trabalhador na representação simbólica do capitalismo globalizado a partir da articulação entre identidade e regulação. No processo de construção do sentido da migração na modernidade tardia, a inquietação que move a presente pesquisa se revela na relação entre a construção da identidade do trabalhador imigrante e o seu reconhecimento como sujeito de direitos. Ao demarcar os limites e os contornos jurídicos de proteção trabalhista, o discurso jurídico delimita a constituição do sujeito de direitos trabalhistas. Em que medida essa classificação engendra o sistema de exclusão social? De que maneira o discurso jurídico se articula com a construção da identidade do sujeito imigrante trabalhador e seu assujeitamento à determinada posição social? Em outras palavras: até que ponto a narrativa jurídico-normativa trabalhista interpela o sujeito imigrante em seu assujeitamento à relação de exploração? Pretende, portanto, colocar a condição humana do sujeito imigrante trabalhador no centro da construção da narrativa jurídico-trabalhista sobre a imigração.

Organização internacional destinada à promoção da cooperação entre os países para promover a paz e o desenvolvimento mundiais, a ONU publicou há pouco tempo, em dezembro de 2017, uma pesquisa sobre o cenário atual

4

The Penguin Dictionary of Sociology: culture, p. 92.

(14)

da migração. São 258 milhões de pessoas que, assim como Robert Arturo, deixaram os seus países em busca de melhores condições de vida. Esses migrantes representam 3,4% da população mundial. Desse contingente, sete em cada 10 imigrantes são economicamente ativos, ou seja, são 180 milhões de migrantes internacionais com possibilidade de inserção no mercado de trabalho no país de recepção.

A magnitude desses números revela, per se, a preocupação mundial em torno da migração internacional. Entretanto, soma-se a esses dados numéricos, a crescente dificuldade dos Estados em manter o welfare state e a regulação das relações trabalhistas no contexto de volatilidade do capital financeiro e de competitividade entre os próprios Estados para atrair esse capital. Medo, insegurança e ansiedade imprimem o tom do encontro com o

“outro”, com o diferente, indicando a importância do estudo da articulação entre regulação e identidade na interpelação do sujeito migrante trabalhador no contexto de estigma e vulnerabilidade.

Para trilhar esse percurso de entrelaçamento dos fios da regulação e da identidade em busca da tessitura da posição de sujeito do imigrante trabalhador no contexto da globalização, foi utilizada uma abordagem teórico- metodológica multidisciplinar, na qual dialogam Sociologia, Psicanálise, Linguística e Direito, estruturados em três capítulos.

O primeiro capítulo busca contextualizar o cenário da globalização da migração a partir das representações simbólicas próprias do capitalismo globalizado. Migração e globalização são fenômenos sociais interdependentes.

Não há como analisar a migração sem referenciar a globalização e vice-versa.

Nesse sentido, as práticas sociais da identidade e da regulação se

desenvolvem no contexto contraditório do modo de produção do capitalismo

globalizado: concentração e fragmentação das cadeias produtivas; clivagem

entre a circulação do capital e do trabalho. Essas características da narrativa

do processo de globalização se projetam no fenômeno da migração de forma a

configurar um paradoxo: embora facilitada a mobilidade das pessoas pela

evolução dos meios de transporte e incremento dos meios de informação, na

(15)

prática, o controle das fronteiras por meio de avançadas técnicas de segurança torna o deslocamento cada vez mais difícil.

Os avanços conduzidos pela intensificação do processo de globalização, notadamente a fugacidade das inovações tecnológicas e o desenvolvimento dos instrumentos de comunicação, provocam mudanças nos modos de vida e nas práticas sociais. Aceleração e volatilidade são as qualidades que definem a feição da sociedade na modernidade tardia, acarretando a crescente dificuldade de análise e compreensão dos fenômenos econômicos e sociais e das expectativas individuais e coletivas, essencial à regulação dos comportamentos sociais. Nesse contexto, a primeira seção desta dissertação enfrenta as representações simbólico-culturais do capitalismo globalizado a partir das três características estruturantes da modernidade tardia no pensamento de Anthony Giddens: processos de organização do tempo e do espaço associados aos mecanismos de descolamento das relações sociais de seus lugares específicos (desterritorialização) e reflexividade individual e institucional. Os sentimentos de risco e de incerteza social enfeixam-se ao incremento do conhecimento científico, pautado pelo paradigma da dúvida radical, resultando na tônica da modernidade tardia: a capacidade reflexiva individual e institucional, que impõe a constante revisão e reavaliação dos projetos de vida e das organizações institucionais diante do complexo cenário da globalização da migração.

Desenhado o panorama da migração no contexto da complexidade das características da modernidade tardia projetadas pelas representações simbólico-culturais do capitalismo globalizado, o segundo capítulo introduz um estudo diacrônico sobre os principais desdobramentos conceituais acerca da constituição da identidade, necessários ao enfrentamento da centralidade do trabalho na construção da identidade do sujeito imigrante.

