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32 ticos de que dispõe, trabalhando a palavra em diferente níveis,

enriquecendo sobremaneira o seu discurso . Nada mais adequado, então, para se estudar língua do que um texto pleno de possi­ bilidades cuja autora domina as estruturas de seu ·idioma ma­ terno gerando toda a expressividade que encanta, pela elegân­ cia e sutileza, leitores de todas as idades sem perder de vis­ ta a simplicidade, a clareza e a objetividade .

Pretendemos mostrar que Ana Maria Machado busca uma reno­ vação idiomática constante, dinamizando a língua, explorando­ lhe ao máximo as potencialidades, as suas diversas realizações, nao se prendendo ao convencional, mesmo quando dele precisa para reavaliá-lo, reaproveitá-lo ou apresentar novas propos­ tas .

� nossa intenção provar que a autora não só trabalhou a nível gramatical, mas também no plano das idéias . Neste há co­ mo que uma ruptura nos padrões estabelecidos, o que nao lança­ rá dúvidas no discurso, ao contrário, o enfatizará, na medida em que vai abolir as dimensões do real porque atua no seu con­ ceito de real . � mais uma característica a situá-la como fiel discípula de Monteiro Lobato, dentre outras apontadas por ela própria .

Através dessas considerações, chegamos aos verdadeiros motivos que nos inspiraram na realização desse estudo: detec­ tar e analisar os recursos lingUísticos de que Ana Maria Ma­ chado se uti lizou na formulação do seu " sistema", servindo-se em sua vbra criativa e expressivamente do significante para chegar à signif icação . O que é digno de menção, e o que nos motivou a aprofundar os estudos foram as combinações de que

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s e serviu no seu discurso. Uma leitura superficial, sem dúvi­ da, faz com que percebamos u lgo dj ferente, mas i nde finível ; porém, será com argúcia e determinação que penetraremos no

seu " reino particular" para aí entendermos a alquimia reali­ zada . Sim, porque estamos seguros de que se trata exatamente de uma mistura de elementos, às vezes, nem tão nobres, que se transformam em materiais preciosos, chegando à transmutação . Por exemplo: uma regência gramatical inadequada, exces so de

gírias, idé ias surrea listas, etc. que por s i mesmas so empa­ nariam o brilho ou prejudi cariam a qualidade do texto são por ela trabalhados, arrumados até chegar ao mágico "resultado-

livro" .

A lcançando ess es objetivos expos tos, automaticamente provaremos nossa tese: a uti lização por Ana Maria Machado do que chamaremos "coloquia l elaborado" que é exatamente o tom do registro coloquial, do quotidiano, da conversa entre ami­ gos, do contar casos, sustentado, entretanto, por sólida es­ trutura lingtHs tica. " Elaborado " a partir de condições tais que permitam a manipulação de processos e usos cuj o a lcance não seria entendido nem reconhecido se o tratamento dado não fosse adequado, com doses cuidadosamente balanceadas e combi­ nada s. A idéia é de um texto aparentemente com lingua gem s im­ ples e popular. O produto final ta lvez sej a esse para os me­ nos perceptivos ou acos tumados a leituras cujos resultados

sej am imediatos. Entretanto, não se processará aquele " in­ s ight " entre autor/obra/ leitor que somente a verdadeira (re) criação artística pode proporcionar .

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tida de ótima (lUalidade , a "historinha" será entendida e apre-

ciada . No entanto , as sutj_s nua nce s que a "elaboração" engen- drada pela autora e que se multiplicam por toda a obra , se restringirão aos que procurarem num texto todas as possibili­ dades que ele pode oferecer , tanto no plano gramatical quanto no das idéias através da manipulação das formas lingüísticas . Isso valerá para o adulto interessado em fenômenos lingüísti­ cos , o adulto apenas apreciador de um belo e instigante texto e para a criança ou jovem com experiªncia e habilidade na leitura .

Para nós , então , estudiosos de língua , é sempre um raro privilégio nos depararmos com um discurso que nos dê a oportu­ nidade de pesquisas tão plenas, diversas e enriquecedoras em

.- . .... . varies niveis .

"A elaboração" menci onada não é , como já foi explicado - sendo essencial que fique bem claro - através de idéias so­ fisticadas e herméticas nem de construções preciosas . Tanto umas quanto outras podem a té aparecer algumas vezes perfeita­ mente encaixadas no contexto em que se inserem . O que quere­ mos enfatizar , o que nos serviu como desafio para a feitura deste trabalho foi o reconhecimento dessa "elaboração" com talento inegável e criatividade ilimitada para unir contrá­ rios às vezes aparentemente irreconciliáveis de forma tão harmônica . Isso para lembrar apenas uma "dificuldade " , atra­ vés da simplicidade de soluções que só a postura lingüística de Ana Maria Machado poderia conceber ao buscar uma linguagem própria que tem apenas a consciência de seus limites .

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3 5 foram aqueles que nos apareceram mais significativos. Talvez numa leitura an terior ou posterior ou ainda pessoas diferen­ tes optassem por outros . Sem dúvi da, torna-se sempre bastante subjetivo esse critério, mas era imprescindível fazê-lo .

Ignoramos se esses processos lingüísticos por ela mani-. pulados no seu ''coloquial elaborado" são intencionais - não tendo relevância esse detalhe para nós.

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fato inquestionável, entretanto, que pertencem à consciência lingüística da auto­ ra seja por formação acadêmica ou intuição .

