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1.1 PANORAMA GERAL E ESPECIFICIDADES DAS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL

1.1.6 TRABALHO INFANTIL EM ATIVIDADES ILÍCITAS: TRÁFICO DE DROGAS E CRIANÇAS-SOLDADOS

Existe amplo sistema jurídico internacional que proíbe o envolvimento infantil em conflitos armados e prevê a proteção de crianças e adolescentes em situações de emergências humanitárias ou conflitos armados. Isso reverbera na Doutrina da Proteção Integral, tal como elucidada pelo discurso do Ministro das Relações Exteriores da Áustria, Dr. Benita Ferrero-Waldner111:

Hoje, inserir os direitos humanos no centro da resolução de conflitos e reconstrução pós-conflito é mais importante do que nunca. Os recentes conflitos armados no mundo nos recordam sobre a necessidade de se aplicar os instrumentos e diretrizes internacionalmente aceitas. Porque nunca devem ser as crianças a arcarem com os fardos da guerra. Nós temos o dever de levar ajuda onde ela for mais necessária e urgente. Devemos ajudar as crianças da melhor maneira possível, salvaguardando seus direitos particularmente em situações de conflitos112.

Social. Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Pinto Leal. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.

108 SAKAMOTO, Leonardo (coord.). Brasil livre de trabalho infantil: contribuições para o debate

sobre a eliminação das piores formas do trabalho de crianças e adolescentes. Repórter Brasil: 2013, p. 34-35.

109

O mapeamento divulgou que dos aproximadamente 5.530 municípios brasileiros, 2.930 apresentam registro de eploração sexual de crianças e adolescente e, por conseguinte, mecanismos e ferramentas locais para o seu enfrentamento. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Website oficial. Lançada Matriz Intersetorial de Enfrentamentoà Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 22 de maio de 2012. Por: Assessoria de Comunicação Social.

110 SAKAMOTO, op. cit., p. 34. 111

OTUNNU, Olara A.; FERRERO-WALDNER, Benita (coords.). Children and Armed Conflict: International Standards for Action. New York & Viena: United Nations Special Representative for the Secretary General for Children and Armed Conflict & The Human Security Network, 2003, p. 3.

112 Tradução livre do original: “Today, putting human rights at the heart of conflict resolution and post

conflict rehabilitation is more important than ever. Recent armed conflicts in our world of today remind us of the necessity to apply the internationally accepted standards and instruments. (…) It must never be the children who have to carry the burden of armed conflict. We have to help where help is most

43 O recrutamento de crianças para atuação em conflitos armados, o problema das crianças-soldados, é disciplinado não apenas pela Convenção da OIT n. 182 sobre as piores

formas de trabalho infantil (1999), mas também por meio da Declaração sobre a Proteção de Mulheres e Crianças em Emergências e Conflitos Armados (1974) e do Protocolo Adicional à Convenção sobre os Direitos da Criança acerca do Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados (2000).

De acordo com o Protocolo Adicional à Convenção sobre os Direitos da Criança

acerca do Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados (2000), ensina Beth Simmons, o

recrutamento pode ser exercido em quatro panoramas principais. O primeiro panorama é o recrutamento de crianças soldado exclusivamente por Governos; estima-se que ainda ocorra em aproximadamente 36 países, entre eles, o Chade, a Eritrea e a Etiópia113.

O segundo refere-se ao recrutamento tanto por Governos quanto por grupos de oposição, panorama corroborado, por exemplo, em países africanos, mas também no Irã, Iraque, Iemen, Mianmar, Israel e Territórios Ocupados114.

O terceiro panorama é desenhado pelos Estados nos quais o recrutamento de crianças-soldados é feito exclusivamente por grupos de oposição, paramilitares ou milicianos; panorama encontrado, por exemplo, na Colômbia, no México, na ex-Yugoslávia, na Argélia, na Índia, na Indonésia e no Timor Leste115.

O quarto panorama consiste no recrutamento feito por Governos, grupos de oposição ou grupos paramilitares. Via de regra, esse panorama apenas se desdobra em locais marcados por guerras ou conflitos armados prolongados, por exemplo, em países como Serra Leoa, Sudão116, Somália e Afeganistão117.

No Direito Internacional, segundo o Protocolo relativo à Proteção de Vítimas em

Conflitos Armados Internacionais (1977), conhecido por ser o primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra (1949)118, a idade mínima para a admissão e recrutamento no

urgently needed. We shall best help the children by safeguarding their rights, particularly in situations of conflict”.

113

SIMMONS, Beth A. The Protection of Innocents: Rights of the Child. In: Mobilizing for Human Rights: International Law in Domestic Politics. New York: Cambridge University Prees, 2009, pp. 335- 336.