Ancorado nos estudos de Stuart Hall, traçou-se, então, o percurso

desde o sujeito centralizado de Descartes, ou o sujeito cartesiano da ciência

moderna, dotado de uma essência imutável, até o sujeito descentrado da

modernidade tardia. Para esse autor, desde o Iluminismo até a pós-

modernidade, houve transformações sobre a noção de pessoa humana,

(16)

distinguindo três concepções: o sujeito cartesiano do Iluminismo, o sujeito psicológico das ciências sociais e o sujeito descentrado da pós-modernidade.

O descentramento do sujeito no marco da pós-modernidade, por sua vez, está associado a cinco avanços da teoria social: teoria linguística de Ferdinand Saussure, pensamento filosófico de Michel Foucault, interpretação de Louis Althusser sobre a teoria marxista, teoria do inconsciente desenvolvida por Freud e impacto do movimento feminista.

Com o desenvolvimento da noção de descentramento, diferentemente da concepção do sujeito cartesiano, dotado de uma identidade fixa e indivisível, é no sujeito descentrado que se extrai uma característica fluida, em constante reconstrução, moldada pelas práticas sociais a partir dos sistemas simbólicos de representação partilhados por meio da cultura. A partir dessa concepção, na convivência social, o sujeito é convocado a assumir determinadas posições nas diferentes conjunturas sociais. Essas posições que o sujeito é chamado a ocupar, muitas vezes, podem ter demandas divergentes, conflitantes, acarretando a experiência da crise de identidade.

O percurso do estudo no marco teórico do descentramento do sujeito e da crise de identidade no cenário da globalização conduziu à corrente que postula pela perda da centralidade do trabalho como lócus de emancipação.

Assim, foi necessária a sua contraposição com as pesquisas que postulam pela análise do trabalho como espaço privilegiado de libertação das relações de poder que retiram do sujeito a autonomia da sua agência social.

Nesse contexto, ao longo do segundo capítulo, revelou-se essencial a contextualização doutrinária acerca dos fenômenos da crise de identidade e das teorias sobre a centralidade do trabalho para a melhor compreensão da identidade do sujeito imigrante no cenário da pós-modernidade, questão devidamente desdobrada e analisada ao final.

O terceiro capítulo versa sobre a regulação de proteção do sujeito

trabalhador imigrante na complexidade do cenário econômico-social da pós-

modernidade. São apontadas as múltiplas fontes normativas de regulação da

migração nos âmbitos da Organização Internacional do Trabalho, Organização

das Nações Unidas e do Mercosul e analisada a sua incorporação no sistema

(17)

jurídico brasileiro. Posteriormente, destaca-se a regulação de proteção no âmbito interno, notadamente a recente Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), bem como a jurisprudência dos Tribunais trabalhistas, com ênfase na relação mantida entre o empregador e imigrante irregular.

Na metáfora do sociólogo britânico Anthony Giddens, a representação

simbólico-cultural da pós-modernidade é reproduzida na experiência de

conduzir um juggernaut, uma poderosa máquina, que está sempre a ameaçar

fugir do controle. Essa palavra inglesa, cuja origem está na religião hindu,

refere-se ao imenso carro que conduz o deus Jagrená (Jaganartha) uma vez

por ano à festa de Ratha Yatra em Puri, na Índia. Aproveitando-se da analogia

desse especialista da pós-modernidade, pretende-se compreender como as

engrenagens da identidade e da regulação estão arranjadas de forma a

posicionar o sujeito migrante trabalhador, que, com seus sonhos e desejos de

uma vida melhor, contribui para movimentar o carro de Jagrená.

(18)

2 . OS SENTIDOS DA MIGRAÇÃO

2.1. CULTURA, REPRESENTAÇÃO, LINGUAGEM E DISCURSO

O olhar pontual e imediato sobre o recorrente e progressivo fenômeno dos deslocamentos migratórios em todo o mundo permite depreender a complexidade sócio-política e os dramas humanos implicados. Para uma análise mais acurada, a partir da proposição de conjugar cultura, representação, linguagem e discurso aos universos da globalização e da regulação legal trabalhista, no sentido da precária inscrição do migrante como sujeito social no mundo do trabalho, faz-se necessário enfeixar, epistemologicamente, alguns campos do saber: Ciências Sociais, Linguística e Direito do Trabalho. Para tanto, revela-se essencial traçar o panorama das migrações, primeiramente por meio de dados estatísticos nacionais;

posteriormente, através de desdobramentos conceituais e da localização do fenômeno no cenário simbólico sociocultural do capitalismo globalizado.

2.1.1. O complexo cenário da migração e a unidualidade do ser humano

Pesquisa publicada pelo Observatório das Migrações Nacionais – Obmigra

5

por meio do Relatório Anual 2016

6

sobre o monitoramento da relação entre a imigração e o mercado de trabalho brasileiro apresenta as principais características sociodemográficas dos imigrantes no Brasil

7

. A análise dos

5

O Observatório das Migrações Internacionais – Obmigra foi instituído por termo de cooperação entre o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e da Universaidade de Brasília (UnB), com a finalidade de ampliar o conhecimento dos fluxos migratórios internacionais no Brasil. Disponível em: <

http://obmigra.mte.gov.br/index.php/o-observatorio> Acesso em: 10 de outubro de 2017.