Tai s procedimentos lingüísticos serão detalhados no de­ senvolvimento da presente tese .

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3 6 3 - LINHA TEÓRICO -METODOLÓG ICA

Den tre t an tos caminhos pos s íve i s para es tudar a obra de Ana Mar i a Machado sob um aspec to li ngüí stico , de sde o iníci o nos propus emos a não pe rmi t ir que sua obra de l i teratura in-. fanto-j uveni l fosse reduzida a frios levantamentos estati s t i ­ cos ou propos t a s tão viscera lme nte hermé ti cas que a esté ti ca do texto se di luis se em e locubraçõe s . Não de se j ávamos , por ou­ tro lado , que o es tudo baseado no ri gor e na obj etividade per­ des se em profundi dade e q ua lidade . Querí amo s pene trar a obra em suas estruturas , desnud� - la , sem que o encan tamen to dos tex tos que Ana Maria Mach ad o nos proporci ona ficasse em segundo plano . A oportuni dade de a ssociar o pra zer ( e s té ti co) ao s a­ be r ( or todoxo) nos mo tivou a e s co lher uma abordagem es t i lís ­

tic a .

Pretendemo s fa zer um es tudo esti lístico da linguagem uti­ l i z ada pe la au tora pa ra dar forma e força expre s siva ao uni � verso ficcional por e la engendrado .

Como mé tod o de abordagem , procedemo s a um levant amento do s tra ços lingüí sti co-express ivos que j u lgamos mai s importan­ tes de acordo com o grau de forç a ou de sensibi lidade que a au tora dá ao se u es t i lo através de uma de terminada es co lha . Em segu i da , os separamo s , re uni ndo no me smo i tem ( i n t i tu lado pos­ teriormen te ) ocorrênci as c u j as cara cterí sticas se j am i dênticas, co locando cada uma de las no lugar a que pe rtencem segundo a divisão da esti lística que apre sentamos : do s om , da palavra , da frase . Pbser vamos o papel que desempenham na obra , as in­ tenções e o s efei tos q ue s e lhes associ am .

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A concepçã.o de Amado Alonso de que o objetivo da estilís­ tica é " atualizar o prazer estético da criação artística na sua marcha viva para reviver ou reexperimentar"5 serve perfei­ tamente para ilustrar o trabalho de Ana Maria Machado com a linguagem, revive o tradicional, retirando dele o que é impor­ tante para o seu texto, mas sempre através de um enfoque par­ ticular e reexperimenta fórmulas novas que antes não tiveram re­ sultados tão sugestivos até chegar à renovação e invenção idio­ máticas com igual poder expressivo.

Como falantes, temos a impressão de que a língua que usa­ mos é estática. Sobre isso, assim escreve André Martinet :

Tudo consp ira para con vencer os i n d i víduos da i mobi ­ l i d ade e h om o g e ne i da d e da l í n g ua que pra t i cam : a es­ tab i li dade da f orma escr i ta, o conservan t i smo da lín­ gua ofici a l e li terária, a i ncapaci dade em que se en­ con t r am de se lembrar em de como fa l av a m de z ou v i n­

te anos an tes . • , 6

Essa constataç�o ilus6ria de estaticidade da língua se dá em virtude de seus elementos estarem em sincronia, quer dizer, " se apresentam num conjunto de correlações e oposições que constitui um estado de lí ngua, onde é apreensível uma estru­ tura "7 e também porque "o falante está sempre sincronizado com sua língua e não a percebe em movimento, visto que a continui­ dade da língua coincide com a sua própria continuidade como sujeito histórico11 8

Os fatos de urna língua apresentam a propriedade de se con­ catenarem através de correlações e oposições, constituindo as­ sociaç5es �ue geram um sistema �ujas regras que o sustentam não podem, porém, ser julgadas fixas ou imutáveis. Um sistema

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implica, naturalmente, em a rrumação , o que não significa que essa ordenação, mesmo baseada em certos princípios não estej a sujeita a novas possibilidades . Trata-se, então, de uma es� trutura dinâmica que deve servir ãs mais variadas e inespera­ das necessidades da comunicação, e, por outro lado, nunca de­ finitiva, mas sempre em elaboração . Vale insistirmos em que o sistema, que se apreende num estado de línguas, é

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s i s t e r,1 a LI � p o s s i b i 1 i da d e , d e c o o r d e na a a s q u e i nd i cam o s c am i n h o s a u e r t o s e o s f e c nà d o s d e um ' f a l a r ' c om p r e e n s l v e l nuwa c omu n i d ad e . , , r ep r e s e n­ t a d a a i nam i c i d a d e d a l í ng u a , o s eu m o a o d e s e f a :l e r, e , p o r tan t o , a s u a p o s s i b i l i d a d e d � i r ma i s a l �m d o q u e j â s e r e a l i z o u � .

O estudo do discurso de Ana Maria Machado em seus vários níveis serve como prova irrefutável dessa maleabilidade da lin�ua que teoricamente lembramos .

As múltiplas possibilidades de utilização dessas estrutu­ ras levantadas através de seu texto concretizam tudo o que subjaz latente . O resultado será ainda mais importante na me­ dida em que esse texto reveste-se de elevada qualidade lite­ rária .

Ao nos posicionarmos corno estudiosos de língua, estare­ mos em melhores condições do que o falante de analisar mais criticamente, sem o envolvimento emocional que naturalmente pode influir na observação dos fatos .

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