114 Idem, p.336. 115

Idem, ibidem.

116

Dividido em dois Estados independentes em 2011: o Sudão e o Sudão do Sul.

117 SIMMONS, op. cit, pp. 335-336.

118 As Convenções de Genebra e seus três protocolos adicionais constituem o núcleo do Direito

Internacional Humanitário. As quatro convenções são as seguintes: a I Convenção de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos Doentes das Forças Armadas em Campanha (1949), a II Convenção de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos, Doentes e Náufragos das Forças Armadas do Mar (1949), a III Convenção de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra (1949) e a IV Convenção de Genebra relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra (1949). O segundo Protocolo Adicional refere-se à Proteção de Vítimas em Conflitos Não-Internacionais (1977). O terceiro e último Protocolo Adicional refere-se à Adoção de Emblema Adicional para Distinção das

44 serviço militar e participação em hostilidades é de 15 anos (art. 24), sendo que a criança será destinatária de proteções específicas e terá prioridade em evacuação em zonas de conflitos (arts. 77 e 78).

Para os 152 Estados que ratificaram o Protocolo Facultativo da Convenção sobre os

Direitos da Criança relativa ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados (2000), a

idade mínima para a admissão e o recrutamento às forças armadas nacionais e para o envolvimento em hostilidades é de 18 anos (arts. 1o e 2o). Aliás, o Protocolo Facultativo insta aos grupos paramilitares e aos não-estatais a cumprirem à risca tal determinação.

No Brasil, o recrutamento e o envolvimento de crianças em atividades armadas militares ou paramilitares119 são vedados pela lei doméstica120, sendo que todos os referidos instrumentos do Direito Internacional na matéria foram ratificados pelo país.

Note-se que devido à situação política do Brasil, guiada pelo princípio do pacifismo no âmbito das relações internacionais (art. 4o, da CF/88), o país não é foco de violação de direitos infanto-juvenis no que se refere a sua participação em conflitos ou admissão irregular de menores no serviço militar.

Entretanto, tal como muitos outros países, o Brasil enfrenta a dificuldade de prevenir, proteger e resgatar crianças envolvidas em atividades ilícitas relativas ao tráfico de drogas e de armas. Tal circunstância é amplamente noticiada pela mídia. Nessa direção, seguem dados estatísticos apresentados pelo jornal O Estado de São Paulo:

Em 22 dos 27 estados brasileiros, o número de jovens envolvidos com o tráfico de drogas aumentou consideravelmente. As informações são de um Levantamento publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. Este delito era responsável por 7,5% dos adolescentes presos em 2002. Em 2011, passou para 26,6%, segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos. São Paulo, por exemplo, passou de 5,8% para 39,6% de adolescentes cumprindo restrição de liberdade em uma década. Além de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul Apresentaram as maiores variações em pontos percentuais, com 22,7%, 21,4%, 20,9% e 20,7%, respectivamente. De acordo com a publicação, a tendência é que esta expansão continue, amparada no aumento do consumo de drogas no país. Além disso, os jovens de menor renda estariam abandonando a escola e com mais dificuldades para entrar para o mercado. Segundo a reportagem, Partes (2005), referindo-se ao emblema de neutralidade e parcialidade daqueles representantes do

Movimento e da Comissão Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (CICV). 119

De acordo com o art. 5o, inciso XLIV, da CF/88: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático [Lei n. 9.034/1995 sobre organizações criminosas]”.

120

A Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375, de 17 de agosto de 1964) disciplina a idade mínima para ingresso nas Forças Armadas Brasileiras.

45 o tráfico é a segunda maior causa de apreensão de jovens, só perde para o roubo.121

Regra geral, as crianças e os adolescentes recrutados, tanto de forma voluntária quanto coercitiva, percebem a gravidade dos riscos a que são expostos. Em geral, essas vítimas procedem de situações de vulnerabilidade social ou familiar e, muitas vezes, de locais onde estão ausentes políticas públicas, infraestrutura e agentes garantidores dos direitos de cidadania122, que não têm outras opções para seu sustento ou de sua família, nem vislumbram possibilidades de emprego decente futuro123. Em outras palavras, “sem

qualquer perspectiva, vivem tais jovens em situação de risco absoluto, sem que qualquer política de apoio ou prevenção até o momento tenha apresentado resultados satisfatórios, até porque os ´salários` pagos pelo tráfico são mais atrativos que os do emprego lícito ou valores oferecidos por programas de inclusão”.124

Para além do risco de vida envolvido com a participação na estrutura hierárquica das organizações criminosas, no tráfico de drogas e nos confrontos com a polícia, há outra vertente negativa, bastante danosa à integridade moral e à segurança da criança e sua família. Regra geral, os que ingressam no mundo do crime ficam vinculados ao “pacto da reciprocidade forçada”, no qual as leis penais e constitucionais brasileiras devem ser burladas para garantirem proteção aos infratores, além da manutenção do tráfico propriamente dito125.