6

Cavalcanti, L; Oliveira, T.; Araujo, D. A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Relatório Anual 2016. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério do Trabalho/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração. Brasília, DF:

OBMigra, 2016

7

Esta pesquisa foi realizada a partir de seis fontes de registros administrativos sobre a imigração no país: 1) autorizações concedidas pela Coordenação Geral de Imigração (CGIg);

2) autorizações concedidas pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), 3) informações do

Sistema de Tráfego Internacional (STI) sobre as entradas e saídas do país pelos postos de

fronteira; 4) dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) sobre as características

dos estrangeiros no mercado de trabalho formal; 5) dados das bases da Carteira de Trabalho e

(19)

dados pesquisados junto à Coordenação Geral de Imigração

8

revela declínio gradual do número total de autorizações concedidas: 68.693 em 2011, 66.821 em 2012, 61.842 em 2013, 46.740 em 2014 e 36.868 em 2015, com o maior percentual de queda no ano de 2014 (24%). Não obstante a predominância maciça do número de autorizações temporárias, o número de autorizações permanentes aumentou no período compreendido entre 2011 e 2013 (2.660, 2.934 e 2956, respectivamente). No ano de 2015, a grande maioria das autorizações permanentes, 95%, foi concedida com base nas Resoluções Normativas nºs 62 e 84: para administrador, gerente, diretor, executivo com poderes de gestão, de sociedade civil ou comercial, grupo ou conglomerado econômico (61,14%) e investidor estrangeiro, pessoa física (35,8%), respectivamente

9

. Por outro lado, o maior número de autorizações temporárias (60,8%) foi concedido com base nas RN nºs 72 e 69: trabalho a bordo de embarcação ou plataforma e para artista ou desportista sem vínculo empregatício, respectivamente.

Além do decréscimo do número total das autorizações concedidas pelo País nesse período, bem como das características das autorizações permanentes e temporárias, a pesquisa junto à Coordenação Geral de Imigração também expõe importantes dados sobre o perfil sociodemográfico entre 2011 e 2015: predominância na concessão para homens (89,5% do total de 280.964); da faixa etária entre 20 a 34 anos - com exceção do ano de 2014, em que sobressaiu a faixa etária entre 35 a 49 anos; de nível superior (43,25%) ou nível médio completos (29,91%). As principais atividades exercidas por estrangeiros de nível superior completo em 2015 são: músico intérprete, 6) do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que juntos informam sobre a movimentação dos trabalhadores estrangeiros no País. (OLIVEIRA, A.T.R., Notas Metodológicas. In: Cavalcanti, L; Oliveira, T.; Araujo, D., A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Relatório Anual 2016. Observatório das Migrações Internacionais;

Ministério do Trabalho/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração.

Brasília, DF: OBMigra, 2016, p. 8-17.

8

A Coordenação Geral de Imigração (CGIg), juntamente com o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), são os órgãos do Ministério do Trabalho (MTb) responsáveis pelas autorizações de trabalho a estrangeiros no Brasil, essencial para a concessão de vistos permanentes ou temporários, conforme o trabalho a ser desempenhado no País e pela pela política e normatização migratória.

9

O valor mínimo de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) exigido para a concessão de

visto permanente a investidor estrangeiro pela RN 84 foi elevado para R$ 500.00,00

(quinhentos mil reais) pela RN 118.

(20)

engenheiro naval e marinheiro. Por outro lado, as relativas ao nível médio completo são: músico intérprete, técnico de mineração, técnico de obras e cenotécnico. Outro dado expressivo consiste no aumento no ano de 2015 das autorizações de caráter temporário concedidas para estrangeiros com níveis mais baixos de escolaridade (fundamental incompleto ou médio incompleto), com base principalmente nas RN 69 e 71: artista ou desportista sem vínculo empregatício e marítimo estrangeiro empregado a bordo de embarcação de turismo estrangeira que opera em águas jurisdicionais brasileiras, também sem vínculo empregatício, respectivamente.

A pesquisa realizada junto à base de dados do Caged e da CTPS

10

, por sua vez, visa essencialmente à análise do fluxo de admissões e demissões de trabalhadores com vínculo de emprego formal no País no ano de 2015 e no primeiro semestre de 2016. Esses dados revelam, por um lado, balanço positivo no ano de 2015 (54.086 admissões e 48.039 demissões); por outro, saldo negativo no período subsequente (19.734 admissões e 24.965 demissões). Assume relevo, no ano de 2015, a maior quantidade de admissões dos imigrantes com nível médio completo e de demissões daqueles com ensino superior completo e incompleto. As atividades econômicas que mais contrataram imigrantes são: abate de aves (8%), construção civil (7%), restaurantes e similares (6%), frigoríficos e abate de suínos (3%). Confecção de peças do vestuário (exceto roupas íntimas e confeccionadas sob medida) representa a atividade econômica com saldo negativo. As ocupações com balanço positivo de empregabilidade são: servente de obras, alimentador de linha de produção, faxineiro, abatedor e magarefe, com média salarial no momento da contratação de R$ 1.076,00 (mil e setenta e seis reais). Os imigrantes oriundos do Japão, Coréia do Sul, França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos - “norte global” - apresentam maior média salarial (R$

