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Família

2.1. Teoria geral dos sistemas

Sistema é um conjunto de elementos em interação de tal forma que uma modificação num deles provoca uma modificação de todos os outros.39 Os elementos dos sistemas sociais são melhor descritos, não como indivíduos, mas como pessoas-comunicando-com-outras- pessoas.23

A natureza organiza-se em múltiplos sistemas, hierarquizados entre si. Cada sistema é um todo em si mesmo e, simultaneamente, é parte de um todo maior, de um sistema mais abrangente. Desta forma, um sistema firma-se como subsistema relativamente aos sistemas de nível hierárquico superior, mais vastos, e como suprasistema em relação aos sistemas de nível hierárquico inferior, seus constitutivos.

Para estudar os sistemas mais pequenos, adotamos uma perspetiva analítica e utilizamos tecnologia microscópica, que possibilitou a multiplicação das especialidades e subespecialidades médicas.40

Para estudar os sistemas maiores, adotamos uma perspetiva sintética e métodos e técnicas telescópicas. No campo da Medicina, o exemplo é a Saúde Pública. Utiliza métodos epidemiológicos e técnicas estatísticas de modo a agregar informação, sintetizar, permitindo a compreensão dos fenómenos de saúde-doença ao nível dos grupos populacionais, de comunidades, nações e regiões do globo.40

A pessoa na sua dimensão biopsicossocial ocupa uma posição central na hierarquia dos sistemas vivos. O seu estudo requer uma perspetiva macroscópica e cai frequentemente no domínio da psicologia, da sociologia e de outras ciências sociais e humanas.40

O médico de família (MF) utiliza simultaneamente as três perspetivas: utiliza a microperspetiva quando tem de manusear problemas biológicos; utiliza a teleperspetiva

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porque tem de conhecer a comunidade onde trabalha; e utiliza a macroperspetiva porque muitos dos problemas que vê são o resultado de uma interação complexa entre a pessoa e o seu meio, podendo manterem-se incompreensíveis enquanto o campo de observação não for suficientemente amplo para incluir, para além do fenómeno em si, o contexto em que se produz. De entre os múltiplos sistemas que envolvem a pessoa, a família é particularmente importante, por ser o sistema mais estável, onde as relações são mais frequentes e cumulativas, a coesão é maior e a circularidade dos efeitos se impõe com grande agudeza.

De acordo com Hall e Fagen apud Watzlawick et al.,41 para um dado sistema, o meio é o conjunto de todos os elementos cuja mudança nos seus atributos afeta o sistema e de todos os elementos cujos atributos são mudados pelo comportamento do sistema. Dito de outro modo, o meio é constituído pelo conjunto de suprasistemas com os quais o sistema interage, sendo que este é, ele próprio, parte desses sistemas mais vastos. Dada a hierarquização dos sistemas vivos, um sistema pode muito bem ser considerados parte do meio de um subsistema nele contido.

Cada sistema é delimitado por fronteiras que permitem a sua demarcação dos suprasistemas, distinguindo os meios interior e exterior. Os subsistemas também têm fronteiras que os protegem e diferenciam dentro do sistema de que são partes consituintes. Na família, as fronteiras de um subsistema são as regras que definem quem participa e como.35

Segundo a sua interação com o meio, os sistemas podem ser fechados ou abertos. Os sistemas fechados, isolados do meio, tendem para a entropia (ou desordem) crescente. Os sistemas abertos estão em permanente interação com o seu meio, com o qual trocam energia, matéria e informação, evoluindo no sentido da complexidade, ao mesmo tempo que mantêm a sua organização. Relvas26 compara as fronteiras dos sistemas abertos a membranas semipermeáveis que permitem a passagem seletiva da informação, tanto entre o sistema e os suprasistemas como entre os diversos subsistemas.

As interações que se desenvolvem entre os vários elementos de uma família organizam- se em sequências repetitivas de trocas verbais e não verbais que se vão construindo no dia-a-dia familiar, como resultado de adaptações recíprocas, implícitas e explícitas, entre os seus elementos. Estas sequências ou padrões transacionais governam as relações entre subsistemas familiares, regulando as trocas afetivas, cognitivas e comportamentais dos diferentes membros e especificando os seus papéis particulares.23

Dois sistemas de força revelam-se importantes para a organização e manutenção dos padrões transacionais: as expectativas específicas de cada família cuja origem se perde em anos de negociações explícitas e implícitas, muitas vezes já esquecidas; as regras universais de organização da família, de que são exemplos a hierarquia de poder e autoridade pais-filhos ou a complementaridade entre marido e mulher. A comunidade, pelo reforço que dá ou nega às regras familiares, influencia o modo de funcionamento da família.23

