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TRADICIONAIS TEORIAS CRÍTICAS TEORIAS PÓS CRÍTICAS

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 43-47)

Ensino; aprendizagem; avaliação; metodologia; didática; planejamento;

eficiência; objetivos.

Ideologia; reprodução cultural e social; poder;

capitalismo; relações sociais de produção; conscientização; emancipação e libertação; currículo oculto; resistência. Identidade, alteridade, diferença; subjetividade; significação e discurso; saber-poder; representação; cultura;

gênero, raça, etnia, sexualidade; multiculturalismo.

(Figura 2: Quadro das teorias do currículo)

Silva (2014) finaliza o seu livro defendendo a ideia de que o currículo é uma construção social e que a pergunta que é de fato relevante não é “quais conhecimentos são válidos?”, e sim “quais conhecimentos são considerados válidos?”. A “verdade” trazida nos documentos prescritivos é, na realidade, o resultado de um processo de invenção e convenção social. Então, o currículo é mais uma invenção social. Nas palavras de Silva (2014, p.148):

Ele é o resultado de um processo histórico. Em determinado momento, através de processos de disputa e conflito social, certas formas curriculares — e não outras — tornaram-se consolidadas como o currículo. É apenas uma contingência social e histórica que faz com que o currículo seja dividido em matérias ou disciplinas, que o currículo se distribua sequencialmente em intervalos de tempo determinados, que o currículo esteja organizado hierarquicamente.

Diante do que já foi discutido, visto que os documentos prescritivos formam e definem, de certo modo, a sua prática, podemos considerar que eles fazem parte do currículo formador do professor. Defendemos, portanto, que os professores se apropriem de tais documentos, que entendam as verdades que foram escolhidas para cada documento e com quais objetivos. No entanto, devem estar sempre atentos para não se imobilizarem diante das prescrições. Devem, sim, dominá-las para poder reconstruí-las à medida que acharem necessário.

Nessa mesma direção, as autoras Passoni et al. (2010) defendem a ideia de que o currículo é uma ferramenta de empoderamento do professor e que, através da compreensão do currículo que o forma, o professor pode utilizar tal

instrumento a seu favor. O currículo tem um grande poder por se tratar de um instrumento político. Os professores não devem ficar indiferentes a ele, não devem agir como simples executores de prescrições. Apesar de poucos licenciandos conhecerem o currículo que os forma – como já pudemos perceber a partir da análise das respostas dadas ao questionário14 que aplicamos –,

estamos de acordo com as autoras quando dizem que quanto mais o docente tiver consciência da sua formação, bem como participar da construção curricular, mais próxima estará a concepção de uma formação de professores que condiga com as demandas sociais. Em seu artigo, as autoras dissertam sobre a história do estudo do currículo, baseadas principalmente em Silva (2004), e chegam às conclusões de que, visto que educar é um processo ideológico, quando o professor compreende o currículo que o forma, ele toma consciência de seus deveres e direitos, para poder, dessa maneira, mudar o contexto socioeducacional em que está inserido.

No fim do artigo, é dito também que os estudos sobre currículo deveriam impactar mais a formação inicial dos licenciandos, pois se vê que os docentes se graduam e atuam em escolas sem de fato conhecer a sua própria ferramenta de trabalho. Eis algumas perguntas propostas pelas autoras que nos servem de guia em nossa pesquisa:

Como se caracteriza o currículo e seus reflexos nas ações docentes? Como se dá o processo de construção do currículo em determinada instituição formadora? O que subjaz à construção de um currículo? Qual é o papel do currículo no processo de construção identitária dos envolvidos no contexto em que ele está instituído? (PASSONI et al., 2010, p.103).

Ainda no mesmo artigo das autoras, destaca-se a importância de se formar professores capazes de lidarem habilmente com o currículo, capazes de problematizá-lo desde a sua formação inicial. Apesar de os textos prescritivos serem definidores para a identidade professoral, o que observamos nas duas universidades públicas federais aqui analisadas é que o estudo do currículo está ausente das discussões que se instauram na formação inicial, estando inclusive ausente da grade curricular dos cursos de Letras. Como poderemos querer que os futuros professores tenham a capacidade de analisar criticamente os

documentos que ditam sua prática se nem mesmo eles são capacitados para uma metarreflexão sobre a sua formação curricular?