5.170,00), com destaque para os japoneses (R$ 10.329,00). As menores médias salariais estão entre os provenientes de Cuba, Guiné, Senegal,

10

CAVALCANTI, L; BRASIL, E; DUTRA, D. A movimentação dos imigrantes no mercado de

trabalho formal: admissões e demissões. In: Cavalcanti, L; Oliveira, T.; Araujo, D., A inserção

dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Relatório Anual 2016. Observatório das

Migrações Internacionais; Ministério do Trabalho/ Conselho Nacional de Imigração e

Coordenação Geral de Imigração. Brasília, DF: OBMigra, 2016, p. 74-125.

(21)

Paquistão, República Democrática do Congo e República do Haiti, com valor abaixo da média salarial do total de imigrantes (R$ 1.008,00).

Os números do Relatório Anual 2016 do Obmigra conferem o panorama da imigração no Brasil, especialmente quanto ao: recente decréscimo das autorizações de trabalho concedidas; alto nível de escolaridade e de poder aquisitivo dos estrangeiros detentores das autorizações permanentes por um lado e o baixo nível escolar dos detentores das autorizações temporárias por outro; elevado número de concessões temporárias concedidas a trabalhadores de baixa escolaridade para trabalho sem vínculo de emprego; perfil majoritariamente de homens para atividades com baixa remuneração dos imigrantes temporários brasileiros. A um primeiro olhar, portanto, esses dados possibilitam visualizar o vínculo entre identidade e regulação na questão da imigração. Mostram-se, no entanto, insuficientes à análise da complexidade do estudo da condição humana, principal objeto da ciência contemporânea, principalmente das Ciências Sociais.

Em uma dimensão idealizada, ao empreender um estudo solicitado pela Unesco, o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin enumerou sete saberes essenciais ou fundamentais à educação do futuro

11

: 1) estudo das disposições psíquicas e culturais que conduzem o conhecimento ao erro e à ilusão; 2) métodos voltados ao conhecimento pertinente, ou seja, à contextualização das informações e dos dados (relação entre o todo e suas partes) para que adquiram sentido; 3) ensino e pesquisa centralizados na unidade e na complexidade da condição humana na perspectiva da tríade cérebro/mente/cultura e na tríade bioantropológica razão/afeto/pulsão, em que não há o poder supremo da racionalidade, mas ao contrário, em que a racionalidade age em relação de complementaridade com as instâncias da afetividade e da pulsão; 4) ética da compreensão planetária em suas dimensões antropológica, ecológica, cívica terrena (responsabilidade e solidariedade), em que a religação substitui a disjunção em direção ao que ele denomina “simbiosofia”, sabedoria de viver junto; 5) princípios de estratégia para o enfrentamento da incerteza e a possibilidade de mudança do cenário de

11

MORIN, Edgar. Os sete saberes essenciais à educação do futuro. Tradução de Catarina

Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya, São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNIESCO, 2000.

(22)

ação de acordo as mudanças do contexto; 6) educação para a compreensão mútua entre próximos e entre estranhos, em que compreender envolva um processo intersubjetivo de abertura, simpatia e generosidade; 7) educação para a ética do gênero humano (“antropoética”), que considere o caráter ternário indivíduo/sociedade/espécie da condição humana. Para ele, “[...] a ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética indivíduo espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre”

12

.

É nesse contexto que se insere a complexidade da pesquisa sobre imigração. Para além do cenário estatístico, revelador tanto do fluxo migratório, quanto das características sociodemográficas da imigração no Brasil, pretende- se compreender o processo de assujeitamento do imigrante na articulação entre identidade e regulação. Conforme o ensinamento de Edgar Morin, o conhecimento pertinente, centralizado na condição humana, vincula-se à consciência da unidualidade do ser humano como ser biológico e cultural:

O homem somente se realiza plenamente como ser humano pela cultura e na cultura. Não há cultura sem cérebro humano (aparelho biológico dotado de competência para agir, perceber, saber, aprender), mas não há mente (mind) isto é, capacidade de consciência e pensamento, sem cultura. A mente humana é uma criação que emerge e se afirma na relação cérebro-cultura. Com o surgimento da mente, ela intervém no funcionamento cerebral e retroage sobre ele. Há, portanto, uma tríade em circuito entre cérebro/mente/cultura, em que cada um dos termos é necessário ao outro. A mente é o surgimento do cérebro que suscita a cultura, que não existiria sem o cérebro.”

13

.

Nesse elenco de proposições ideais no campo dos saberes, portanto, assoma a realidade controversa e conflituosa dos migrantes, ainda passível de reconhecimento em diversas esferas.

