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NA PESSOA E NA FAMÍLIA

4. Fatores condicionantes da adaptação à doença crónica

4.1. Tipo de doença

Nem todas as DC ocupam o mesmo espaço ou alteram as relações familiares do mesmo modo. Assim, surgiu a necessidade de desenvolver tipologias de doenças baseadas nas necessidades psicossociais comuns às famílias que apresentam elementos com DC. Rolland84 organizou grupos de DC que partilham exigências semelhantes perante as pessoas doentes e respetivas famílias ao longo do tempo, com base em quatro caraterísticas:

- Início (súbito ou gradual): a doença com início súbito (como são o enfarte agudo do

miocárdio, o acidente vascular cerebral ou as malformações congénitas) gera grande

stress e obriga a uma mobilização rápida de recursos, já que as mudanças que requer são comprimidas num curto espaço de tempo; se o início da doença for insidioso, como acontece com a esclerose múltipla, bronquite crónica ou doença de Parkinson, a família tem tempo para a adaptação, apesar da incerteza e ansiedade que vive.

- Evolução (progressiva, constante ou com recorrências): quando a doença tem uma

evolução progressiva (exemplos: bronquite crónica, esclerose múltipla, artrite reumatóide), a família está continuamente a adaptar-se às novas necessidades do doente, ou seja, está sempre em fase de transição; quando a evolução é constante (exemplos: malformações congénitas, paraplegia após traumatismo da espinal medula, paralisia cerebral, cegueira), é possível uma estabilização após a crise, sabendo a família com o que conta e o que lhe é pedido; por fim, se a doença tem um carater recorrente (exemplos: asma, epilepsia), exige grande flexibilidade da família, pois tem de encontrar um modo de funcionar durante as crises e de voltar ao funcionamento anterior, que até pode ser

155 disfuncional, assim que a crise acaba.

- Prognóstico (fatal, possivelmente fatal ou não fatal): se há risco para a vida, a família

tem de gerir o medo da perda eminente enquanto procura cuidar da pessoa doente sem descurar a qualidade de vida desta e dos outros elementos. As diferenças para a família entre uma doença fatal (caso do cancro metastizado), possivelmente fatal (como a doença cardiovascular) ou não fatal (como a cegueira, a paralisia cerebral ou a artrite reumatóide) são as relativas à antecipação do luto. No entanto, mesmo em doenças em que a morte não é provável, às vezes ocorrem interpretações idiossincráticas do estilo “poderia acontecer”, que levam, com frequência, à sobreproteção.

- Incapacidade (incapacitante ou não incapacitante): a incapacidade associada à doença

(como acontece na doença de Parkinson ou na artrite reumatóide) determina redistribuição de responsabilidades e alteração de papéis, não necessários na adaptação familiar à doença não incapacitante (exemplos: hipertensão arterial, diabetes mellitus ou hipotiroidismo). A incapacidade provocada por uma doença é uma questão altamente significativa na modulação do grau de stress para a família. No caso de se instalar logo no início da DC, exacerba as questões da gestão familiar, relativamente ao início, curso esperado e consequências da doença.

O estudo “Caraterização da Morbilidade na Prática Clínica da Unidade de Saúde Familiar Santo Condestável” (Parte IV da dissertação) mostra como ocorrem variações na intensidade de uso da consulta do MF consoante as DC, o que reflete os graus diferentes de perturbação biográfica que as doenças induzem. No Quadro LI apresentam-se outros estudos que demonstram variações no impacte que diversas DC têm na pessoa doente e ou na família.

Quadro LI – Variações no impacte de diversas doenças crónicas

Autor Ano População Resultados

Bennet70 1994 Meta-análise

Crianças com determinadas doenças, como asma, dor abdominal recorrente ou anemia falciforme, apresentavam maior risco de depressão do que crianças com outras doenças, como cancro, fibrose quística ou diabetes mellitus. Kilian et al.178 2001 Pessoas saudáveis da população em geral (n=1720) e doentes tratados a nível hospitalar com diagnósticos de cancro, doença cardíaca, diabetes mellitus, esclerose múltipla, artrite, doenças respiratórias e esquizofrenia (n=242)

As doenças somáticas tinham um impacte negativo forte na saúde física, bem-estar psicológico e qualidade de vida global, mas não nas relações sociais. A diminuição da qualidade de vida não era primariamente um efeito da gravidade da doença, no sentido da sua letalidade, mas sim da incapacidade funcional dela resultante. Entre estas doenças, apenas a artrite e a esclerose múltipla tinham um impacte negativo no item “domínio do meio ambiente” da escala de avaliação da qualidade de vida WHOQOL- BREF.

A esquizofrenia tinha um impacte significativo sobre a saúde física, bem- estar psicológico, meio ambiente e qualidade de vida global. Em contraste com o das doenças somáticas, o seu impacte parecia resultar de relações sociais negativas e privação económica, frequentemente associadas a este tipo de doenças mentais.

Cate,

Loots179 2000 Irmãos de crianças com deficiência (n=43) Os irmão sentiam-se melhor quando a deficiência era menos grave. Salin et

al.180 2009 Cuidadores informais (n=143) Cuidadores de doentes que necessitavam de menos ajuda [ou de doentes mais jovens] tinham uma melhor qualidade de vida. Garcés et

al.117 2009

Doentes dependentes (n=296) e respetivos cuidadores (n=153)

A sobrecarga causada pelo cuidar do doente correlacionava-se positivamente com a gravidade da dependência e com a presença de sintomas físicos, entre outros fatores.