O campo do currículo deveria andar de mãos dadas com o da didática, visto que o que ensinar se consolida através do como ensinar (PACHECO; OLIVEIRA, 2013). Apesar de tais campos terem sido construídos de forma independente, vemos que eles são complementares: um não se sobrepõe ao outro, um não pode ser substituído pelo outro, visto que são campos interdisciplinares. Nesse mesmo sentido, Cuq e Gruca (2009) compreendem que o currículo e a didática não são duas disciplinas distintas, mas, sim, duas concepções culturalmente diferentes de uma mesma disciplina.

Especificamente falando sobre o professor de língua, gostaríamos agora de apresentar algumas reflexões feitas por Serrani (2005), que defende que o currículo deve proporcionar uma formação intercultural, para que o professor venha a ser um mediador cultural. No primeiro capítulo de sua obra, é relatado o abismo existente entre a valorização teórica do componente sociocultural numa aula de língua e a sua concretização na prática. Além de o professor não receber uma boa formação nesse âmbito, o pouco tempo destinado às aulas de língua aparece como empecilho para o professor de língua se tornar um interculturalista. A dimensão sociocultural acaba aparecendo apenas como um acessório no ensino da linguagem.

Para formar um professor interculturalista, é preciso inseri-lo num contexto de aprendizagem transdisciplinar, nos quadros epistemológicos dos estudos linguísticos e discursivos, dos estudos das ciências sociais, dos estudos da subjetividade, dos estudos teóricos da aprendizagem, dos estudos teóricos sobre práticas de linguagem específicas. No entanto, o que vemos atualmente na maioria dos currículos de Letras é a ausência dessa transdisciplinaridade e a valorização de áreas de conhecimento específicas. A proposta da autora é a reestruturação da formação do professor para um caminho pluralista, que possibilite o estabelecimento de pontes culturais com outras sociedades e culturas, que propicie a diversidade sociocultural e que dê um peso relevante ao componente cultural. Esse primeiro capítulo da obra da autora nos é bastante importante, pois também defendemos a valorização do aspecto cultural na formação do professor.

No capítulo dois, há o reconhecimento de que o aspecto linguístico não deve ser o único objetivo do ensino de língua. Visto que a língua é matéria-prima da constituição identitária, devemos repensar se o lugar ocupado pelo componente sociocultural é relevante, se a adoção de um modelo curricular multidimensional e interculturalista para o planejamento de curso de línguas se faz necessário. A proposição é que “[...] em cada projeto pedagógico, currículo, programa, planejamento, etc. se selecionem, de forma explícita e destacada, grupos sociais e legados culturais que permitam um enfoque culturalmente heterogêneo” (Ibidem, p.32). O tópico cultural não deve aparecer como um apêndice, quando sobrar tempo na aula de língua, nem mesmo como um pretexto para o ensino de algum aspecto linguístico. A questão intercultural ganha destaque ao mesmo tempo que a materialidade linguística é trabalhada através de sua interdependência com os processos discursivos, ao longo das práticas verbais. Esse segundo capítulo nos parece relevante justamente por defender um currículo intercultural e a valorização da cultura na formação do professor, enxergando-a como muito mais que um mero acessório. Para nós que defendemos o uso da literatura como um meio favorável para a aprendizagem de FLE, essa proposta intercultural de Serrani (2005) nos parece bastante relevante.

Nesta pesquisa, nos propomos a analisar os documentos oficiais — ou seja, o currículo — que formam professores de FLE, justamente por acreditarmos que eles envolvem questões de saber, identidade e poder que devem ser sempre problematizadas, afinal, o currículo não é neutro. Eis a afirmação conclusiva trazida por Silva (2014, p.150):

O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade.

Como o objetivo desta pesquisa é verificar em que medida a graduação propicia/capacita/incentiva os licenciandos a usarem o texto literário em suas práticas como discentes-monitores de língua francesa nos projetos de extensão de ensino de língua de duas universidades públicas federais, vamos agora discutir sobre o uso do TL em aulas de FLE.

PARTE 2:

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 43-47)