12

MORIN, Edgar. Os sete saberes essenciais à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya, São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNIESCO, 2000, p. 17

13

Idem, pp. 52-53

(23)

2.1.2. Mapeando sentidos: o circuito da cultura, as práticas sociais e a construção da identidade

Edifica-se exatamente no reposicionamento da cultura como elemento central na articulação entre o mundo material e o universo simbólico, bem como na importância do sentido para a definição de cultura, a influência paradigmática da denominada “virada cultural” ou “virada linguística” nas ciências sociais

14

. Segundo o sociólogo Stuart Hall, a partir da “virada cultural”

nas ciências humanas e sociais, a cultura deixa de se referir apenas a um modo de vida de um povo ou de uma comunidade e passa a ser utilizada para descrever “os valores compartilhados de um grupo ou de uma sociedade”, um conjunto de práticas destinadas à produção e ao intercâmbio de sentidos

15

.

O funcionamento de toda prática social depende da produção e do compartilhamento de sentidos. Como se desenvolve, então, esse processo de produção de sentidos? Conforme o modelo teórico e metodológico introduzido por Paul Du Gay et all, o sentido se estabelece pelo diálogo empreendido no conjunto de práticas sociais em que se inserem identidade, produção, consumo, regulação e representação por meio da linguagem

16

. Trata-se do circuito da cultura, na definição dos próprios autores, um modelo heurístico para ser utilizado como um dispositivo de organização do pensamento (heuristically useful as an organizing device to thik with). Modelo relacional de articulação teórica, no circuito da cultura, essas práticas sociais encaixam-se mutuamente produzindo uma unidade temporária. Qualquer alteração nos

14

In recent years all this has changed and the cultural has come to occupy a much enhanced position in the social sciences. Rather than being seen as merely reflective of other processes - economic or political - culture is now regarded as being as constitutive of the social world as economic or political processes. Not only this, in recent years culture has been promoted to an altogether more important role as theorists have begun to argue that because all social practices are meaningful practices, they are all fundamentally cultural. In order to conduct a social practice we need to give it a certain meaning, have a conception of it, be able to think meaningfully about it. The production of social meanings is therefore a necessary precondition for the functioning of all social practices and an account of the cultural conditions of social practices must form part of the sociological explanation of how they work. Cultural description and analysis is therefore increasingly crucial to the production of sociological knowledge. (in:

DU GAY, et all, Doing Cultural Studies: the story of the Walkman. London: Sage, in association with Open University, 2013, p. xxix).

15

HALL, Stuart. Cultura e representação. Tradução: Daniel Miranda e William Oliveira. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016, p. 19-20.

16

DU GAY et all, Doing Cultural Studies: the story of the Walkman. London: Sage, in

association with Open University, 2013, p. xiv.

(24)

elementos constitutivos do circuito da cultura gera uma nova unidade contingencial. Por articulação entende-se:

[...] forma de conexão que cria uma unidade de dois ou mais elementos distintos sobre certas condições; é uma ligação cujas condições de existência ou de emergência precisam ser localizadas dentro das circunstâncias/contingências.”

17

(tradução nossa)

Esse modelo aparece pela primeira vez no livro escrito por Paul Du Gay, Stuart Hall, Linda Janes, Anders Koed Madsen, Hugh Mackay e Keith Negus: “Doing cultural studies: the story of the Sony Walkman”, publicado em 1997 e posteriormente reeditado em 2013, fruto do curso Cultural, Media and Identities da Open University, com o objetivo de oferecer uma introdução ao campo interdisciplinar dos estudos culturais iniciados a partir da “virada cultural”

18

. Os autores relatam que, por muito tempo, as ciências sociais e humanas analisaram produtos culturais com base nos processos de produção, concluindo que o modo de produção é decisivo na maneira com que são usados e representados na sociedade. Propõem, no entanto, a utilização do circuito da cultura como modelo abrangente e relacional, em que a análise do produto cultural não se circunscreve a apenas um elemento. Ao contrário, na

17

By the term ‘articulation” we are referring to the process of connecting disparate elements together to form a temporary unity. An articulation is thus the form of the connection that can make a unit of two or more different or distinct elements, under certain conditions. lt is a linkage which is not necessary, determined, or absolute and essential for all time; rather it is a linkage whose conditions of existence or emergence need to be located in the contingencies of circumstances (see Hall, 1996). Thus, rather than privileging one single phenomenon - such as the process of production 一 in explaining the meaning that an artefact comes to possess, it is argued in his book that the beginnings of an explanation can be found. (DU GAY et all, 2013, p.

xxx).

18

Idem p. xv

(25)

articulação não-redutível entre os elementos que inscrevem sua “história” na sociedade: produção, consumo, identidade, regulação e representação

19

.

Todas essas práticas sociais - identidade, produção, consumo e regulação - operam por meio de um “sistema de representação”, pois utilizam

“algum componente para representar ou dar sentido àquilo que queremos dizer e para expressar ou transmitir um pensamento, um conceito, uma ideia, um sentimento”

20

. Segundo o dicionário Houaiss representar significa estar no lugar de algo, substituir. Para Stuart Hall “representação significa utilizar a linguagem para, inteligivelmente, expressar algo sobre o mundo ou representá- lo a outras pessoas [...] Representar envolve o uso da linguagem, de signos e imagens que significam ou representam objetos.”