Todavia, algumas vítimas resgatadas afirmam que gozam de privilégios e prestígio entre os pares e que o trabalho envolvendo o tráfico de drogas no Brasil sustentava a formulação de sua identidade e de seu reconhecimento pela comunidade. Essa situação motiva o ingresso de crianças e adolescentes em atividades ilícitas, fato que é agravado pela disposição legal proibindo a apreensão de crianças. Então, “os soldados do tráfico são alistados cada vez mais jovens”126, apesar de a lei brasileira ser rígida quanto à proibição, supressão e punição ao tráfico de drogas exercido por maiores de 12 anos.

Conforme prescreve o art. 5o, XLIII, da CF/88: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura [Lei n. 9.455/1997], o tráfico ilícito de

121 FOLHA DE SÃO PAULO. Número de jovens no tráfico de drogas triplica em 10 anos. O

levantamento foi feito pelo jornal Folha de São Paulo. Folha de São Paulo: 11/8/2013.

122

Sobre a cidadania, cf: Os direitos humanos coo construção da igualdade: a cidadania como direito a ter direitos. In: LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, pp. 146-186.

123 FARIA, Ana Amélia Cypreste; BARROS, Vanessa de Andrade. Tráfico de drogas: uma opção entre

escolhas escassas. Revista Psicologia e Sociedade, vol. 23, n.o 3, Florianópolis, Sept./Dec. 2011.

124

OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil: com as alterações promovidas pela Lei n. 11.180, de 23 de setembro de 2005, que ampliou o limite da idade nos contratos de aprendizagem para 24 anos. São Paulo: LTr, 2006, p. 137.

125

FARIA, Ana Amélia Cypreste; op. cit.

126

46 entorpecentes e drogas afins [Lei n. 11.343/2006], o terrorismo [Decreto n. 5.639/2005, promulgando a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo] e os definidos como crimes hediondos [Lei n. 8.072/1990]”.

No caso de adolescentes infratores, há autorização para apreensão e mesmo encaminhamento a Centros de Atendimento Socioeducativo. Cerca de 60 mil jovens cumprem medidas socioeducativas atualmente no Brasil, 14 mil em regime fechado127. Apesar desse sistema repressivo, observa-se que, via de regra, os Juízes das Varas de Infância e Juventude estão priorizando a não criminalização do comportamento de adolescentes128, embora faltem alternativas à internação para o cumprimento de penas.

No caso de crianças menores de 12 anos, cabe ao Conselho Tutelar assegurar medidas protetivas à criança e à sua família, de acordo com os seguintes procedimentos: encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários, tanto para a criança quanto para a família; matrícula e monitoramento da frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão da vítima identificada em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, se for o caso.129

127

“Dos 345 mil brasileiros que cumprem algum tipo de pena, 17,4% são crianças e adolescentes com menos de 18 anos, distribuídos em 350 unidades de internação. De um total de 60 mil adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, pelo menos 14 mil estão em regime fechado e os demais em regime aberto. São Internados os adolescentes que cometem crimes mais graves como homícidio, latrocínio (roubo seguido de morte) ou assalto à mão armada. (...) Cerca de 70% desses jovens tornam-se reincidentes quando deixam as unidades de internação”. JORNAL DO BRASIL. Índice de reincidência é de 70% entre jovens que cumprem medidas socioeductivas. Por Ricardo Araújo, da Agência Brasil. Jornal do Brasil: 11/06/2011.

128

AGÊNCIA BRASIL – Empresa Brasil de Comunicação. Envolvimento de crianças e adolescentes com o tráfico de drogas tem crescido em São Bernardo do Campo. Por Elaine Patricia Cruz. Agência Brasil: 22/9/2011.

129 DIÁRIO DE SÃO PAULO. Crianças Aliciadas pelo Tráfico de Drogas. Conselho Tutelar revela

que quantidade de pequenos envolvidos com a venda de entorpecentes cresce. São Paulo: 23 de maio de 2013.

47 2.

A PLATAFORMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO À PESSOA HUMANA E DE PROMOÇÃO DO TRABALHO DIGNO.

48 2. A PLATAFORMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO À PESSOA HUMANA E

DE PROMOÇÃO DO TRABALHO DIGNO.

“Uma espécie que não protege carinhosamente os seus filhos não é digna de ser viável”. Augusto Cury130.

2.1 A PLATAFORMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA DIGNIDADE

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