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34 TÁCITO, Hilário op cit., p 72.

excelente capacidade de retorno financeiro que o autorizava a ser recompensado pela excelência de uma prostituição moderna, civilizada e de muita sofisticação. Até então, eram as cortesãs feitas da "gentilidade" que satisfaziam as ordinárias aspirações dos mais abonados fazendeiros que acorriam para a capital. Tais rela- ções, muito perniciosas, aprofundavam-lhes o grau de "bocutinização", mantendo- os mais próximos à natureza primitiva que aos elegantes lupanares do mundo co- nhecido.

Se nada de apreciável se havia até então conseguido - afirmava Mme. Pommery - a causa única era a ignorância das suas antecessoras, incapazes todas de avaliar com segurança este elemento primordial: a ca- pacidade financeira do Coronel. E este outro: a oportunidade. [...]

A "capacidade financeira do Coronel" era a pedra angular, o eixo e a alma de todo seu sistema. Era preciso medi-la exatamente, para depois explorá-la integralmente; e conter a liberdade e livre-arbítrio dos coro- néis nos limites de uma disciplina sábia e intransigente, de modo que to- dos os seus gastos, taxas e contribuições se regulassem por uma tabela de antemão prefixada, para produzirem o máximo aproveitamento, como produtores de capitais.35

A oportunidade era mesmo aquela: a artificiosa valorização dos cafezais, tramada há poucos anos em Taubaté, interior do Estado, resultava agora numa abastança de engordar vacas, criar fortunas repentinas e paixões fulminantes. De

todos os pontos acorriam à Capital fazendeiros aos magotes, todos dinheirosos e

ávidos, todos, por quebrar a longa abstinência dos maus dias passados, numa

vida renascente de prazer e de fatura.36 Nesses momentos, faziam da fervilhante

zona do meretrício, bem no centro da cidade, ponto de encontro e de aprendizado. Ali discutiam política, jogavam, bebiam, mas também recebiam lições de como se

35 Idem, p. 75.

comportar polidamente, se vestir de acordo com a moda, sorver champanha com modos, bem pagar pelo prestígio e espetáculo, sem a mesquinharia indígena. Vi- vendo a euforia daqueles dias - todos eles já contados, isto é, duradouros até a próxima crise do café nos mercados internacionais -, os fazendeiros aceitavam com regozijo os novos costumes.

Mme. Pommery, nesse momento oportuno, se aproveita de uma novidade importada da Europa que seduzia e escandalizava: a fama das prostitutas france- sas.37 Afrancesa seu próprio nome38 - pois nascida Ida Pomerikowsky, de pai po- lonês e mãe espanhola - e abre um bordel de luxo, prazerosamente denominado "Au Paradis Retrouvé". E com a sábia valorização pecuniária e emocional da champanha, um produto tipicamente francês, consegue dar início à gloriosa ascen- são de seu negócio.

Mas sua celebridade, como conta Hilário Tácito, não está somente nesse senso de oportunidade. Antes de tudo, está na sua interpretação da nova dinâmica da economia de mercado, fazendo conferir um justo valor a uma atividade pela qual se pagava qualquer preço. Mme. Pommery, em seu bordel, fixa tarifas com valores à altura da produtividade da terra roxa. Num ambiente onde bem se com- binavam "as tentações da carne e da embriaguez com as pompas de um luxo espe- taculoso", nenhum fazendeiro se negaria a pagar, até com a camisa, os elevados

37 O charme da "francesa" foi construído no imaginário social a partir de dois temas recorrentes:

o de sua maior capacidade de sedução e o de seu domínio das regras de comportamento civiliza- do. Simbolizando o mundo das mercadorias as mais modernas, era desejada também pelo status que conferia ao seu proprietário momentâneo. RAGO, Margareth. op. cit., p. 44-45.

38 Em seus jogos de sentido, Hilário Tácito, ou José Maria de Toledo Malta, batiza sua heroína com um nome que é a marca de uma champanhe. SÜSSEKIND, Flora. Cinematógrafo de letras: literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1987, p. 69.

serviços prestados pelas "alunas" da casa. O desnudamento do coronel começava pelo consumo compulsório de champanha a trinta mil-réis a garrafa, e não se re- cebia menos que cem mil-réis pela assistência profissional prestada.

Não se tratava, portanto, de simplesmente vender carne prostituída, mas calcular com exatidão seu valor de uso, conceber racionalmente a maneira de dis- pô-la no mercado, enfim, apresentá-la como jóia rara aos consumidores ávidos pelo brilho da noite mundana. Igualmente na valorização do café, era tudo uma questão de artifício e, regra geral, as transformações dos costumes de São Paulo eram "mais da espécie artificial do que da natural". Respeitar esta lei social era aplicar com precisão a fórmula que garantia o progresso da economia do desejo.

Para o autor, Hilário Tácito é convincente o suficiente ao esclarecer o sen- tido quase visionário de Mme. Pommery na interpretação desta regra, que ia ante- cipando as conclusões da economia científica.

A ciência econômica ainda não estudou, que eu saiba, o mecanis- mo peculiar do ramo de negócio em que se notabilizou e cresceu Mme. Pommery [...]

Observo apenas que a famigerada lei da oferta e da procura pode ser perfeitamente certa à beira do balcão, e quando a mercadoria é baca- lhau, carne de vaca, sapatos, chita, bugigangas. Mas ninguém contestará que, no mercado mundano, claudica e falha miseravelmente, se alguém pretende regular por ela o preço da carne prostituída, tanto da mais orgu- lhosa como da rascoa mais rasteira. - Não é a praça, nem a bolsa, que ta- xa e afixa a cotação de cada uma; pois é mercadoria, esta, que a si mesma se atribui o próprio preço, de modo que a meretriz vale, de fato, não o que parece valer, mas o que se faz pagar.39

Protagonistas e coadjuvantes