21

. A con-vivência social depende, assim, do acesso a esse “mapa de sentido” que viabiliza a partilha de histórias, conhecimento, imagens, valores e emoções.

19

Well, as the original Walkman book suggests, for a long time the analysis of cultural products within parts of the social and human sciences focused heavily on processes of production, with the implication. That the mode of production of such artefacts was a prime determinant in the manner which they were ‘encoded' with particular meanings and uses. The Walkman book suggested that while such processes were not of themselves unimportant, they were not the be all and end all of an analysis of any material cultural artefact. Rather, the text introduced a theoretical and methodological model based on the articulation of a number of distinct practices and processes whose interaction could and did lead to variable and contingent outcomes that couldn't be taken for granted ‘in advance', in an a priori manner. Thus, rather than focusing exclusively on one single aspect of the ‘life' of an artefact, the book instead proposed that it was in the articulation of a number of non-reducible practices that the beginnings of an explanation, account, or ‘story' could be surfaced […]. This ‘model' has been an influential framing device in the field of cultural studies ever since it appeared in the original Walkman book (and, anyway, the original text borrowed and elaborated the notion from others working in the field, most notably Richard Johnson, as the original introduction makes clear. […]. It is basically a relational model that focuses on the interplay between practices of regulation, consumption, production, identity work and representation in the assembling or putting together of contemporary material cultural artefacts. (Idem p. xiii).

20

HALL, Stuart. Cultura e representação. Tradução: Daniel Miranda e William Oliveira. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016, p. 23-24

HALL, Stuart. Idem p. 31.

21

Ibidem p. 31

(26)

2.1.3. Produção de sentidos e demarcação de diferenças: relações de poder nas representações linguísticas

Stuart Hall identifica três teorias sobre o funcionamento da representação do sentido pela linguagem: reflexiva, intencional e construtivista

22

. A abordagem reflexiva corresponde à teoria mimética desenvolvida pelos gregos no sec. IV a.C., segundo a qual a linguagem espelha, imita o sentido das coisas que estão no mundo (do grego mimesis = imitação). A intencional, por sua vez, destaca a função do interlocutor na produção do sentido: “as palavras significam o que o autor pretende que signifiquem” (2016, p. 48). Já a construtivista divisa a qualidade social da linguagem, demarcando que não há um sentido intrínseco nas coisas, pois em permanente construção nas práticas sociais por meio dos sistemas de representação. O sentido é relacional, produzido na e pela linguagem por meio de discursos e de práticas culturais. São os seres humanos, portanto, seres eminentemente interpretativos

23

.

O sentido “é o que nos permite cultivar a noção de nossa própria identidade, de quem somos e a quem ‘pertencemos’

24

. Por meio dele, a cultura mantém a identidade de um grupo, estabelecendo fronteiras entre o que está dentro e o que está fora, entre “nós” e “os outros”.

22

Ibidem p. 46

23

Refutada a existência de um sentido imanente às coisas e aos acontecimentos, não existe o sentido literal. “We need to think of this process of making sense or producing meanings as stretching far beyond the literal meaning of words used […]. In fact, as we saw there is nothing simple or obvious about literal meanings. They, too, work metaphorically. The difference is, as we have suggested, that over time some meanings acquire an obvious, descriptive status because they are widely accepted, and so come to be taken as ‘literal', while other meanings appear more remote and metaphorical. Everybody would understand if you said, 'This is a portable cassette-player'. But until it had gained wide acceptance, not everyone would have understood if you said, ‘This is a Walkman’. So-called literal meanings are themselves only those metaphors which have acquired a broad consensual basis of agreement in a culture.

There is nothing simple, obvious, literal or fixed about the connection between a small, portable tape-machine and the word ‘Walkman’.” (In: DU GAY et all, 2013, p. 9).

24

HALL, Stuart, op. cit. pp. 21-22

(27)

2.2. MIGRAÇÃO E O DISCURSO DA GLOBALIZAÇÃO NA PÓS- MODERNIDADE: NECESSÁRIO ENFRENTAMENTO POLÍTICO

A partir da afirmação de que toda atividade economicamente relevante é culturalmente constituída, Du Gay et all sustentam que a pesquisa sobre determinado objeto depende primeiramente da construção de uma “imagem clara” sobre ele, ou seja, é preciso que se questione a sua forma particular de representação, o discurso culturalmente construído sobre ele. Discurso visto aqui como uma prática cultural que constitui os espaços em que as ações sobre os objetos são formatadas e delimitadas

25

.

O sentido da migração na perspectiva discursiva na pós-modernidade vincula-se às estratégias de poder engendradas na cultura presente nas práticas sociais próprias do modelo de produção do capitalismo globalizado. O aumento das migrações está associado às consequências do processo de globalização iniciado nos anos 80

26

. Migração e globalização são fenômenos sociais complexos que se articulam de forma indissociada. Não há globalização sem migração: globalização causa migração e migração intensifica as relações políticas e socioeconômicas para além das fronteiras

27

.

25

[…] all economically relevant activity is culturally constituted in important respects. If you think for a moment about that object we call an 'economy', or that which we refer to as ‘an organization, it seems obvious that when we seek to manage these entities one of the first things we need to do is build a clear picture of what an economy or an organization looks like.