Piquart,

Sorensen108 2003 Meta-análise

Comparativamente aos não cuidadores, os cuidadores apresentavam níveis inferiores de saúde, sendo as diferenças ampliadas quando se considerava o grupo específico de cuidadores de doentes com demência.

Person et

al.181 2015

Sobreviventes de acidente vascular cerebral com <70 anos

e respetivas esposas (n=248 casais); grupo

controlo

As esposas dos doentes apresentavam pior saúde física e mental, comparativamente às esposas do grupo controlo.

A incapacidade global e a idade do doente eram preditores de saúde física pobre nas esposas, enquanto a incapacidade global, os distúrbios cognitivos e os sintomas depressivos do doente eram preditores de saúde mental pobre nas esposas.

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No Quadro LII indicam-se vinhetas clínicas deste estudo em que os efeitos do tipo de doença são mais exuberantes.

Quadro LII – Vinhetas clínicas demonstrativas da influência do tipo de doença na adaptação à doença crónica

Descrição Vinhetas

O início súbito da doença e a exuberância do seu quadro inaugural conduziram a emoções negativas e esforços intensos de significação da doença por parte do cônjuge

29

Numa recorrência, as manifestações da doença faziam a pessoa doente não

tolerar a espera pelo atendimento médico 74

Devido a sintomas da recorrência de doença, a pessoa doente alterou o ciclo de

vigília/sono 78, 111

A recorrência de doença possivelmente fatal originou emoções negativas,

alterações na vivência do tempo e cancelamento de viagem 80 Doença de evolução progressiva obrigava a lidar com a incerteza 6, 18

Tipo de doença levava a pessoa doente a temer o estigma social e ao autoestigma 35, 48, 87, 159, 161

Doença fatal ou possivelmente fatal levava a:

 Alterações dos estilos de vida da pessoa doente e ou dos familiares 13, 23, 64, 89  Necessidade de lidar com a incerteza 23, 24, 28, 34, 41, 72, 80, 102, 112, 113, 138, 146  Necessidade de significação da doença e ou ressignificação da existência pela pessoa

doente e ou pelos familiares 23, 28, 34, 37, 58, 63, 86

 Abandono de projetos pessoais ou do trabalho 28, 113

 Melhor funcionamento familiar 34, 59, 143

 Parentificação de uma filha 130

 Alterações da sexualidade 34, 47, 50, 51, 102

 Mudança de localização e alteração da tipologia familiar 113

 Sofrimento psicológico/perturbações psiquiátricas/regressão 23, 24, 25, 41, 42, 44, 72, 80, 97, 102, 113  Alterações da vivência do tempo pela pessoa doente e ou pelo cuidador 23, 27, 36, 72, 80, 84, 85

Preces como estratégia de coping 81, 113, 138

Adoção de evitação como estratégia de coping 97, 159

Adoção de estatégias de coping monitoriais para identificação de eventual recorrência 146

Doença incapacitante levava a:

 Descoberta de novos procedimentos para realizar atividades e ou utilização de ajudas

técnicas e ou adaptação da casa 5, 6, 119

 Problemáticas de redistribuição de tarefas domésticas 8, 68

 Emoções negativas ou perturbações psiquiátrias da pessoa doente ou de um dos seus

familiares 6, 43, 77, 119, 120, 121, 137

 Mudança de familiares para a casa da pessoa doente, desta para casa de familiares ou

ingresso num lar para viabilizar os cuidados necessários 54, 57, 110, 119, 128, 141

 Conflitos familiares 30, 62, 128, 137

 Alterações da sexualidade 46, 52, 53

 Aumento dos custos indiretos da doença por necessidade de contratar cuidadora formal 66, 74  Diminuição de contactos sociais da pessoa doente ou dos seus familiares 71, 77, 119, 121  Abandono do trabalho ou a problemas laborais por parte da pessoa doente ou do cuidador 30, 39, 43, 54, 61, 69, 70, 87, 144  Alterações na vivência do tempo pela pessoa doente e ou pelo cuidador 61, 67, 77, 82, 83, 120  Benefícios primários ou secundários por parte da pessoa doente 140, 141, 142, 144, 145  Culpa dos familiares por não usufruto do tempo em conjunto com a pessoa doente antes

desta ter incapacidade 86

 Crise identitária da pessoa doente ao olhar dos familiares 39, 120, 122

 Sobrecarga do cuidador 14, 67, 119, 141

Parentificação de uma filha 60, 121

 Cuidadora tornar-se sintomática 43, 119, 128

 Alterações do lazer da pessoa doente e ou do cuidador 7, 8, 17, 63, 66, 77, 83, 87, 119, 121, 149  Restrição do uso do espaço pela pessoa doente ou, por não poder ausentar-se de casa ou

falta de tempo, pelo cuidador 6, 7, 8, 39, 60, 66, 77, 83, 87, 88, 119

Tipo de doença(s) contraindicava(m) as atividades de lazer habituais do doente 98, 99

Incapacidade do cuidador levava-o a recusar internamento da mulher em

157

não a poder visitar diariamente

A deficiência da filha potenciava as dificuldades de vinculação do pai 127

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