Para funcionar saudavelmente, a família deve proteger a integridade do sistema total e a autonomia funcional das suas partes ou subsistemas, o que remete para as fronteiras entre o sistema e o exterior e entre subsistemas. Estas fronteiras podem ser: claras, se delimitam os espaços e as funções de cada subsistema, permitindo simultaneamente a troca de influências entre eles; difusas, se permitem uma elevada permeabilidade; rígidas, se dificultam a comunicação e a compreensão recíprocas.23,35,42-4 Nas famílias funcionais, as fronteiras, intra e extrafamiliares, são claras. Nas famílias disfuncionais de tipo aglutinado ou emaranhado, as fronteiras intrafamiliares são difusas e, em contraste, a fronteira extrafamiliar geralmente é rígida, com tendência para o isolamento social e para um funcionamento do tipo de sistema fechado.17

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Fleming37 fala-nos da força centrípeta das famílias com fronteiras intrafamiliares mal definidas, sufocadora dos seus elementos, que conduz a um sentimento de culpa quando algum membro procura a independência. No mesmo sentido, Gonçalves43 observa que, quanto mais “mergulhados” estiverem todos os elementos no espaço comum que é a família, menos claras serão as fronteiras entre os indivíduos e menor será a sua autonomia em relação ao bloco familiar.

Constituem situações específicas, igualmente disfuncionais, de fronteiras difusas entre subsistemas familiares, a triangulação e as fronteiras mal definidas entre gerações.23 No fenómeno da triangulação, a fraca diferenciação dos subsistemas conjugal e parental leva a díade marital a envolver uma terceira pessoa, geralmente um filho, no conflito, de modo a diminuir a tensão entre o casal, ficando a criança triangulada. Os casos de fronteiras mal definidas entre gerações podem assumir diversas formas, de que são exemplos a relação simbiótica de um dos progenitores com um dos filhos; a coligação, mais ou menos consciente, entre um dos cônjuges e um filho contra o outro cônjuge; ou a parentificação, em que os filhos, desde tenra idade, se ocupam de tarefas que pertencem habitualmente aos pais ou satisfazem, de modo sistemático, as necessidades destes em vez de se ocuparem com atividades próprias da sua idade, necessárias a um desenvolvimento harmonioso.

Nas famílias disfuncionais de tipo desagregado ou desligado, as fronteiras intrafamiliares são rígidas e a fronteira com o exterior é geralmente difusa, tornando o sistema demasiado aberto, excessivamente exposto ao ambiente externo,42 podendo mesmo verificar-se uma tendência centrífuga dos seus membros.

Bertalanfy,45 autor da teoria geral dos sistemas, formulou um conjunto de axiomas válidos para todos os sistemas, independentemente da sua natureza: a não somatividade, a autorregulação e a equifinalidade. Segundo o princípio da não somatividade, o todo é mais do que a soma das partes.45 Da aplicação deste axioma ao sistema familiar decorre que a família não é a soma dos seus elementos nem dos seus atributos.23 O princípio da autorregulação diz-nos que o comportamento de um elemento não é suficiente para explicar o comportamento de um outro elemento e vice-versa.45 Assim, para podermos compreender o que acontece a um dos elementos da família é necessário termos uma visão circular das interações, isto é, cada um dos comportamentos tende a ser equacionado no jogo complexo de implicações, ações e retroações que o liga aos restantes. A esta recursividade de retroações chamou-se anel de feedback.23 Disto resulta que a pessoa que vem à consulta não é necessariamente o membro mais doente da família. Nos casos de perturbação familiar, os problemas podem apresentar-se diferentemente nos diversos membros da família, sendo exemplos comuns: a criança que é o sintoma visível da doença da sua mãe, exprimindo esta as suas próprias ansiedades, depressão ou sentimentos de culpa levando frequentemente a criança à consulta por problemas menores; os problemas de comportamento na escola ou os sintomas de ansiedade na criança como indicação dos problemas familiares; a criança ou adolescente que é apresentada como “difícil”, como bode expiatório ou responsável dos problemas familiares.

A retroação pode ser negativa ou positiva. A retroação negativa constitui um mecanismo de regulação que permite, de forma autocorretiva, manter o sistema estável, sem mudanças qualitativas. Desta forma, corrige os efeitos de fatores, internos ou externos ao sistema, que poderiam modificar o seu equilíbrio. O mecanismo pelo qual se corrigem ou atenuam as flutuações do sistema por retroação negativa denomina-se morfostase.32 A retroação positiva introduz mudanças qualitativas no funcionamento do sistema, transformando-o. O mecanismo de autotransformação do sistema por retroação positiva denomina-se morfogénese.23

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morfogénese que regulam o sistema, denomina-se homeostase.23

A equifinalidade postula que o mesmo estado final pode ser alcançado partindo de diferentes condições iniciais e de diversas maneiras. Assim, se quisermos explicar um determinado estado final de um sistema aberto, devemos recorrer à evolução das regras e parâmetros de funcionamento respetivos, mais do que às condições iniciais.23

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