We need to ask ourselves: what are its main component,and how do these relate to each other, and how do they stick together and ‘work'? In other words, before we can seek to manage something called an economy or an organization, it is first necessary to conceptualize or represent a set of processes and relations as an economy or an organization which are amenable to management. We therefore need a discourse of the economy or the organization, and this discourse, like any other, will depend upon a particular mode of representation: the elaboration of a language and set of techniques for conceiving of and hence constructing that object in a certain way, so that object can be deliberated about and acted upon. Economic and organizational discourse here is not simply a matter of beliefs, values and symbols, but rather a form of representational and technological (i.e. cultural) practice that constitutes the spaces within which economic and organizational action is formatted and framed. (in: Du GAY et all.

Doing Cultural Studies, p. xxiii).

26

Não obstante a complexidade do fenômeno da globalização, a sua conceituação doutrinária costuma observar o aspecto econômico. Para Gilberto Dupas, a globalização refere-se à

“intensificação do processo de internacionalização das economias capitalistas.”. (in: A lógica da economia global e a exclusão social. P. 121).

27

“ [...]Hence, globalization and migration can each be viewed as separate processes, but it is

hard to have a complete conversation about one without mentioning the other. In theory, you

can have globalization without migration, and migration without globalization. In practice,

though, the two spheres unavoidably overlap and are very much interconnected. Globalization

causes migration, and migration contributes to the intensification of socioeconomic and political

(28)

A produção de sentidos no fenômeno da migração envolve as práticas sociais próprias do sistema de representação do capitalismo globalizado, ou seja, as maneiras de organizar e classificar os conceitos e as relações entre eles, estabelecendo os mapas conceituais que viabilizam a partilha de ideias e o controle do fenômeno. Nesse sentido, demarca-se a importância de se estabelecer o horizonte semântico da globalização.

O sociólogo Ulrich Beck afirma que a decadência começa pelo cérebro, e o fatalismo é uma enfermidade da linguagem, que provavelmente encontra fundamento no emudecimento das palavras: “os conceitos estão vazios e já não apreendem, iluminam e nem seduzem”

28

. Para o enfrentamento das relações de poder global engendradas no mercado mundial, é necessário

“acabar com a ideia de um mercado mundial mundialmente poderoso que governa nossos cérebros e paralisa toda sua atividade.”

29

Em busca da compreensão das relações de poder presentes no discurso do capitalismo globalizado, Beck distingue o fenômeno econômico-social em três conceitos:

globalismo, globalidade e globalização.

O globalismo se refere ao núcleo ideológico que representa o mercado mundial como substituto da ação política, ou seja, uma concepção reducionista do fenômeno à dimensão puramente econômica de forma a encobrir as suas demais dimensões (ecológica, cultural, política e social). Confundem-se e misturam-se os domínios da política e da economia. A tarefa política de delimitar os marcos jurídicos, sociais e ecológicos da ação estatal, substitui-se pelo imperialismo econômico em que se confundem simbolicamente Estado e empresa

30

.

A globalidade, por sua vez, compreende a amplitude do fenômeno:

abrange a totalidade da sociedade mundial percebida como uma “pluralidade sem unidade”

31

. As representações simbólicas próprias do modo de produção ocidental avançam sobre todos os países sem exceção, com reflexos em suas relations across borders.” (in: Globalization and migration: a world in motion. Lanham: Rowman

& Littlefield, 2016. Series: Globalization. P. 7).

28

Beck, U. Que es la globalización, p. 30.

29

Ibidem p. 31.

30

Ibidem p. 32.

31

Ibidem p. 34.

(29)

formas econômicas, políticas e culturais, inviabilizando a atuação isolada de qualquer país ou grupo social.

Entende-se por globalização, os processos de interdependência mútua entre Estados nacionais soberanos e atores transnacionais e as relações de poder que vão tecendo a identidade da globalidade por meio das probabilidades de atuação delas resultantes

32

. Nessa articulação de poderes, globalização significa também a difusão de um capitalismo globalmente desorganizado, livre de qualquer poder hegemônico internacional econômico ou político. Para Ulrich Beck, apenas na perspectiva pluridimensional da globalidade se faz possível combater o “feitiço despolitizador” das representações simbólicas do globalismo.

Não obstante o processo de globalização não ser um fato histórico novo, já que principiado com o comércio marítimo mundial no sec. XV, Gilberto Dupas explica que, a partir dos anos 80, o fenômeno atinge ‘assombroso impulso’ causado pela presença maciça da tecnologia da informação nas atividades econômicas, assumindo intensa flexibilidade nos anos 90. Uma das características principais da globalização é a cadeia de produção internacional por meio dos chamados networks. Reformulou-se a estratégia de produção e distribuição, de empresa verticalmente integrada para um conjunto de diversas empresas globalmente interconectadas

33

. Os processos de concepção e de produção da mercadoria passaram a ocorrer em países diferentes, geralmente envolvendo a subcontratação seja por meio de terceirização ou de trabalho em casa

34

.

Dupas identifica na nova lógica das cadeias produtivas da globalização duas forças contraditórias: concentração e fragmentação. A atuação do capitalismo globalizado ocorre de forma concentrada por meio de a) investimentos intensos na busca de liderança tecnológica, b) características globais de networks e de mídias, c) quantidade reduzida de agentes na tomada

32

Idem p. 34.

33

DUPAS, p. 124.

34

World Comission on the Social Dimension of Globalization. A fair globalization: creating opportunities for all. Brief reviews of policy issues. p. 16. Disponível em: <

http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---

integration/documents/publication/wcms_079151.pdf> Consultado em: 25.02.2018.

(30)

de decisão na produção de bens e serviços (objetivo, forma, tempo e local). A atuação fragmentada, por sua vez, opera por meio de a) produção compartilhada em plantas mundialmente localizadas; b) parcerias e subcontratação de empresas; c) informalização do trabalho; d) contratos e acordos de terceirização e franquias

35

.

Uma das principais características das empresas após os anos 80 consiste na fragmentação das cadeias produtivas. Nessa lógica, as decisões estratégicas se isolam nos países desenvolvidos, as atividades de pesquisa e de desenvolvimento se concentram em locais de mão de obra qualificada, os recursos móveis (tecnologia, gerência e equipamentos) espalham-se em locais de mão-de-obra pouco qualificada e de sindicalismo fraco

36

. Nesse sistema, observa-se a finalidade precípua de redução de custos visando à maior competitividade no mercado.

Enquanto os modelos de gestão das corporações globais de fracionamento das cadeias produtivas e de flexibilidade geográfica associados à habilidade de deslocar recursos e operações em escala global conduzem à crescente mobilidade da tecnologia e do capital, a mão de obra se torna o único fator não-móvel, permitindo a incorporação de baixos salários na lógica global. Por outro lado, com a finalidade de atrair capital estrangeiro, países em desenvolvimento diminuem os critérios de regulamentação, arrecadação fiscal, proteção ambiental e padrões de normas trabalhistas, com sérias consequências na capacidade do Estado-nação de proteção social às populações carentes. No mercado de trabalho, por sua vez, as dinâmicas de transformações nos negócios e nas condições econômicas acarretam incertezas e inseguranças para os trabalhadores, que não participam diretamente nos mercados e na globalização de forma igual e justa.

Conforme relatado pela Comissão Mundial para sobre a Dimensão Social da Globalização, organizada pela OIT, o capitalismo globalizado tem a capacidade, em sua dimensão ideal, de oferecer muitas oportunidades para que o mundo se torne um lugar melhor: a redução de barreiras no comércio

35

DUPAS, p. 124-125

36

DUPAS, p. 126

(31)

encoraja ligações econômicas entre continentes, países e regiões; transporte e comunicação mais rápidos e baratos ajudam a construir o mercado global;

comunicação global e a celeridade na informação criam e estreitam laços entre pessoas distantes; maior consciência sobre a qualidade de vida das pessoas e os problemas políticos ao redor do mundo. Essas oportunidades viabilizam não somente a troca de mercadorias, mas também de ideias e de conhecimento

37

.

Apesar das oportunidades oferecidas pelo fenômeno da globalização, o relatório conclui, entretanto, que, o rápido crescimento dos mercados globais, não se fez acompanhar do desenvolvimento das diretrizes econômicas e sociais em benefício das necessidades das pessoas. Ao contrário, a proteção de trademarks, patentes e fluxo de capital é maior do que a proteção dos direitos trabalhistas. Afirma também que, no mercado formal, a rapidez na transformação das empresas e das condições do mercado dificulta a concretização de ajustes, suscitando temor e instabilidade para os trabalhadores e, no universo informal, as pessoas não participam diretamente nos mercados e na globalização de forma justa

38

.

Na conjuntura moderna, a crescente mobilidade do capital, os altos níveis de desemprego, a crise do poder do Estado-nação com oportunidades econômicas desigualmente distribuídas geograficamente, bem como a facilidade de viagens e de comunicação aumentam o fluxo migratório das pessoas em busca de oportunidades melhores em outros países.

No campo conceitual, entende-se por globalização da migração “a tendência de cada vez maior número de países serem crucialmente afetados por movimentos migratórios concomitantemente”

39

. A conexão entre ambos os fenômenos sociais descortina, na paisagem contemporânea, a irrelevância da dicotomia entre países “emissores” e países “receptores” de migrantes. Na

37

International Labour Organization (ILO). World Commission on the Social Dimension of Globalization. A fair globalization: Creating opportunities for all. Brief Reviews of policy issues.

Geneva: 2004, p. 4 Disponível em: < http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/--- integration/documents/publication/wcms_079151.pdf> Consultado em: 13 de nov. 2017.

38

Idem p. 4-5.

39

“the tendency for more and more countries to be crucially affected by migratory movements at the same time”, conceito de Stephen Castles citado por Elliot Dickinson (opus cit). Também em MUNCK, Ronald, Globalisation and Migration: an introduction. Third World Quarterly, Vol.

29, No. 7, 2008, p. 1229.

Referências

Documentos relacionados